domingo, 9 de fevereiro de 2014

OS QUEIJOS, OS COXOS E OS LIMITES DA TERRA

Alguém se lembrou de dizer que o “Castelo do Queijo” teria sido construído sobre uma rocha que parecia um queijo, e a coisa pegou. Hoje a “explicação oficial” para a origem do nome “Castelo do Queijo”, partilhada pelo povo e por alguma intelectualidade, é essa: “existiu no lugar onde está a fortaleza um rochedo que parecia mesmo um belo queijo”.
No entanto… na verdade este “queijo” do “Castelo do Queijo” deve ter nascido de “qṣ” ou “qṣh”, que em ugarítico e em hebraico antigo (portanto, de um modo genérico naquela língua a que costumo chamar de “fenício”), significa “extremo, borda, limite, margem, etc.”. O nome foi dado ao local pelo facto de aquele local ser o “limite, a borda, a margem”. Do mesmo radical “qṣ” ou “qṣh” nasceu o “Cochinho”, no Algarve, que não é mais que “qṣhim” ou “qṣim” (“im” é mar) que significa “limite ou borda do mar”.

(repare-se que em terra há um forte que se chama "Forte da Rata". "Rata" em fenício é "canal", e o "Forte da Rata" é o "Forte do Canal")
Moisés Espírito Santo no seu “Cinco Mil Anos de Cultura a Oeste” apresenta para esta mesma situação o topónimo “Cós”, da região de Alcobaça, local hoje afastado do mar, mas que segundo este autor, no passado, terá sido um porto fenício. Existem muitos outros topónimos que incluem o som “QS” e se referem ao limite de qualquer coisa. Temos o “Cosinhadouro”, a “Questã”, “Cochim”, “Cachim”, “Caxinas”…
Mas este som “QS” não deu só origem a topónimos. A nossa palavra “costa” (quando se refere ao território) também é um termo de origem fenícia que deve provir de “qṣt’h” [qassetôâ], em que “t’h” significa “traçar uma linha, demarcar”, e “qṣh” quer dizer “extremidade, fim, limite, margem, borda, beira, lado”. Portanto a nossa “costa” já inclui a ideia de “traçar uma linha”, e assim, quando dizemos “linha de costa” estamos na prática a usar a ideia de “linha” duas vezes.
Já agora, não continuem a pensar que os “Queijo” da toponímia tem relação com comida, que o “Cochinho” da barra de Tavira nasceu de um desgraçado a quem faltava uma perna, ou outros disparates do mesmo tipo. Os topónimos não nascem assim. Para os compreender é preciso comhecer a língua em que foram criados. O resto é imaginação popular.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Sobre a origem de alguns nomes de divindades gregas.


A obcecação europeísta e antissemita, que criou a construção teórica do “indo-europeu”, tem impedido a compreensão de que a bacia do Mediterrâneo foi uma unidade cultural e linguística contínua, e não um espaço de confronto de civilizações com origens distintas. Essa grande comunidade cultural primitiva nasceu da grande difusão civilizacional que foi a diáspora neolítica dos povos do Médio Oriente que, pouco a pouco, foram ocupando terras de bom potencial agrícola até essa época sem ocupação humana permanente.
Imbuídos dessa ideologia fomos ignorando que há muito de comum entre as sociedades, línguas e culturas do Médio Oriente e as de vastas áreas do Mediterrâneo, procurando pelo contrário no interior do continente europeu a origem das culturas Mediterrâneas do sul da Europa. É evidente para quem se detenha a pensar, mesmo que brevemente, sobre a evolução aquilo a que chamamos de “civilização”, que a Europa esteve durante muitos milénios a uma enorme distância cultural e tecnológica do Médio Oriente. Já existiam povoados de grandes dimensões a que alguns chamam de cidades naquela região, e na maior parte da Europa ainda se vivia da caça e da recoleção.
Esta realidade vai ainda hoje sendo o mais possível ocultada pelos países do norte (os mesmos que “inventaram” a ideologia do “indo-europeu”) procurando criar um “berço” da civilização na Grécia antiga, como se ela mesma não fosse apenas uma extensão natural da civilização Médio-Oriental. Daí que mesmo ao nível do nome dos seus deuses… há coisas muito curiosas.
Hera, na mitologia grega é irmã e esposa de Zeus e rege a fidelidade conjugal, e pode ostentar na mão uma romã, símbolo da fertilidade.
– Hera (fertilidade) – o nome da deusa deve ter nascido da sua característica de propiciar a fecundidade. Repare-se que “hr” [êr] ou “hry” [êri] em ugarítico, “hrh” [êrê] em hebraico antigo, bem como “eru” em acádio, significa “conceber, engravidar”. Não tem certamente relação com a ideia de “ar” (em grego “aer”).
Héstia é a deusa grega do lar e dos laços familiares, simbolizada pelo fogo doméstico. É em torno da fogueira que se junta a família, e por isso o fogo do lar é símbolo da união da família.
– Héstia (o fogo doméstico) – por certo o nome tem relação próxima com o “išt” ugarítico, que significa precisamente “fogo”.
Deméter é a deusa grega da destruição, mas também da agricultura, da terra cultivada, das colheitas, das estações do ano, e em particular do trigo. Hoje pode parecer algo contraditório a mesma deusa propiciar a destruição e as colheitas, mas para a compreender convém relacioná-la com os ciclos da natureza e das sementeiras: estações do ano, a sementeira (“morte” da semente no interior da terra e o seu renascimento) e as colheitas. Parece ter relação com a “Inanna” suméria, que originou a “Ishtar” acádia, assíria e babilónica.
 – Deméter ou Demetra (mãe da destruição e da agricultura) – do acádio “damtu”, destruição.

Hedone é um “daemon” feminino (uma divindade grega do tipo “génio”), filha de Eros e Psique, que se relaciona com o desejo sexual e com o prazer. O nome latino equivalente é “dæmon”, que veio a dar origem ao “demónio” português. A evolução do significado do nome – de “deusa do desejo e prazer” para “demónio”, fonte de todos os males – corresponde à diabolização da própria sexualidade que acabou por ocorrer na Igreja Católica.
– Hedone (desejo, prazer) – o termo “Ødnh” [edêne] em hebraico antigo significa precisamente “prazer, desejo”. A palavra próxima “Ødn”, em hebraico antigo significa “viver em delícias, regalias”, veio a dar o nosso “eden” (o paraíso).
Selene é a lua, mas também a deusa do amanhecer. É a deusa da luz que combate a escuridão da noite. Tem como equivalente romana a deusa “Luna”.
 – Selene (lua) – de “ṣhl” que em hebraico antigo e ugarítico significa “resplandecer, fazer brilhar” (tal como o “sélas” grego). Talvez que também de “lin” (hebraico antigo) ou “ln” (ugarítico) que significa “passar a noite, pernoitar”. Portanto “ṣhllin” – “resplandecer da noite”.
Apolo era filho de Zeus e Leto, e irmão gémeo de Ártemis. Parece que era conhecido na Grécia como Apollon, e para os romanos era Apollo. Entre os etruscos era conhecido por Apulu ou Aplu.
– Apolo (o mais influente dos filhos de Zeus) – Certamente com relação próxima ao acádio “aplu”, com o significado de “filho herdeiro”, ou do assírio “aplu” com o significado de “filho”.
Afrodite é a deusa do amor, beleza e sexualidade. É a equivalente grega à deusa Venus romana. Por vezes associa-se indevidamente a origem do nome a “aphros”, que significa "espuma", traduzindo-o como "erguida da espuma".

– Afrodite (deusa do amor, da beleza e sexualidade) – provável relação com “iôpi”, “iØp” ou “iØph”, “iph” (em todos os casos o “p” pode ser lido “f”), termos que significam “beleza, resplendor, mostrar-se radiante, tornar-se belo”. Também existe a possibilidade de o final da palavra, o “dite” provir de “dd”, que em ugarítico significa “amor, amado, amante”, mas também “seios” (na forma assíria é “did” e na hebraica “dd”). Por outro lado “Ørih” é “nudez, estar nua”. Assim pode admitir-se a forma composta “iphØrihdid” com o significado de “amante bela nua”. Parece-me apenas possível. Mas ainda assim será uma hipótese de trabalho mais interessante que a usualmente referida “aphros” (espuma).