terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A Batalha de Campo de Ourique

A chamada “batalha de Campo de Ourique”, em que se incrementou o mito do “herói fundador”, tão ao gosto da cultura grega e dos nossos historiadores dos últimos séculos, tem servido para louvar os feitos heroicos do nosso primeiro rei. Contudo, das lendas que ficaram na voz do povo desses tempos distantes, pouco há de fiável.

Sei no entanto que o povo nessa época falava uma língua pouco latinizada (muito menos latinizada que o português que falamos hoje), mas que paradoxalmente se escrevia em latim. Há portanto informação que nos chega pelos escritos latinos que reproduzem o falar popular ainda muito “fenício”. Esta lenda da “Batalha do Campo de Ourique” chega até nós como um caso interessante desta dicotomia linguística.



O pouco que se sabe de objetivo sobre a batalha de Campo de Ourique é que “…durante o Verão de 1139, Afonso Henriques dirigiu um fossado constituído por forças bastante mais numerosas que o habitual e que, apesar de ter sido atacado ou de atacar ele próprio um exército considerável, regressou cheio de glória ao território cristão.”[1] Fala-se igualmente de um “rei” Esmar e de seu sobrinho Homar Atagor (nunca identificados), e refere-se uma aparição que terá acontecido a D. Afonso Henriques.

Gastaram-se rios de tinta a escrever sobre a localização do referido confronto, já que há vários “Ourique” em Portugal, e nada de seguro se determinou. Nem se determinou, nem se poderá certamente determinar, porque a expressão “Campo de Ourique” provavelmente não se referia a um lugar. Vejamos o que significava no falar fenício do povo:

Qmadversário, inimigo
Pdhcomprar a liberdade, resgatar, libertar
Ør  – cidade
Yqyrender preito, temer, obedecer

Genericamente, a sequência QMPDØRYQY significa “o inimigo resgatou a cidade do poder”. A dita batalha de “Campo de Ourique” terá sido basicamente um confronto em que os adversários de D. Afonso Henriques, derrotados em batalha ou antecipando a derrota, resgataram a liberdade da sua cidade de origem. Por isso ninguém consegue perceber onde se realizou a batalha, porque “Campo de Ourique” não se refere certamente ao local onde decorreu a batalha, mas antes ao desfecho da mesma. De resto, existem em Portugal 14 topónimos que incluem a palavra “Ourique”, em locais que vão desde as margens do Douro até ao Baixo Alentejo, pelo que pode haver localizações da batalha para todos os gostos.

Como se sabe as lendas ampliam-se e sofrem metamorfoses como qualquer história popular (quem conta um conto…), e o mesmo aconteceu por certo com a lenda desta batalha. Como em muitos outros casos “inventou-se” uma história a partir da fonética da palavra. Se a mesma sequência fonética for agrupada em unidades diferentes, e sofrer pequenas alterações proporciona leituras que estão na base de outro aspeto da lenda:

Khaqui, assim, de sorte que
Môptsímbolo, sinal; maravilha, agouro
Dêrêkecaminho, viajem, empreendimento…        

O som “KHMÔPT DÊRÊKE” (foneticamente próximo de QMPD ØRYQY) deve ter dado origem ao “milagre/aparição” que a lenda refere, já que pode significar algo como “de sorte que agouro maravilhoso”.

Quanto ao “rei” Esmar, é fácil de perceber porque nunca foi identificado. Veja-se o que significa “esmar” em fenício:

ØZ – ser forte
MHR – guerreiro

Portanto “Esmar” (ØZ MHR) não é o nome de um rei árabe, mas apenas o nome que o povo dava a um líder muçulmano da época: “GUERREIRO FORTE”.

Quanto ao seu sobrinho, Homar Atagor, que seria certamente um nobre aliado do rei, também não parece difícil compreender a origem do nome:

ØM familiar, parente, companheiro de clã ou de tribo
MHR - guerreiro
ATjunto com, com auxílio; ao lado de
GWRatacar, hostilizar…

Homar Atagor poderá ser apenas “parente do guerreiro que vem com auxílio atacar”.

Por último e para rematar estas linhas, parece-me claro o povo falou uma língua diferente da língua escrita (e se bem calhar falada) pelas elites políticas e religiosas, e que essa língua era muito próxima das antigas línguas do Próximo Oriente. Também me parece que os nossos investigadores da História deverão aceitar este facto, porque só assim poderão evoluir na análise e interpretação dos escritos do passado.




[1] Mattoso, J. – História de Portugal, Círculo de Leitores, 1993, p. 70

sábado, 27 de dezembro de 2014

UM MONTE ALEGRE OU UM MARCO NA COLINA?

Já repararam que na toponímia a palavra “alegre” vem quase sempre acompanhada da sílaba “ta” ou “te”, ou seja, inclui sempre ou quase sempre a forma “talegre” ou a forma “alegrete”? Reparem: “Vista Alegre” (vis talegre), “Montalegre” ou “Monte Alegre” (mon talegre), “Quinta Alegre” (quin talegre) e o próprio topónimo “Talegre”, … Coincidência interessante, não é? Pois, mas vamos analisar o assunto com mais detalhe.




Folha n.º 223 da Carta Militar de Portugal

Comecemos pela palavra “talegre”. “Talegre” é a designação popular de “marco geodésico”[1], ou seja, é a designação de marco situado no alto de uma elevação. Agora repare-se que “Tl” é em ugarítico “outeiro, colina” (e “têlu”, “tellu” ou “tillu” são palavras que também significam “colina” em acádio e assírio). Por outro lado “igr” significa “marco de pedra”. Portanto em fenício “tligr” significa exatamente o mesmo que “talegre” em português: “marco de pedra na colina”. Interessante, não?

Fl. 546 da Carta Militar de Portugal

Mais interessante ainda é perceber que o nosso “monte” (no sentido de “monte alentejano”) é o termo de origem fenícia que significa precisamente o mesmo que a “herdade” de origem latina, ou seja, “herança”, “a parte que se herdou”. Assim o nosso “Montalegre” deve corresponder a um marco que assinalava o limite de uma propriedade herdada (de uma herdade, se preferirem). Por isso há dezenas de locais chamados de “Montalegre” o u “Monte Alegre”.
Quanto ao “Portalegre” e “Quinta Alegre” são topónimos que ocorrem raras vezes, não sendo por isso relacioná-los com características geográficas do território. Contudo, em fenício, a palavra “kinu” significa “quinta” (mais exatamente “jardim, horta, parque”), portanto a nossa “Quinta Alegre” pode provir de “kinu tligr”, com o significado de “quinta do marco de pedra”. Quanto a “Portalegre”, a palavra associa dois topónimos muito comuns: “portela” e “talegre”. Em comum têm o radical fenício “tel”, que como se viu corresponde à ideia de “colina”. “Portela” significa em fenício “romper as colinas” e “talegre” é, como se viu “Marco de pedra da colina”. Assim “Portalegre” deve ter significado originalmente “marco de pedra de romper a colina”.
Então, e os “Vista Alegre”? Não será absolutamente seguro, mas este “Vista Alegre” que existe na toponímia em grande número (em Portugal, mas também em Espanha) deve ter nascido de um antigo “vit tligr”. Este “vit” dos nossos avós pode ter tido um significado genérico de “construção”, já que o mesmo aplicava-se nas antigas línguas do Médio Oriente tanto a “templo”, como a “palácio” e “casa”. Há uma característica muito interessante e comum à maior parte dos locais que se chamam “Vista Alegre”, e que é serem locais urbanos. Ao contrário de muitos outros topónimos que ocorrem sempre ou quase sempre em espaços rurais (e são à centenas ou milhares), estes “Vista Alegre”, tanto em Portugal como em Espanha (com exceções) ocorre em áreas urbanas.
Outra característica significativa é que este topónimo “Vista Alegre” só muito raramente ser nome dado a uma região. De facto das dezenas de topónimos “Vista Alegre” que existem em Portugal continental e Açores, em Espanha e mesmo no Brasil e em Angola, só conheço um que corresponde à designação genérica de uma região. Este facto normalmente relaciona-se com topónimos relativamente recentes. Repare-se que por exemplo, pelo contrário, no que se refere ao topónimo “Talegre”, quatro dos oito existentes em Portugal, são nomes dados a regiões, o que atesta a sua antiguidade.
Sendo assim parece de aceitar que inicialmente o topónimo “Vista Alegre” tenha designado um edifício notável, mas que com o correr dos anos tenha servido para nomear outros locais (em especial nas antigas colónias).
Parece claro que este grupo de topónimos que incluem a palavra “alegre”, pelo menos em grande parte dos casos deve ter nascido de “talege” com o significado de “marco de pedra da colina” e não de qualquer fenómeno relacionado com alegria.



[1] Um vértice geodésico é um sinal que indica uma posição cartográfica exata e que forma parte de uma rede de triângulos com outros vértices geodésicos. São escolhidos sítios altos e isolados, com linha de visão para outros vértices

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A antiga língua do povo e a arqueologia



Folha número 279 da Carta Militar de Portugal

O conhecimento da antiga língua que, conjuntamente com o latim, deu origem ao português atual, vai permitir ajudar os arqueólogos na procura de vestígios do passado.
No caso do fragmento de mapa que se junta, quem quiser encontrar uma fortaleza antiga pode pesquisar o cabeço chamado “Raposa”. Se repararem verão que a casa junto se chama “Cardoso” e está numa região chamada “Tapada dos Guerreiros”. O interessante é que o nosso “cardoso” deve ter nascido de “qaradu oz”, que significa em fenício “fortaleza do guerreiro”.  
Neste caso o “Raposa” deve ter vindo de “rabo oz”, que quer dizer “fortaleza grande”.
Há muitos dezenas de “Cardos”, “Cardosa”, “Cardoso”, e outras palavras da mesma família. Não se pense contudo que todas elas terão sido semelhantes aos castelos medievais que preenchem o imaginário de alguns... Em muitos casos terão sido apenas casas de chefes locais, mais ou menos fortificadas, mas que podem ter deixado pouca marca perene no terreno.

Em qualquer dos casos, não usar o que já se sabe sobre a língua dos nossos antepassados é no mínimo um desperdício.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Fronteiras antigas e modernas

Mesmo em muitas populações animais o “território” é algo de fundamental para a vida dos grupos. Para o Homem deve ter sucedido o mesmo desde o tempo em que dependia da caça e recoleção, mas a importância do "território posse" de uma comunidade ampliou-se certamente após a  sedentarização e desenvolvimento da agricultura, dado o enorme esforço que é necessário para transformar um espaço natural numa paisagem humanizada (com os seus campos arroteados, plantações de árvores de fruto, silos, casas, estruturas defensivas para humanos e animais, poços, etc.). Por isso os limites dos territórios foram referência espacial de primeira importância, e criaram um conjunto de topónimos que ainda hoje se podem encontrar no país.

Em Portugal existem pelo menos dois conjuntos de topónimos que corresponderam a nomes dados a antigas fronteias: Os da família de "Miséria" (mas com variantes como "Macieira", "Maceira", "Meixeira", "Ameixeira", etc.), e os da família de "Cavalo" (com variantes como "Cavaleiro", "Carvalheiro", etc.). Vejamos um exemplo.

Os topónimos “Miséria” e “Misérias” ocorrem apenas onze vezes na Carta Militar de Portugal. Em acádio, “MISRU” significa o mesmo que “MESRU” em assírio: “fronteira, território”. Repare-se na imagem em baixo que dos dez topónimos registados nas cartas dos S. C. E. ainda hoje oito são pontos de fronteira de concelhos, e os restantes poderão ser limites de outras realidades administrativas ainda existentes (freguesias), ou ter sido de concelhos extintos, feudos desaparecidos, etc.


Outro radical que em "fenício" está relacionado com “limite de território” é “GBL”. Vejamos o significado nas línguas antigas do Próximo Oriente desta palavra e de palavras foneticamente próximas: a palavra “GB’” em ugarítico significa “colina, altura”; “GBØH” em hebraico antigo é “colina, outeiro, elevação”, o que é basicamente o mesmo. “GBL”, em ugarítico, significa “limite, fronteira; cimo, monte”, e em hebraico antigo é “montanha, fronteira, limite, fazer a divisão, marcar o limite ao redor de”, o que confirma a ideia anterior (dada por “GB’”) e a especifica. Por outro lado “QABAL”, em acádio, significa “ao meio de”, mas há também várias formas foneticamente próximas cujo sentido se relaciona com conflitos: “QABÂLU” em assírio é “afrontar-se com o inimigo, lutar”; “QABLU” em acádio significa “encontrar-se hostilmente, combate”, etc.

É possível que entre nós tenha sido usado principalmente para designar limites em áreas pouco ocupadas de serra ou campos pobres, mas que eventualmente tenham sido alvo de litígio na sua definição por parte das comunidades vizinhas. Mas isto para já é apenas uma possibilidade.

Este radical deu origem a topónimos com “Cavala” e “Cavalo” , “Cavaleiro” e “Cavaleira” e ainda “Carvalho”, “Carvalheiro” e Carvalheira”, e outras palavras próximas [1]. Verificou-se neste caso uma evolução do “G” original do "fenício", para um “C” do português atual, e num fenómeno comum de aproximação a palavras do português padrão, e a habitual “colagem” a palavras existentes no léxico das populações locais.

Embora muitas vezes os topónimos deste grupo correspondam a limites de unidades administrativas atuais, como freguesias, concelhos ou mesmo distritos, eles devem também ter sido usados para designar limites de propriedades comunitárias das aldeias, de pastagens de determinadas comunidades, etc.

O desenvolvimento destes estudos baseados na interpretação da toponímia com base na língua pré-latina  (a que de facto era falada pelo povo que criou os nomes dos sítios) permitirá conhecer muito mais do nosso passado: caminhos, povoações, necrópoles... Está tudo lá, é só preciso saber ler...




[1] - A “Carta Militar de Portugal” na escala de 1: 25 000 regista  mais de 200 locais cujo nome é da família de  “cavalo”, e da família de “carvalho” tem perto de mil.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Como os latinistas escondem a origem fenícia da língua portuguesa

A ideia de que o português nasceu de uma língua a que podemos chamar “fenício” não é nova, apenas tem sido sistematicamente escondida por latinistas medíocres. Tentam fazer crer que a língua do povo foi esquecida e que esse mesmo povo (que somos nós) era constituído por uns matarruanos abrutalhados que não só deixaram de falar a sua língua, como nunca aprenderam a falar latim devidamente.

Contudo ao longo dos tempos muitos intelectuais constataram o óbvio: a língua que o povo falava antes da conquista romana era uma língua do grupo semita ocidental, que essa língua sobreviveu e é parte fundamental do português que falamos. Veja-se o que diz em 1712 D. Raphael Bluteau:

“(…) Primeiro que imperassem na Hispânia ao Romanos, é certo, que as duas nações a que chamamos Castelhana e portuguesa falavam alguma língua, se a língua Fenícia ou Cartaginesa, se outra composta destas duas, ou misturadas com idiomas de Gregos, Galos e outros povos adventícios, não o examino nem tenho notícia suficiente para decidir questão tão intricada como esta.”


D. Raphael Bluteau, “Vocabulário Portuguez e Latino” em 1712

quinta-feira, 22 de maio de 2014

O "Farilhão", o "Palheirão" e a sua origem comum

Muitas palavras que hoje nos parecem muito diferentes tiveram uma origem comum, mas com a passagem dos séculos e dos milénios sofreram uma evolução divergente de modo que hoje já não é fácil perceber que são o mesmo dito apenas de maneiras diferentes. Para conseguir perceber este fenómeno convém conhecer os fundamentos de evolução fonética entre as línguas antigas do Próximo Oriente e as línguas atuais do sudoeste da Europa (assunto que desenvolvi no meu "A Origem da Língua Portuguesa"), pois sem esse conhecimento será muitas vezes difícil compreender em profundidade a língua portuguesa. 

Na antiguidade a nossa língua não distinguia os sons "p" e "f", e por isso topónimos como "Palheirão" e "Farilhão" são exatamente o mesmo, embora possa não parecer à primeira vista. Repare-se que...

As rochas junto à costa que estão separadas desta às vezes poucos metros, e que se mantêm como pequenas ilhas mesmo na maré cheia, chamam-se no litoral alentejano “palheirão”. A cartografia militar à escala 1:25000 apresenta algumas destas rochas com o nome próprio, mas muitas outras existem, conhecidas apenas por “palheirão” ou acompanhado do topónimo mais próximo, por exemplo, “Palheirão da Samouqueira” em Porto Covo. É claro que essas rochas nunca tiveram palha nem serviram de palheiro, tanto porque não produzem qualquer tipo de palha, como porque seriam um local totalmente desapropriado para a guardar. Assim, o “palheirão” da toponímia litoral terá certamente uma outra origem.



Mas por outro lado um “farelhão” (ou “farilhão”) é exatamente o mesmo que um “palheirão”: uma pequena ilha, por vezes escarpada, um rochedo alto no mar. Note-se que se, por exemplo, se substituir o “p” de “palheirão” por um “f”, tem-se a palavra “falheirão” que é quase igual a “farelhão”. Convirá dizer que os dicionários geralmente apontam a origem da palavra “farelhão” para o termo grego “phalarós” com o significado de “que está branco de espuma”, o que é despropositado dado que os "palheirões" ou "farilhões" são precisamente locais onde não há espuma.



A origem do nome de ambas deve provir da raiz “pl” que em ugarítico significa “fender, rachar” e que se encontra na forma hebraica antiga “plḥ” com o significado de “abrir-se, atravessar, trespassar, cortar (em pedaços), rodela, pedaço, fatia, pedra de moinho” (portanto, pedaço de pedra), e de “rm”, “rôm” ou “rwn” (“plḥ +rm”, “plḥ +rôm”, ou “plḥ +rwm”), em que , o "rm" significa “altura, ser alto, elevar-se”. Significaria à letra neste caso “pedaço elevado” ou “pedaço de rocha alto”. 

Veja-se então, e é esse o objetivo destas linhas, como palavras hoje diferentes como "farilhão" e palheirão" têm exatamente a mesma origem. O mesmo acontece na toponímia em muitas centenas de casos, alguns bem mais difíceis de compreender (ou de explicar), como por exemplo "Grangaço" e "Grão de Aço", "Perna" e "Farinha", etc. 

E isto é só o princípio, porque o que há para descobrir é seguramente muito mais que aquilo que já se descobriu. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Da "balça" à "silva"


Hoje vou explicar uma evolução um pouco mais complicada. Não sei, apeteceu-me sair das coisitas mais banais e evidentes e mostrar aos mais interessados e inteligentes que as coisa quando se investigam a fundo são um pedacinho mais complexas. Mas opto ainda assim por facilitar...  
Parece-nos que as palavras "balça" e "silva" são bem diferentes. No entanto significam exatamente o mesmo. Uma "silva" é uma "balça", e um "silvado" é um "balseiro". Contudo os latinistas até lhes atribuem origens distintas, dizendo que "balça" teve origem em “balteu”, que significa “cinto, cintura” (o que parece ser de todo despropositado), e que "silva" nasceu da também latina palavra "silva".

Observem-se os seguintes elementos: 

em hebraico antigo “bls” significa “arranhar”; 
em acádio “baltu” quer dizer “planta espinhosa”; 

em latim a nossa ideia de “silva” é dada pelo termo “rubus”; 
o termo latino “silva” significa naquela língua “floresta, mata, bosque”, e está na origem da nossa palavra “selva”. 

Repare-se ainda que:

a palavra “balsa” tem a sequência consonântica “bls”; 
e que o termo “silva” tem a sequência consonântica “slb” (b=v),
que não é senão uma metátese da primeira.

Em relação ao termo acádio “baltu”, que significa “planta espinhosa”, será um dos muitos casos de evolução divergente do som “ts” para os sons independentes “t” e “s”. 
Portanto, é provável que tenha existido um antigo termo “blts” que divergiu para as palavras “blt” e bls”. A última sofreu uma metátese e passou a “slb”: a nossa “silva”. 

É assim que se pode recuar no conhecimento das línguas para conhecer a sua origem. Mas isto é realmente um pouco mais complexo...

domingo, 13 de abril de 2014

A PIADA QUE TEM A ORIGEM DA "PIADA"

A nossa palavra “piada” tem uma origem pouco comum. Evidentemente que o “pi” inicial provém do “p’” (ou formas próximas, como “pu”), que significa em fenício “falar, dizer”; já a parte final da nossa “piada”, o “ada” vem por certo de “ĥadu”, que em acádio e assírio significa “alegrar-se, alegria, alegre” (ou da forma equivalente do hebraico antigo – “ḥdh”). Assim a “piada é à letra “falar alegre”. 
O que aqui tem piada acaba por ser a explicação que usualmente se dá para a origem da palavra "piada": diz-se que se relaciona com o verbo "piar". Mais parece pensamento de passarinho...

sábado, 5 de abril de 2014

“Zebral”, “Arca”, “Orca”, “Selada”, “Soldo” e "Anta"


Com o desenvolver da investigação que vou realizando sobre a toponímia de origem fenícia, cada vez mais me vou apercebendo da grande antiguidade de alguma dela. Já tinha reparado (e escrito) que entre os topónimos de muito grande antiguidade se podiam referir os da família de “zebro” e de “sobro” (por exemplo “zebral” e “sobral”) que têm origem no radical fenício "sbr", que significa "amontoar, fazer um monte". O nome deve ter sido usado em várias situações em que se criava um monte artificial, e não será necessário dizer que existe um número anormalmente grande de mamoas[1] e antas em Portugal que estão em locais conhecidos como "Zebro", "Zebra", "Sobro", “Sobral”, “Zebral”, etc. Concluo daí que estes nomes foram criados na época em que as mamoas foram feitas, ou seja durante o Neolítico e Calcolítico. Por isso o nome se refere ao processo construtivo - "amontoar, fazer montes", e não à forma existente cuja origem se desconhece.
Outros topónimos que o povo português ainda hoje usa quando se refere a antas ou dolmens, bem com às mamoas que por vezes ainda os cobrem, são “orca” ou “arca”. Têm ambos a mesma origem e foram igualmente criados aquando da construção desses montes artificiais a que hoje chamamos “mamoas”. Tal como no caso dos do grupo “zebro” também estes se referem ao processo construtivo, já que em fenício “Ørk” (pronunciado “ãerk” ou “õerk”) significa também “montar em camadas, empilhar”.
Por último existem os topónimos que nasceram dos radicais fenícios “sll Øth” [sellãete], como “Selada” ou “Soldo”. Este “sellãete” significa igualmente “cobrir a construção”, “envolver a construção”, “cobrir amontoando”, etc. Uma investigação simples permite ver que existem antas e mamoas com nomes dessa família[2].
É interessante perceber que em todos os casos os nomes que criaram os topónimos atuais nasceram do processo de construção, ou pelo menos foram criados por pessoas que conheciam o processo construtivo: sabiam que aquelas elevações correspondiam a montes artificiais feitos pelo Homem, o que só pode ter sucedido a gentes contemporâneas da sua construção ou que ainda usassem o espaço de algum modo. Ora esta conclusão permite deduzir que se trata de topónimos muito provavelmente criados durante o Neolítico ou Calcolítico, e portanto que nestas recuadas épocas já por cá se falava esta língua a que venho a chamar de “fenício”.
Por último, um dos nomes que ainda hoje se usa para designar aquelas construções, a “anta”, pode provir de “mat” que significa “morto, cadáver”. Do ponto de vista fonético é absolutamente normal que o “m” ou o “n” que existia no início das palavras nas línguas do Próximo Oriente tenham sido entre nós nasaladas passando a “am” ou “an” (que foneticamente é o mesmo)[3]. Portanto do termo fenício “mat”, passou-se a “amt”, e daí à atual pronúncia “anta”.
Compreender a nossa antiga língua permite abrir uma janela que antes estava fechada…




[1] - Anoto aqui, como observação marginal, que a palavra que hoje usamos, "mamoa", existe pela semelhança à "mama", ou seja, foi criada tendo em conta apenas a sua forma e não o seu conteúdo interior ou o processo construtivo. É por isso um termo muito mais recente dado por um observador que só aprecia a forma.
[2] - Basta por exemplo consultar a “Base de Dados Endovélico” (em: http://arqueologia.igespar.pt/?sid=sitios) para verificar a quantidade anormalmente grande de sítios arqueológicos do Neo-Calcolítico que existem registados com estes nomes.
[3] - É o caso da nosso verbo “andar”, que nasceu do termo fenício, “ndd” [nade]>[ande], é “marchar, vaguear, mover”.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Os “Zebro” e os “Sobro” e as mamoas Neolíticas


Uma boa parte dos topónimos antigos corresponde a elementos naturais do território, importantes para a localização e orientação dos habitantes da região onde nasceram. Há também nomes de sítios que surgiram de instituições humanas. Estes últimos são de comprovação geralmente difícil, porque muitas vezes não deixaram no território marca física que permita hoje demonstrar a sua origem.
Entre os topónimos de muito grande antiguidade que correspondem a obras do Homem ainda hoje reconhecíveis, vale a pena referir os que têm origem no radical fenício "sbr", que significa "amontoar, fazer um monte". Chegaram a nós após evolução de milhares de anos sobretudo nas formas "sobro" e "zebro", e estão claramente associados a mamoas e antas ou dólmens. É claro que os nomes "sobro" ou "zebro" foram criados no momento em que as construções foram realizadas, ou seja durante o neolítico e calcolítico, e por isso correspondiam ao processo construtivo - "amontoar, fazer montes". Já a palavra que hoje usamos, "mamoa", existe pela semelhança à "mama", ou seja, foi criada tendo em conta  apenas a sua forma  e não o seu conteúdo interior ou o processo construtivo. É por isso um termo muito mais recente.
Não será necessário dizer que existe um número anormalmente grande de mamoas e antas em Portugal que estão em locais conhecidos como "Zebro", "Zebra", "Sobro", etc.
Este novo conhecimento poderá ajudar os arqueólogos a encontrar monumentos megalíticos até agora desconhecidos, mas também a detetar as situações em que antigos monumentos foram completamente arrasados, e deles nada sobrou a não ser o nome.

quinta-feira, 6 de março de 2014

O "GODEL", O "GODELO" E O "GORDO"

Uma grande parte dos topónimos, com o passar do tempo e com a evolução da língua falada pelo povo, deixaram de ser usados como referências concretas aos eventos que justificaram o seu nascimento. Desse modo seguiram um de dois caminhos: alguns evoluíram foneticamente para palavras existentes na língua em uso; outros mantiveram a fonética próxima da original e passaram apenas a significar o evento que nomeiam.
Existem abundantíssimos exemplos de cada uma das situações. Como exemplo da primeira possibilidade podemos tomar o caso de “GRØMDHAZ”, que inicialmente significou “hospedaria segura” e que evoluiu quer para “Grão de Aço” quer para “Grandaços”; também o termo “ŠWH” fenício, que significa “ser plano, estar nivelado, etc.” (e que veio a evoluir para a nossa palavra “chão”), deu origem a topónimos como “Chã” e “Chão”, mas também a “João”.
Em outros casos os nomes dos sítios valem por si só, e nem o povo tenta uma explicação para a sua origem. Chama-se assim, porque assim sempre se chamou, e isso basta. Esse é o caso do grupo de topónimos “Godel” e “Godelo” que primeiro vou tratar. Depois falaremos de nomes que evoluem para parecerem palavras atuais.
J. P. Machado, no seu “Dicionário Onomástico e Etimológico da Língua Portuguesa” sugere uma origem germânica pata “Godel”, mas não explica porquê, nem tão pouco qual seria nesse caso o significado da palavra. Evidentemente que a origem germânica de topónimos portugueses como estes é pura ficção nascida de uma ideologia europeísta e anti meridional, mas sem o menor fundamento. Os nossos topónimos de raiz “GDL” provêm de formas fenícias como “gadôl” ou “godel”, que significam “ser grande em tamanho, em altura, em importância, em extensão, em riqueza, em poder,  etc.”. Os topónimos desta raiz, como “Godel” e “Godelo” foram frequentemente atribuídos a formas de relevo que correspondem a serras isoladas na paisagem, conforme se pode observar nos mapas que se seguem.

Uma possibilidade, por certo mais difícil de compreender, mas também mais interessante, é a de a sequência “GDL” ter evoluído para “GDR” por troca entre as líquidas “L” por “R”, e em seguida ter sofrido uma metátese “GDR” para “GRD”. Dessa evolução terá em muitos casos nascido o topónimo “Gordo”. Há largas dezenas de “Cabeça Gorda” e de “Cabeço Gordo”, que devem ter nascido por essa via. De resto, a própria palavra “gordo” pode ter esta origem, e ao contrário daquilo que geralmente se afirma não ter nascido do “gurdus” latino, que “estúpido, labrego, grosseiro”. 









domingo, 9 de fevereiro de 2014

OS QUEIJOS, OS COXOS E OS LIMITES DA TERRA

Alguém se lembrou de dizer que o “Castelo do Queijo” teria sido construído sobre uma rocha que parecia um queijo, e a coisa pegou. Hoje a “explicação oficial” para a origem do nome “Castelo do Queijo”, partilhada pelo povo e por alguma intelectualidade, é essa: “existiu no lugar onde está a fortaleza um rochedo que parecia mesmo um belo queijo”.
No entanto… na verdade este “queijo” do “Castelo do Queijo” deve ter nascido de “qṣ” ou “qṣh”, que em ugarítico e em hebraico antigo (portanto, de um modo genérico naquela língua a que costumo chamar de “fenício”), significa “extremo, borda, limite, margem, etc.”. O nome foi dado ao local pelo facto de aquele local ser o “limite, a borda, a margem”. Do mesmo radical “qṣ” ou “qṣh” nasceu o “Cochinho”, no Algarve, que não é mais que “qṣhim” ou “qṣim” (“im” é mar) que significa “limite ou borda do mar”.

(repare-se que em terra há um forte que se chama "Forte da Rata". "Rata" em fenício é "canal", e o "Forte da Rata" é o "Forte do Canal")
Moisés Espírito Santo no seu “Cinco Mil Anos de Cultura a Oeste” apresenta para esta mesma situação o topónimo “Cós”, da região de Alcobaça, local hoje afastado do mar, mas que segundo este autor, no passado, terá sido um porto fenício. Existem muitos outros topónimos que incluem o som “QS” e se referem ao limite de qualquer coisa. Temos o “Cosinhadouro”, a “Questã”, “Cochim”, “Cachim”, “Caxinas”…
Mas este som “QS” não deu só origem a topónimos. A nossa palavra “costa” (quando se refere ao território) também é um termo de origem fenícia que deve provir de “qṣt’h” [qassetôâ], em que “t’h” significa “traçar uma linha, demarcar”, e “qṣh” quer dizer “extremidade, fim, limite, margem, borda, beira, lado”. Portanto a nossa “costa” já inclui a ideia de “traçar uma linha”, e assim, quando dizemos “linha de costa” estamos na prática a usar a ideia de “linha” duas vezes.
Já agora, não continuem a pensar que os “Queijo” da toponímia tem relação com comida, que o “Cochinho” da barra de Tavira nasceu de um desgraçado a quem faltava uma perna, ou outros disparates do mesmo tipo. Os topónimos não nascem assim. Para os compreender é preciso comhecer a língua em que foram criados. O resto é imaginação popular.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Sobre a origem de alguns nomes de divindades gregas.


A obcecação europeísta e antissemita, que criou a construção teórica do “indo-europeu”, tem impedido a compreensão de que a bacia do Mediterrâneo foi uma unidade cultural e linguística contínua, e não um espaço de confronto de civilizações com origens distintas. Essa grande comunidade cultural primitiva nasceu da grande difusão civilizacional que foi a diáspora neolítica dos povos do Médio Oriente que, pouco a pouco, foram ocupando terras de bom potencial agrícola até essa época sem ocupação humana permanente.
Imbuídos dessa ideologia fomos ignorando que há muito de comum entre as sociedades, línguas e culturas do Médio Oriente e as de vastas áreas do Mediterrâneo, procurando pelo contrário no interior do continente europeu a origem das culturas Mediterrâneas do sul da Europa. É evidente para quem se detenha a pensar, mesmo que brevemente, sobre a evolução aquilo a que chamamos de “civilização”, que a Europa esteve durante muitos milénios a uma enorme distância cultural e tecnológica do Médio Oriente. Já existiam povoados de grandes dimensões a que alguns chamam de cidades naquela região, e na maior parte da Europa ainda se vivia da caça e da recoleção.
Esta realidade vai ainda hoje sendo o mais possível ocultada pelos países do norte (os mesmos que “inventaram” a ideologia do “indo-europeu”) procurando criar um “berço” da civilização na Grécia antiga, como se ela mesma não fosse apenas uma extensão natural da civilização Médio-Oriental. Daí que mesmo ao nível do nome dos seus deuses… há coisas muito curiosas.
Hera, na mitologia grega é irmã e esposa de Zeus e rege a fidelidade conjugal, e pode ostentar na mão uma romã, símbolo da fertilidade.
– Hera (fertilidade) – o nome da deusa deve ter nascido da sua característica de propiciar a fecundidade. Repare-se que “hr” [êr] ou “hry” [êri] em ugarítico, “hrh” [êrê] em hebraico antigo, bem como “eru” em acádio, significa “conceber, engravidar”. Não tem certamente relação com a ideia de “ar” (em grego “aer”).
Héstia é a deusa grega do lar e dos laços familiares, simbolizada pelo fogo doméstico. É em torno da fogueira que se junta a família, e por isso o fogo do lar é símbolo da união da família.
– Héstia (o fogo doméstico) – por certo o nome tem relação próxima com o “išt” ugarítico, que significa precisamente “fogo”.
Deméter é a deusa grega da destruição, mas também da agricultura, da terra cultivada, das colheitas, das estações do ano, e em particular do trigo. Hoje pode parecer algo contraditório a mesma deusa propiciar a destruição e as colheitas, mas para a compreender convém relacioná-la com os ciclos da natureza e das sementeiras: estações do ano, a sementeira (“morte” da semente no interior da terra e o seu renascimento) e as colheitas. Parece ter relação com a “Inanna” suméria, que originou a “Ishtar” acádia, assíria e babilónica.
 – Deméter ou Demetra (mãe da destruição e da agricultura) – do acádio “damtu”, destruição.

Hedone é um “daemon” feminino (uma divindade grega do tipo “génio”), filha de Eros e Psique, que se relaciona com o desejo sexual e com o prazer. O nome latino equivalente é “dæmon”, que veio a dar origem ao “demónio” português. A evolução do significado do nome – de “deusa do desejo e prazer” para “demónio”, fonte de todos os males – corresponde à diabolização da própria sexualidade que acabou por ocorrer na Igreja Católica.
– Hedone (desejo, prazer) – o termo “Ødnh” [edêne] em hebraico antigo significa precisamente “prazer, desejo”. A palavra próxima “Ødn”, em hebraico antigo significa “viver em delícias, regalias”, veio a dar o nosso “eden” (o paraíso).
Selene é a lua, mas também a deusa do amanhecer. É a deusa da luz que combate a escuridão da noite. Tem como equivalente romana a deusa “Luna”.
 – Selene (lua) – de “ṣhl” que em hebraico antigo e ugarítico significa “resplandecer, fazer brilhar” (tal como o “sélas” grego). Talvez que também de “lin” (hebraico antigo) ou “ln” (ugarítico) que significa “passar a noite, pernoitar”. Portanto “ṣhllin” – “resplandecer da noite”.
Apolo era filho de Zeus e Leto, e irmão gémeo de Ártemis. Parece que era conhecido na Grécia como Apollon, e para os romanos era Apollo. Entre os etruscos era conhecido por Apulu ou Aplu.
– Apolo (o mais influente dos filhos de Zeus) – Certamente com relação próxima ao acádio “aplu”, com o significado de “filho herdeiro”, ou do assírio “aplu” com o significado de “filho”.
Afrodite é a deusa do amor, beleza e sexualidade. É a equivalente grega à deusa Venus romana. Por vezes associa-se indevidamente a origem do nome a “aphros”, que significa "espuma", traduzindo-o como "erguida da espuma".

– Afrodite (deusa do amor, da beleza e sexualidade) – provável relação com “iôpi”, “iØp” ou “iØph”, “iph” (em todos os casos o “p” pode ser lido “f”), termos que significam “beleza, resplendor, mostrar-se radiante, tornar-se belo”. Também existe a possibilidade de o final da palavra, o “dite” provir de “dd”, que em ugarítico significa “amor, amado, amante”, mas também “seios” (na forma assíria é “did” e na hebraica “dd”). Por outro lado “Ørih” é “nudez, estar nua”. Assim pode admitir-se a forma composta “iphØrihdid” com o significado de “amante bela nua”. Parece-me apenas possível. Mas ainda assim será uma hipótese de trabalho mais interessante que a usualmente referida “aphros” (espuma).

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O NOSSO "PREGO" E AS DOBRAS LATINAS


Costuma aceitar-se que a nossa palavra “prego”, bem como o verbo “pregar” tenham nascido do “plicare” latino, que significa “dobrar”, ou “enrolar”. Usava-se essa palavra quando por exemplo se  enrolava um manuscrito, portanto o termo latino não tinha qualquer relação com a nossa ideia de "pregar" portanto de "trespassar", "cravar", etc.  Evidentemente que, tal como aconteceu com centenas de outras palavras, a origem latina foi procurada de forma imaginativa mas pouco científica, e não é aceitável nem lógica.
O “pregar” português deve ter nascido da forma fenícia “”pr’rq” que significa numa tradução à letra “trespassar batendo com um martelo”. Parece assim que após metátese o “pr’rq” passou a “pr’qr” e esse “preqar” abrandou para a forma “pregar”. 
É interessante este exemplo principalmente porque, ao contrário do que é mais comum, parece que neste caso não foi o objeto que deu origem ao verbo, mas o contrário.

Para saber mais sobre a origem das nossa palavras ver "A Origem da Língua Portuguesa" , por exemplo em:
 http://www.fnac.pt/A-Origem-da-Lingua-Portuguesa-Fernando-Rodrigues-de-Almeida/a727480

domingo, 26 de janeiro de 2014

O Indo-Europeu e o Homem de Piltdown


O "homem de Piltsdown”, foi um fóssil “descoberto” em 1912 no Reino Unido e anunciado ao mundo como o fóssil do hominídeo que fazia a transição entre o macaco e o Homem. De algum modo provava ou pelo menos sugeria que o Ser Humano, a vida inteligente, tinha começado em terras de “Sua Majestade”. Este achado teve grande impacto na época e abafou mesmo descobertas sérias como a do Australopithecus africanus. Como poderia ser possível que a vida inteligente não tivesse começado em Inglaterra? Como se poderia aceitar que sua majestade descendesse dos africanos?
Contudo a descoberta foi desmascarada em 1953, quando os cientistas do museu e da Universidade de Oxford revelaram que o “homem de Piltdown” era falso. Suspeita-se que a mandíbula e o canino eram de um orangotango e foram colocadas junto ao crânio de um humano moderno. A verdade é como o azeite: acaba sempre por vir à tona!


O Indo-Europeu teve um nascimento com motivações semelhantes. Como se poderia aceitar que as línguas da Europa, as línguas das nações mais poderosas do mundo, tivessem nascido no Médio-Oriente? Jamais! Os nossos pais linguísticos e culturais não poderiam vir do sul, semitas, sabe-se lá se mesmo judeus!!! Por outro lado era bom associar o inglês às línguas das antigas elites indianas: se o sânscrito e i inglês eram parentes, estava justificado o direito ancestral dos ingleses ao domínio da Índia.
Os factos contudo mostram que as línguas do leste do Mediterrâneo antecedem e certamente deram origem às restantes do mundo ocidental. É verdade que em sânscrito  sarpaḥ significa “serpente”, e `que a raiz “serpe” é comum a muitas línguas europeias modernas com o significado de “serpente”, mas … em fenício “srp” também significa “serpente”. O mesmo acontece com muitas outras palavra com as quais se tenta demonstrar a existência de um ramo humano linguístico e cultural “indo-europeu”.
De facto não existe qualquer evidência histórica, arqueológica, ou mesmo genética desta construção teórica e ideológica a que se chamou “indo-europeu”, e por isso é melhor começar a repensar a questão com seriedade e espírito científico.

A verdade é como o azeite, mas às vezes demora algum tempo a vir à tona. 

sábado, 18 de janeiro de 2014

A "QUELHA", A "CALLE" A "CALE" E O "CANALE"

Não restam dúvidas que as “Cale” da região de Aveiro são “canais”. Existem também os termos “cale” e “quelha” em português que equivalem à “calle” espanhola, que é um caminho ou uma rua, e ainda um tipo de embarcação usado nos rios do Minho a que se chama “cale” (um barco de fundo chato para navegar em canais pouco profundos). Correspondendo a ideia próxima e com uma fonética também semelhante temos ainda a palavra “calha”.



Costuma dizer-se que o nome vem do latim, de “canale”, que significa “canal”. No entanto, muito embora seja uma possibilidade aceitável, penso que entre nós a ideia genérica encerrada na sequência consonântica “c*l*” corresponde mais à ideia fenícia que se relaciona com situações em que a passagem de qualquer coisa é condicionada: seja de pessoas num caminho emparedado (a quelha, a calle, a cale) seja de água (a cale, a calha) seja de condicionamento de circulação de outros objetos (a calha “corrediça”, a calha “técnica”).
Repare-se que em acádio e em assírio “kalu” significa “conter, levar”, “kl’” em hebraico antigo significa “confinamento” e “klh” em hebraico antigo e “kla” em ugarítico quer dizer “encerrar”. Esta ideia geral de “conter, encerrar, confinar” é precisamente a que conduz tanto ao nosso “c*l*” como mesmo ao radical latino “c*n*l*” (de que é exemplo o “canale”). Sei que esta última ideia é um pouco mais difícil de perceber, mas vou tentar explicar o que penso que aconteceu:
Está fora de dúvida que as línguas antigas do Próximo Oriente são as mais próximas da antiga línguas do Neolítico que com a passagem do tempo vieram a difundir-se pelo mundo. O latim, como outras línguas antigas, bebeu nesta língua neolítica primordial, e muitas palavras latinas são composições criadas a partir dos radicais “fenícios”. É o caso deste termo latino“canale”. Em fenício “q*n*” é “cana, tubo, canudo”, etc.; por outro lado, como se viu, “k*l*” é “conter, encerrar, confinar”. O interessante é que a evolução fonética de “q*n*k*l*” se faz para “q*n*(k*)l*” e para “q*n*l*” (canale) e com significado que corresponde à junção dos dois radicais primordiais: “cana ou tubo confinante”, portanto “canal”. Sei que este fenómeno é complexo e não o conheço descrito por outros autores, mas tenho-o verificado em vários outros casos.

Em qualquer dos casos, e voltando às coisas mais simples, parece-me claro que o “canale” latino chegou até nós por via erudita através das elites urbanas e religiosas latinizadas dando origem ao nosso “canal”, mas as “quelha”, “calha” e “cale” são coisas do povo e da sua língua, e por isso são de origem popular e fenícia.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O BARLAVENTO E O SOTAVENTO





Usamos ainda hoje estes termos, tanto entre os marinheiros como enquanto designação de regiões. O “barlavento” é a área virada ao vento, a que está na direção do vento, a do lado do vento, enquanto o “sotavento” é a do lado oposto ao vento, portanto a que fica abrigada. A pergunta que se pode colocar é precisamente “qual a origem destes dois termos”? Por que motivo chamamos “barlavento” ao lado de onde sopra o vento? E porquê “sotavento” para o lado oposto?
Os dicionários consultados consideram ambas as palavras de “origem obscura”, pelo que em nada podem contribuir para o esclarecimento da situação. 
Sabendo-se que o “vento” de ambas é de origem latina, fica por clarificar a origem do “barla” de “barlavento” e o “sota” de “sotavento”.
Ora, parece que mais uma vez se pode encontrar no “fenício” a origem destas palavras. Em assírio “balru” significa “direção”, pelo que é fácil aceitar que o “balruvento” deu origem ao nosso “barlavento” após uma evolução fonética muito simples. O significado é indiscutivelmente semelhante, já que “balruvento” quer dizer precisamente o mesmo que “barlavento”, e que é simplesmente “direção do vento”.




Já em relação ao “sota” de “sotavento” parece que a situação é um pouco mais complexa. A palavra “sute”, em acádio e assírio significa “vento sul”, ou simplesmente “sul”, mas a palavra “sade” quer dizer “vento do oriente”. Pensando no Algarve, vemos que o “sotavento algarvio” é a parte oriental do Algarve, mas já se a referência for o arquipélago de Cabo Verde, o “sotavento” é o conjunto de ilhas que ficam a sul. Em qualquer dos casos trata-se de territórios que têm junto de si outros espaços por onde o vento dominante passa antes, a que se chama de “barlavento”. 



No caso do Algarve o vento dominante sopra de barlavento para sotavento, e outro tanto ocorre em Cabo Verde. Fica a hipótese de este “sotavento” corresponder à localização oposta à dos ventos dominantes, que por estas paragens do hemisfério norte vem dos quadrantes oeste ou norte. Daí que o nosso “sotavento” poder ter sido na sua origem o vento sul ou oriental, raro e oposto ao vento dominante. 

Se alguém tiver uma explicação mais interessante...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

ORIGEM E SIGNIFICADO DO TOPÓNIMO "ÍLHAVO"

É possível que o topónimo “Ílhavo” signifique “costa das febres” e seja proveniente de “iili’abu” ou “iili’avu”. O radical “ii” significa em hebraico antigo “costa, litoral, ilha” e tem equivalente em ugarítico no termo “ay” ao qual é dado o significado de “ilha”. O termo “li’avu” é proveniente da “terapêutica mesopotâmica” (que é um glossário assírio especialmente interessante por conter termos ligados à medicina), e significa precisamente “febre”. Daí a possibilidade de “Ílhavo” ter significado originalmente “terra da febre”, e o nome de toda a região ter mais tarde ficado ligado à povoação.


Não me parece descabida esta possibilidade, visto que em tempos recuados a costa marítima seria precisamente onde está hoje o rio Boco, e os terrenos que hoje existem a Oeste seriam primeiro mar aberto, e mais tarde pântanos. De resto toda essa região a Oeste de Ílhavo é dominada por locais de nome “gafanha”: é a da “Nazaré”, a de” Aquém”, a da “Boavista”, a da “Encarnação”, a do “Carmo”, a da “Vagueira”, a da “Boa Hora”, a do “Areão”… Quer isto dizer que toda aquela região era terra de “gafos”, ou seja, de leprosos. Portanto deve ter-se tratado de uma área inóspita, pantanosa e cheia de mosquitos, certamente em certos períodos com paludismo endémico.
Esta possibilidade pode de algum modo ser confirmada com a existência do topónimo “febres” no sul da antiga “costa velha”, no concelho de Cantanhede, que será a tradução para português atual do topónimo “Ílhavo”.
José Pedro Machado refere o uso de várias grafias antigas para este topónimo: “Iliauo” entre 1037 e 1065; “Iliauo” e “Iliabum” em 1088; “Ilauum” em 1095; “Ilhauo”  em 1176; “Ilhevo” e “Ilhovo” no séc. XVI.  É de notar que em especial as formas mais antigas são muito próximas do “iili’abu” fenício.
Dados todos estes factos sou de opinião que o topónimo “Ílhavo” deve ter nascido de “iili’abu”, com o significado de “costa das febres”, e que constituía designação genérica de toda a costa pantanosa da região da atual Ria de Aveiro. Mais tarde o topónimo acabou por ficar associado a um dos seus povoados mais antigos, a atual cidade de "Ílhavo".