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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

"MIRA" E A TERRA FÉRTIL

É provável que o radical “mira”, tão comum na nossa toponímia, tenha pelo menos duas origens diferentes. Por um lado há topónimos em que este “mira” está relacionado com o verbo latino “mirare”, e portanto uma relação com o “mirar” do português atual. São exemplos de topónimos com esta origem os “Miradouro”, os “Mirante”, etc. Há contudo outros topónimos que por certo têm uma raiz diferente. É o caso de “Miranda”, “Ramiro”, “Almiranta”, “Odemira” e mesmo de “Mira” quando ocorre isoladamente. Neste caso o radical “mira” deve provir do termo fenício “mr’” (em acádio “mari”), e significar simplesmente “terra fértil”.
Enquanto os topónimos do primeiro grupo são muito abundantes nas nossas ilhas atlânticas, os do segundo grupo são aí inexistentes. Este facto sugere que o radical fenício “mr’” já não devia ser usado com o significado de “terra fértil” quando as ilhas foram colonizadas, e que por seu lado já era usado nessa época o verbo “mirar” de origem latina.
O significado dos topónimos de origem fenícia pode ter explicações interessantes. Por exemplo, “Miranda”, deve provir de “mr’” (que significa “terra fértil”) e de “Ømd”, que significa “lugar”. Assim as nossas “Mirandas” devem ter significado apenas e simplesmente “lugar de terra fértil”. Pode contudo este “anda” de “Miranda” provir de “Ømdh”, com o significado de “refúgio, posto”. Nesse caso o nome resultaria da existência de algum tipo de proteção defensiva (um castelo, uma torre de vigia uma cerca simples de troncos?), e o nome teria o significado de “refúgio da terra fértil”.

Localização dos topónimos “Miranda” segundo mapa produzido em http://www.igeoe.pt/igeoesig/

Já os topónimos do grupo “Ramiro” (Ramiro, Ramirão, Ramira, Ramires), devem ter relação com pastagens em terra fértil, e o nome deve ter nascido de “rØh mr’”, termos fenícios que significa respetivamente “pastar” e “terra fértil”.

É claro que o topónimo “Odemira” corresponde à junção do radical de origem árabe “ode” ao nosso mais antigo “mira”. Ora este “ode”, comum a “Odelouca”, “Odesseixe”, “Odivelas”, “Odemira”, etc., provém do “uad” árabe, que significa “rio” e deve ter sido acrescentado ao radical “mira” que já existia. Terá tido então o significado de “rio da terra fértil”. O mais curioso é que nome do rio acabou por perder a partícula que inicialmente significava “rio”. De resto faz algum sentido, porque chamar ao rio “rio de Odemira” corresponde na prática a dizer “rio de rio mira”.

sábado, 27 de dezembro de 2014

UM MONTE ALEGRE OU UM MARCO NA COLINA?

Já repararam que na toponímia a palavra “alegre” vem quase sempre acompanhada da sílaba “ta” ou “te”, ou seja, inclui sempre ou quase sempre a forma “talegre” ou a forma “alegrete”? Reparem: “Vista Alegre” (vis talegre), “Montalegre” ou “Monte Alegre” (mon talegre), “Quinta Alegre” (quin talegre) e o próprio topónimo “Talegre”, … Coincidência interessante, não é? Pois, mas vamos analisar o assunto com mais detalhe.




Folha n.º 223 da Carta Militar de Portugal

Comecemos pela palavra “talegre”. “Talegre” é a designação popular de “marco geodésico”[1], ou seja, é a designação de marco situado no alto de uma elevação. Agora repare-se que “Tl” é em ugarítico “outeiro, colina” (e “têlu”, “tellu” ou “tillu” são palavras que também significam “colina” em acádio e assírio). Por outro lado “igr” significa “marco de pedra”. Portanto em fenício “tligr” significa exatamente o mesmo que “talegre” em português: “marco de pedra na colina”. Interessante, não?

Fl. 546 da Carta Militar de Portugal

Mais interessante ainda é perceber que o nosso “monte” (no sentido de “monte alentejano”) é o termo de origem fenícia que significa precisamente o mesmo que a “herdade” de origem latina, ou seja, “herança”, “a parte que se herdou”. Assim o nosso “Montalegre” deve corresponder a um marco que assinalava o limite de uma propriedade herdada (de uma herdade, se preferirem). Por isso há dezenas de locais chamados de “Montalegre” o u “Monte Alegre”.
Quanto ao “Portalegre” e “Quinta Alegre” são topónimos que ocorrem raras vezes, não sendo por isso relacioná-los com características geográficas do território. Contudo, em fenício, a palavra “kinu” significa “quinta” (mais exatamente “jardim, horta, parque”), portanto a nossa “Quinta Alegre” pode provir de “kinu tligr”, com o significado de “quinta do marco de pedra”. Quanto a “Portalegre”, a palavra associa dois topónimos muito comuns: “portela” e “talegre”. Em comum têm o radical fenício “tel”, que como se viu corresponde à ideia de “colina”. “Portela” significa em fenício “romper as colinas” e “talegre” é, como se viu “Marco de pedra da colina”. Assim “Portalegre” deve ter significado originalmente “marco de pedra de romper a colina”.
Então, e os “Vista Alegre”? Não será absolutamente seguro, mas este “Vista Alegre” que existe na toponímia em grande número (em Portugal, mas também em Espanha) deve ter nascido de um antigo “vit tligr”. Este “vit” dos nossos avós pode ter tido um significado genérico de “construção”, já que o mesmo aplicava-se nas antigas línguas do Médio Oriente tanto a “templo”, como a “palácio” e “casa”. Há uma característica muito interessante e comum à maior parte dos locais que se chamam “Vista Alegre”, e que é serem locais urbanos. Ao contrário de muitos outros topónimos que ocorrem sempre ou quase sempre em espaços rurais (e são à centenas ou milhares), estes “Vista Alegre”, tanto em Portugal como em Espanha (com exceções) ocorre em áreas urbanas.
Outra característica significativa é que este topónimo “Vista Alegre” só muito raramente ser nome dado a uma região. De facto das dezenas de topónimos “Vista Alegre” que existem em Portugal continental e Açores, em Espanha e mesmo no Brasil e em Angola, só conheço um que corresponde à designação genérica de uma região. Este facto normalmente relaciona-se com topónimos relativamente recentes. Repare-se que por exemplo, pelo contrário, no que se refere ao topónimo “Talegre”, quatro dos oito existentes em Portugal, são nomes dados a regiões, o que atesta a sua antiguidade.
Sendo assim parece de aceitar que inicialmente o topónimo “Vista Alegre” tenha designado um edifício notável, mas que com o correr dos anos tenha servido para nomear outros locais (em especial nas antigas colónias).
Parece claro que este grupo de topónimos que incluem a palavra “alegre”, pelo menos em grande parte dos casos deve ter nascido de “talege” com o significado de “marco de pedra da colina” e não de qualquer fenómeno relacionado com alegria.



[1] Um vértice geodésico é um sinal que indica uma posição cartográfica exata e que forma parte de uma rede de triângulos com outros vértices geodésicos. São escolhidos sítios altos e isolados, com linha de visão para outros vértices

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A antiga língua do povo e a arqueologia



Folha número 279 da Carta Militar de Portugal

O conhecimento da antiga língua que, conjuntamente com o latim, deu origem ao português atual, vai permitir ajudar os arqueólogos na procura de vestígios do passado.
No caso do fragmento de mapa que se junta, quem quiser encontrar uma fortaleza antiga pode pesquisar o cabeço chamado “Raposa”. Se repararem verão que a casa junto se chama “Cardoso” e está numa região chamada “Tapada dos Guerreiros”. O interessante é que o nosso “cardoso” deve ter nascido de “qaradu oz”, que significa em fenício “fortaleza do guerreiro”.  
Neste caso o “Raposa” deve ter vindo de “rabo oz”, que quer dizer “fortaleza grande”.
Há muitos dezenas de “Cardos”, “Cardosa”, “Cardoso”, e outras palavras da mesma família. Não se pense contudo que todas elas terão sido semelhantes aos castelos medievais que preenchem o imaginário de alguns... Em muitos casos terão sido apenas casas de chefes locais, mais ou menos fortificadas, mas que podem ter deixado pouca marca perene no terreno.

Em qualquer dos casos, não usar o que já se sabe sobre a língua dos nossos antepassados é no mínimo um desperdício.