segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

DECORAR E MARRAR

Dizem os dicionários que o verbo “decorar” provém de “de+cor+ar”, sendo este “cor” proveniente do termo latino “cor” que significa “coração”. É certamente mais um caso de uma etimologia errada e tola, pois está bem de ver que a ideia de “coração” tem pouca relação com o “saber de memória”. Por isso, penso que será muito mais provável que a origem da nossa palavra “decorar” esteja em “qr’ ”, já que “qr’” [qorô] significa em fenício “recitar”, e recitar é precisamente dizer de memória. É evidente que essa ideia de “recitar” pode facilmente estar na origem do nosso “dizer de cor”, e consequentemente do verbo “decorar”. O mesmo "qr" (qoro) está presente em "encornar", que é igualmente "decorar"...
Ao contrário daquilo que se afirma geralmente, a palavra “marrar” não terá certamente relação alguma com “marra”, que significa “sacho” em latim. Pode antes ter uma relação com “mrh” [marrâ] que significa em fenício “ser teimoso, obstinado” e que se ajusta bem a um certo sentido em que utilizamos o termo “marrar” no sentido de “estudar muito” (por exemplo, estudar obstinadamente. De resto, quando se diz por exemplo “ele marrou para ali”, no sentido de “teimar”, este “marrar” é “ser teimoso, ser obstinado”, e provém certamente do “mrh”. O mesmo acontece quando se utiliza a palavra “marrar” no sentido de “estudar”, que é um ato de teimosia.

Por isso, quer estejas a “marrar”, quês saibas a lição “de cor”, estás a fazê-lo em fenício e não latim.

Caparica é "capa rica" ou "ponta mole"?

O topónimo “Caparica”, ao contrário daquilo que por vezes se afirma, nada tem que ver com a ideia de “capa rica”. O nome resulta da existência de um cabo (“Øqb” – “parte final”) de areia, lodo ou outro material macio (“rk” – “ser mole, der macio”). Assim “aqaberik” deve ter evoluído para “qaberik” e por fim para “qaperik”, com o significado de “ponta macia”, como referência ao facto de a margem sul da foz do Tejo ser constituída por uma ponta de areias ou lodos, e não por rochas.


Extrato da folha nº 441-B da Carta Militar de Portugal


Este mesmo radical “Øqb” ajudou à formação de um outro topónimo que ocorre na margem esquerda da foz dos rios:  “cabedelo”, que deve provir precisamente de “Øqb” [acaba] e de “dll” [del]. O radical “Øqb” [acaba] é nosso conhecido porque entre outras deu origem ao nosso verbo “acabar”, e em fenício significa precisamente “chegar ao fim, acabar”, mas também na forma “cabo” quando nos referimos ao fim de alguma coisa “dar cabo de”. Evidentemente que a própria forma latina “caput”, que significa “cabo”, nasceu desta mesma raiz. A raiz “dll” [del] (ou “dl”), significa geralmente “ser fraco, ser pequeno, ser insignificante”. Portanto neste caso trata-se de da mesma ideia dita de um modo ligeiramente diferente: "cabo fraco" em vez de "cabo mole".

Já agora convém referir que a raiz “Øqb” (acaba) foi utilizada para designar locais onde a terra acabava em outros locais do velho mundo. Veja-se por exemplo a “Aqaba” no extremo do golfo com o mesmo nome, no limite norte do Mar Vermelho.


domingo, 27 de dezembro de 2015


O "basqueiro" e a confusão da sua origem

Esta palavra é pronunciada indiferentemente “basqueiro” ou “vasqueiro”, o que remete para a essência da própria língua fenícia em que a distinção entre os dois sons era inexistente. O seu significado é “barulheira, confusão, caos, balbúrdia, desordem”, mas é mais usada no sentido de “barulho desagradável e caótico, espalhafato”.
É claro que a ideia muito difundida de que esta palavra teria alguma relação com “ânsias”, entendidas como o “estertor da morte” não faz o menor sentido, sendo por isso necessário encontrar uma explicação mais lógica. De facto esta é mais uma palavra nascida da língua falada pelo povo que foi conquistado e “colonializado” pelos romanos, não tendo por isso qualquer relação com o latim.
A origem do nosso “basqueiro” deve estar em “b’š qr’”[1], que significa “clamar odioso”, “gritar odioso”, “voz odiosa” ou “estrondo odioso. Os “vascos” e “vascas” inventados para explicar o nascimento da palavra não passam de delírios latinistas sem sentido.




[1] - Radicais próximos de “qr’” são “qra”, que significa “clamar, gritar”, e “ql” é “voz, estrondo”.

sábado, 19 de dezembro de 2015

O "CHINELO" E A TONTICE



Alguns dicionários afirmam que o nosso velho “chinelo” provém de “pianella”, que é em italiano um diminutivo de “piano”, que significa “plano”. Tontices...

A origem da palavra na realidade deve ser bem diferente. Tal como em “sandália” e em “chanato”, também a nossa palavra “chinelo” deve ter relação com o termo acádio e assírio “šenu” [chenu], que significa “calçar, sapato, sandália”. No caso do nosso “chinelo” (ou “chinela”), a parte final da palavra, o “nelo” deve ter nascido do termo acádio e assírio “nalu” que significa “deitar-se,  repousar, dormir”. Portanto o nosso “chinelo” em fenício significa à letra “calçado de dormir”. É sem dúvida o nosso “chinelo”.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Para os interessados em adquirir o "A Origem da Língua Portuguesa" aos balcões de livrarias, segue-se uma listagem com algumas delas. 

Livraria Les Enfants Terribles
Cinema Nimas
Av. 5 de Outubro, 42B
1050 Lisboa

Livraria Nun’Álvares
Rua 5 de Outubro, n.º 59
7300-133 Portalegre

Livraria Papelaria 115
Praça 8 de Maio, n.º 29
3000-300 Coimbra

Livraria Branco
Rua Dr. Roque Silveira, n.º 95
5000-630 Vila Real

Livraria Caminho
Rua Pedro Santarém, n.º 41
2000-223 Santarém

Representações Online
Praça do Comércio, n.º 108
4720-337 Ferreiros AMR

Livraria BrincoLivro
Rua Alexandre Herculano, 301
3510 – 038 Viseu

Livraria Universo
Rua do Concelho, n.º 13
2900-331 Setúbal
  
Livraria de José Alves
Rua da Fábrica, n.º 74
4050-246 Porto

Livraria Esperança
Rua dos Ferreiros, 119
9000-082 Funchal

Nazareth e Filho
Praça do Giraldo, 46
7000-406 Évora

Livraria Graça
Rua da Junqueira, n.º 46
4490-519 Póvoa do Varzim

Aliete S Clara Brito
Avenida 25 de Abril, lote 24 R/C
8500-511 Portimão

Livraria Caravana 
Morada Sede: Av. 25 de Abril, Edf. Vila Flôr 6º 
 8100-596 Loulé 

Livraria Papelaria Meneses                             
Rua da Sobreira, n.º 206 Paços de Brandão
4535- 297 Aveiro     

Está disponível online no nosso site e na FNAC.PT,  Wook, na bertrand Online e no Sítio do Livro.

É possível, também, encomendá-lo em qualquer balcão Fnac, Book.it e Bertrand.

sábado, 5 de dezembro de 2015

OS GADOS NA TOPONÍMIA

Os topónimos do mundo rural resultaram tanto da realidade física do território como das atividades humanas que nele se desenvolveram. Existem muitos topónimos que nasceram dos nomes que em tempos remotos foram dados a fontes, serras, rios, planícies, etc., mas temos muitos outros que resultaram da existência de povoados, campos agrícolas, poços, acampamentos de pastores… Muitos dessas antigas evidências da atividade do Homem desapareceram sem deixar marca, e delas muitas vezes nada resta além de um nome que teimosamente resiste à passagem do tempo. Deste modo o estudo da toponímia assemelha-se à abertura de uma nova janela para o passado, janela essa que nos permite obter imagens que de outro modo nos estariam vedadas.
Uma das atividades que marcou fortemente a ocupação do território ao longo de milénios, e consequentemente marcou a toponímia, foi a pecuária, em especial os locais de pastagem e os locais de recolha dos gados. Neste breve apontamento analiso alguns topónimos relacionados com esta atividade, explicando o seu significado com base nos conhecimentos que já existem sobre a língua de origem fenícia que está na raiz do português e tentando perscrutar a época em que os topónimos foram criados.

Carapeto
Vale a pena começar esta análise pelo topónimo “Carapeto” (e pelos muitos outros que lhe são foneticamente próximos) porque constitui uma situação particularmente interessante. Não existe nas publicações mais divulgadas uma explicação para a etimologia das palavras desta família, e geralmente aceita-se desconhecer a sua origem.
Efetivamente as palavras deste grupo podem ter vários significados, todos eles de origem fenícia. Quanto a “carapeteiro”, termo que significa “mentiroso”, pode dizer-se que a palavra resulta da justaposição de dois radicais fenícios – “qr’” [qarâ] e “pth”[1] [petêe] – que de resto deram origem a outras palavras do português ainda em uso. O termo fenício “qr’” significa nessa antiga língua “cara, face”, e veio precisamente a dar origem à nossa palavra “cara”. O termo fenício “pth” significa “deixar-se enganar”, e deu origem à nossa palavra “peta” (mentira, engano, aldrabice). Portanto o “qr’pth” [qarâpetêe] fenício está na origem do nosso “carapeteiro” com o significado de “mentiroso”. Está bom de ver que este conceito, por muito interessante que possa ser na vida social de uma comunidade, não reúne as condições para que se possa transformar em topónimo.
 Contudo há palavras da mesma família potencialmente relacionadas com toponímia, entre as quais está o termo “carapeto” quando significa “espinheiro bravo”, “pereira brava”, e “espinho” ou “plana espinhosa”. Há na toponímia um grande número de sítios com nomes que devem ter a mesma origem, como sejam “Carrapeto”, “Carapeto”, “Carapeteiro”, “Catapereiro”, “Carrapatosa”, “Carrapato”, “Carrapateira”, etc. A origem destes termos é uma outra, bem distinta da anterior e a deve-se à evolução de “krrpt”, termo fenício que significa genericamente “estábulo de cordeiros”.
Repare-se:
kr [kar]– cordeiro, borrego[2]
rpt  [rèpèt] - curral, estábulo
Portanto, Carapeto, Carapeteira, Carrapateira, Carapito, etc. terão sido locais onde havia currais, ou melhor, comunidades de pastores, e a palavra deve ter nascido do fenício precisamente de “Krrpt” [karrèpèt], que significa à letra “estábulo de cordeiros”[3]. Pode contudo haver alguns topónimos (por certo raros) em que o nome provenha da existência de pereira bravas ou de espinheiro bravos (ambos conhecidos por carapeteiro). De resto, o próprio nome “carapeto” usado tanto para espinho como para arbusto espinhoso deve ter uma origem interessante que vale a pena referir.
Os abrigos para animais mais antigos que o Homem construiu terão sido certamente feitos criando de cercas de arbustos espinhosos, como de resto ainda acontece em algumas regiões de África[4]. É claro que cercas feitas para proteger os gados de predadores e de roubos, construídas de arbustos espinhosos, não deixam vestígio arqueológico, sendo por isso impossível demonstrar a relação entre o topónimo e a antiga atividade, mas a analogia com práticas que sobreviveram até aos nossos dias dão crédito à ideia. Ora, se os recintos assim construídos eram conhecidos por “krrpt”, é fácil admitir que os arbustos espinhosos que os constituíam tenham ganho o mesmo nome – “carapeto”. Assim terá o nome das cercas sido aplicado aos arbustos espinhosos com que eram construídas, e daí a origem dos nossos “carapeteiros” como arbustos espinhosos[5].
O nome deve ser de uso muito antigo, desde logo porque está quase ausente da toponímia das ilhas atlânticas. Outro indício da grande antiguidade do topónimo é o fato de ele ser usado como nome sem significado, ou seja, quando se refere um local de nome “carapeto” já não se tem a menor ideia de ele ter sido um curral. Em relação à determinação da antiguidade deste topónimo deve ainda ter-se em consideração que a evolução divergente que a palavra sofreu ao longo do tempo é também por si só um elemento a ter em conta. Enquanto os topónimos recentes não apresentam variação de pronúncia ao longo da sua distribuição geográfica (por exemplo o topónimo “estação” é “estação” em todo o lado, e não divergiu para formas como “istaçam”, “estoção” ou “extensão”), os topónimos muito antigos sofreram essa divergência fonética regional ao ponto de quase parecerem topónimos de origem diferente.
Outro elemento que permite distinguir os topónimos de origem muito antiga dos mais recentes está no tipo de elemento da paisagem que o topónimo identifica. Ora, sem querer desenvolver este tema direi apenas que os topónimos criados recentemente não se referem a espaços vastos e mal delimitados do real, como seja uma região ou uma serra, mas antes a elemento concretos da realidade. Pelo contrário os topónimos antigos correspondem com frequência ao nome genérico de uma região, a diversos elementos dentro de uma mesma região, ou apresentam formas compostas como seja “Relva do Carrapateiro”, etc.
Um último elemento confirma a antiguidade deste topónimo: existe um número muito significativo de sítios arqueológicos do Neolítico e do Calcolítico que ainda hoje têm nomes desta família, precisamente porque corresponderam a assentamentos humanos que deixaram vestígio arqueológico[6].
Em resumo, apesar de não ter sobrado qualquer vestígio arqueológico da atividade, temos a forte convicção que a maioria dos locais que hoje têm nomes da família de “Carapeto” foram em tempos locais de acampamento de pastores nos quais os gados pernoitavam em cercas construídas com arbustos espinhosos.

Curral
O topónimo “curral” é muito comum entre nós, existindo tanto no continente como nos arquipélagos atlânticos. A origem da palavra, ainda em uso na atualidade, deve estar em termos fenícios:
Kr [kar] (ugarítico e hebraico antigo) – cordeiro
HL [âal] (hebraico antigo) ovelhas desgarradas
Curral é o local onde se guardam os animais que têm crias novas. Ainda hoje se faz isso. Quando as ovelhas parem, separam-se das restantes, deixando-as ficar no curral ao abrigo dos elementos e dos predadores. Claro que a etimologia proposta geralmente para a palavra “curral”, como sendo proveniente de “curru”, que em latim significa “carro”, não faz o menor sentido porque os currais nunca foram nem são locais para guardar carros, mas antes gado. O termo “curral” está ainda em uso na nossa linguagem comum e o topónimo é comum tanto nos Açores como na Madeira, como no Brasil e nos PALOP. Por outro lado tem uma distribuição relativamente regular no continente, sendo por isso de supor um uso relativamente prolongado desta palavra e a sua fixação na toponímia igualmente prolongada no tempo. Por exemplo, no Brasil do século XVII, nas capitanias do Ceará, Maranhão e ao norte e ao sul das margens do rio São Francisco surgiram fazendas de gado chamadas de currais[7]. De facto ainda hoje se pode criar um novo topónimo “Curral”, já que a palavra se encontra em pleno uso entre nós.
No entanto também se verifica que há um número significativo de locais com esse nome e com vestígios arqueológicos muito antigos (desde o Neolítico), o que deixa dúvidas sobre a antiguidade do uso do topónimo.
Este topónimo “Curral” contudo, pode ter tido também origem em “kôr”, que significa “forno ou forja” e estar relacionado com atividades do quotidiano tão simples como fabricar pão ou fundir minerais para produzir metais. Moisés Espírito Santo, no seu “Ensaio Sobre Toponímia Antiga”[8] refere esta possibilidade a meu ver com todo o sentido. É provável mesmo que os topónimos de origem mais antiga tenham essa origem, enquanto os nascidos há menos tempo estejam relacionados com gado.

Bardo
Há um grande conjunto de topónimos da família de “Bardo”: “Burdo”, “Bordo”, “Bordeira”, “Albarda”, “Bardais” (e “Pardais”)… A etimologia do topónimo bardo é usualmente considerada de “origem duvidosa”. É provável no entanto que este termo provenha de brd termo Ugarítico com o sentido de “separar, apartar”, relacionado com o Hebraico “parad” e com o Árabe “farada”. Se é verdade que é nos currais que se juntam os rebanhos, não é menos verdade que é nos currais (ou bardos) que se separam aqueles que se pretendem isolar. No Dicionário de Falares do Alentejo[9] referem-se significados regionais de palavras próximas de bardo:
Barda – Divisória de terrenos (Alandroal).
Bardo – (…) Tapume de madeira num curral. Aprisco.
Bordoada – Margem de uma linha de água.

De resto, mesmo no português corrente borda significa “limite, extremidade” (ao contrário daquilo que sugerem alguns dicionários não é necessário recorrer ao francês “bord”). Parece-me muito plausível a relação entre o “Brd” [bared] fenício e o bardo da toponímia, quer no sentido de separação de animais (curral, aprisco), quer no sentido de limite, fronteira, extremidade, etc. Palavras com a sequência consonântica “brd” e com o significado de “limite, fronteira” existem em outras línguas europeias e o mais certo é que o radical “brd” seja muito antigo e assim seja comum a muitas línguas, mantendo em todas elas um significado genérico semelhante.
O termo “bardo” ainda é usado atualmente e deve ter tido um uso muito prolongado no tempo. Existe nas ilhas atlânticas. Nos Açores usa-se o termo para vedações feitas com arbustos ou árvores para proteger do vento as hortas, mas também pomares e pastagens. Existe ainda a forma “bardo do concelho” (ou “bardo do rei”, na ilha do Corvo) que se refere à separação entre as terras mansas e o baldio. O mesmo nome existe na ilha da Madeira para essa ideia de fronteira[10].
Contudo é possível que a própria palavra seja por vezes uma simplificação e “albarda”, termo frequente na toponímia do continente e ausente nas ilhas atlânticas. Esta possibilidade deve ser considerada seriamente porque existe um número significativo de sítios com este nome e com vestígios arqueológicos do Neolítico e Calcolítico. De resto este topónimo “Albarda” (e outros da mesma família) deve provir de “Ølbrd” com o significado de “alto da divisão”, e ser um topónimo de fixação muito antiga relacionado com limites das comunidades.

Travasso
Outra família de topónimos provavelmente relacionada com os gados e os locais onde eram recolhidos é a que evoluiu a partir de “TRBŞ” (ugarítico) ou “TARBAŞU” (acádio). Há muitos “Travessos”, “Travasso”, “Travessa”, “Travassô”, “Travassós”, “Trave”, etc., que devem ter mesma origem.
Repare-se, mais uma vez:
TRBŞ (ugarítico) – curral, cortiço, reserva
TaRBaŞu (acádio) – estábulo
É claro que pode haver em alguns casos “travessos” e outros topónimos deste grupo que tenham origem no “transversus” latino (oblíquo, transversal…) como referência toponímica a atalhos entre caminhos principais. De resto a designação urbana de “travessa” terá certamente essa origem. O que se disse a respeito da antiguidade dos topónimos do grupo “Carapeto” aplica-se para este grupo de topónimos: já se desconhece o significado original; a divergência fonética conduziu a uma significativa diversidade de topónimos com a mesma raiz; há um número significativo de sítios arqueológicos antigos (Neolítico e Calcolítico) que ainda hoje têm nomes desta família.
Por vezes o próprio topónimo “trave” pode ter sido uma forma simplificada de TRBŞ, como será o caso representado no mapa junto em que é duplicado por “Curral Velho”.

Craveira
Topónimos como “Craveira”, “Corveira”, “Corveiro”, e possivelmente mesmo “Carvoeiro”, ao contrário daquilo que pode parecer à primeira vista, não têm qualquer relação com cravos, corvos ou carvão. Muito embora nos dicionários comuns não constem palavras desta família com significado relacionado com gado, ainda hoje nos campos do Baixo Alentejo Litoral o termo “corveiro” (sem grafia conhecida e com pronúncia difícil de reproduzir por escrito - pronuncia-se talvez “cârveiro” ou “crâveiro”) é utilizado, significando “abrigo para chibos jovens”.
Os termos “Corveiro”, “Craveira”, etc. são como os anteriores de origem fenícia, e como alguns deles contêm o radical “kr”, que significa “cordeiro”. A parte final destas palavras, o “veiro” deve ter nascido de “vr’”, palavra fenícia que significa “criar, engordar”. Assim, o “Corveiro” será traduzido a letra do fenício, “engorda de borregos”.
Há cerca de quatro dezenas de sítios arqueológicos registados na “Base de Dados Endovélico” nas proximidades de locais com nomes deste grupo. No entanto são quase sempre posteriores à Idade do Bronze e mais frequentemente posteriores ao Período Romano.

Roupeiro

Na Beira Baixa, no Alentejo, e mesmo no Algarve usa-se o termo “roupeiro” para designar homem que fazia queijos e que frequentemente era também pastor. Compreende-se que devido à tradicional transumância dos gados, em que se ligavam os campos do sul às serras do centro e do norte, e em que os pastores percorriam a pé com os rebanhos centenas de quilómetros, que o pastor fosse não só o guarda dos rebanhos, mas também o produtor dos queijos[11]. Daí a associação do nome a esta dupla função. Mas este nome deve ter nascido da atividade de pastor e ter contaminado mais tarde a produção de queijos. Observe-se que em fenício “rê’uparru” significa literalmente “pastor de ovelhas”. Portanto, e ao contrário daquilo que possa parecer, este “roupeiro” não tem qualquer relação com roupa ou com locais destinados a guardá-la.

É um topónimo pouco frequente e possivelmente relativamente recente, dado que não ocorre em associação com estações arqueológicas. Também aponta para a sua pouca antiguidade o facto de não surgirem formas corrompidas do termo original. Em qualquer dos casos convém perceber que, por exemplo o “João Roupeiro” do concelho de Aljezur, não é mais que a evolução (recente) de “šwh rê’uparru”, que significa “planície de pastagem” ou “planície do pastor”.


RAPOSA
A origem do topónimo “Raposa”, e dos que com ele partilham a mesma raiz, como “Raposeira”, “Raposinha”, etc., tem certamente relação com pastores e em especial com pastagens (podendo por vezes ter relação com a existência do carnívoro do mesmo nome). É portanto um topónimo muito enganador, já que sugere a possibilidade de se referir à existência do pequeno predador, quando efetivamente corresponde a uma outra e bem diversa realidade. Anote-se que em vastas regiões do país o carnívoro a que muitos chamam de “raposa” é conhecido por “zorra” e apesar disso existem topónimos “Raposa”. A origem deste topónimo está certamente em “rØh”, com o significado de “pastar, apascentar” ou em “rØi”, que significa “pastagem”, e em “aps” que significa “extremo, topo, remate”. Assim, “rØhaps” deve ter dado origem a muitos dos topónimos deste grupo com o significado de “limite da pastagem” ou “limite do pastor”. Claro que a pronúncia original foi evoluindo com o passar do tempo até que acabou por se confundir com a palavra “raposa” ou com outras como “raposeira”.

Este termo antigo “rØhps” deixou marca nos falar de algumas regiões do país. Por exemplo a palavra “rapujar”[12] é ainda hoje na ilha do Pico (Açores) como sinónimo de “pastar na relva”. Por outro lado “raposinha”[13] é um termo que em Vila Real designa “erva rasteira”, pasto que é o mais apropriado para as ovelhas. 
Para que se possa compreender por que motivo penso que este é um topónimo bastante antigo, impõe-se uma explicação prévia. As comunidades rurais tradicionalmente possuíam terrenos livres, ditos de “baldios” (em tempos também designados por “charnecas”). Embora não tivessem sido alvo de apropriação individual, os baldios estavam ligados a comunidades das suas regiões, ou seja, eram “propriedade coletiva” de uma aldeia ou eram mesmo terrenos de acesso livre a pastores de fora da região. As serras e outros terrenos menos produtivos do país foram baldios e o direito ao seu uso era geralmente dividido pelas comunidades limítrofes em função de normas cujas origens se perdem no tempo.
Ora esses limites das comunidades eram limites dos baldios, mas tornaram-se também limites de freguesia, de concelho (porque os concelhos resultaram da coalescência de unidades menores) e de distrito (porque o distrito resultou da coalescência de concelhos). Assim ainda hoje se encontram muitos topónimos “Raposa”, “Raposeira”, etc. junto a estes limites.    
Outra característica curiosa que se associa a este topónimo é o facto de haver muitos vestígios arqueológicos antigos em locais com este nome.  Acrescente-se que muitos deles são antas, mamoas e necrópoles de épocas mais recentes. Este facto, evidentemente, não tem uma relação significativa com pastagens, mas é consequência de se tratar de um limite. Nota-se que muitos dos limites/fronteiras estabelecidos em tempos muito remotos eram assinalados com monumentos vários, mas em particular por sepulturas. Funcionaria mesmo como uma “certidão” de propriedade da comunidade: a prova de que a terra pertence a alguém está no facto de já os seus ancestrais aí estarem sepultados.

Ruivo
Com frequência os topónimos “ruivo” ocorrem junto a ribeiras, em vales de pastagens naturais densas e abundantes. Por isso parece provável que “ruivo” seja na origem o nome dado a locais de pastagem fortes existentes nos vales de rios e ribeiras, e seja proveniente de “røievu”, que em fenício significa “pastagem espessa”. Na “Base de Dados Endovélico” pode perceber-se que existe um significativo número de sítios arqueológicos classificados como “via” e identificados com topónimos deste grupo. Este facto não deve ser tomado como consequência de “Ruivo” ter alguma vez significado “via”, “estrada”. Essa realidade resulta apenas de as estradas antigas (e muitas das atuais) apresentarem traçados que percorrem vales, como melhor forma de vencer os declives. Ora a estrada, ao passar em vales está também a passar em planícies férteis de pastagens densas. Desse modo passa em locais de nome “Ruivo”.

Tenho a noção de que haverá outros locais cujos nomes sejam relacionáveis com a criação de gado e pastoreio. Não penso por isso ter esgotado o recenseamento dos topónimos deste grupo, mas julgo dar deste modo um contributo para o conhecimento dos principais topónimos deste grupo e sobretudo para criar uma nova forma de olhar e interpretar a toponímia. Se assim foi, já atingi o meu primordial objetivo.



[1] - Os termos fenícios usados neste trabalho foram recolhidos no “Dicionário de Fenício-Português” de Moisés Espírito Santo. A escrita original das línguas nele tratadas era geralmente consonântica pelo que os sons vocálicos têm que ser acrescentados pelo leitor. A fonética provável de cada expressão é explicitada entre parêntesis retos.
[2] - este “kr” está evidentemente na origem de palavras como “carneiro” e “cordeiro”.
[3] - A origem pode também estar em “kh rpt” em que o “k” surge como um prefixo de localização. De resto este “kh” surge como prefixo em outros topónimos comuns em Portugal, como seja “Castro” (khstr – aqui proteção) ou “Cabana” (kh bn – aqui casa).
[4] - É o caso bem conhecido das “boma” Maassai da Tanzânia.
[5] - A este respeito ver também “Do Carapeto ao carrapito” sobre a evolução fonética e semântica do “krrpt fenício, disponível em:  https://www.academia.edu/18386989/Do_Carapeto_ao_carrapito
[6] - Este facto pode ser confirmado com uma simples consulta à “base de dados Endovélico” da Direção Geral do Património Cultural.
[7] - In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Curral
[8] - Moisés Espírito Santo, Origens Orientais da Cultura Popular Portuguesa seguido de Ensaio Sobre Toponímia Antiga, Assírio & Alvim, 1988
[9] Barros, B. F. e Guerreiro, L. M. Dicionário de Falares do Alentejo, Porto, Campo das Letras, 2005.
[10] - J. M. Soares de Barcelos, Falares dos Açores, Edições Almedina, 2008
[11] -“Roupeiro” no Dic. do Falar de Trás-os-Montes é “vendedor de queijos”.
“Roupeiro” no Dic. do Falar Algarvio é “homem que faz queijos”.
“Roupeiro” no Dic. de Falares do Alentejo é também “homem que faz queijos”
[12] - Dicionário de Falares dos Açores
[13] - Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro

domingo, 15 de novembro de 2015

Do Carapeto ao carrapito

Por vezes é difícil encontrar a origem das palavras, porque a relação entre as coisas que elas representam e o nome que usamos para as designar é tudo menos evidente. Assim, mesmo procurando cuidadosamente nas línguas que originaram o português atual, muitas vezes não se consegue perceber a origem de algumas palavas, a menos que seja possível encontrar a relação que criou o nome. Estão neste caso as palavras como “carapeto” e “carrapito”, de que falaremos em seguida. Vale a pena começar pela palavra “Carapeto” enquanto topónimo, já que foi por esse estudo que encontramos a ponta do “fio da meada”, mas antes vejamos os diversos significados da palavra “carapeto”.
As palavras deste grupo podem ter vários significados, todos eles explicáveis a partir de uma origem fenícia. No que respeita à palavra “carapeteiro”, quando o termo que significa “mentiroso”, pode dizer-se que a palavra resulta da justaposição de dois radicais fenícios – “qr’” e “pth” – que de resto deram origem a outras palavras do português ainda em uso. O termo fenício “qr’” significa “cara”, e veio precisamente a dar origem à nossa palavra “cara”; o termo também fenício “pth” significa “deixar-se enganar”, e deu origem à nossa palavra “peta” (mentira, engano, aldrabice). Portanto percebe-se facilmente que o “qr’pth” fenício esteja na origem do nosso “carapeteiro” com o significado de “mentiroso”. No entanto está bom de ver que este conceito, por muito importante que possa ser na vida social de uma comunidade, não reúne as condições para que se possa transformar em topónimo.
 Há palavras da mesma família potencialmente relacionadas com toponímia, entre as quais está o termo “carapeto” quando significa “espinheiro bravo”, “pereira brava”, e “espinho” ou “plana espinhosa”. Há na toponímia um grande número de sítios com nomes que devem ter a mesma origem, como sejam “Carrapeto”, “Carapeto”, “Carapeteiro”, “Carrapatosa”, “Carrapato”, “Carrapateira”, etc., termos que tiveram com toda a certeza a mesma origem, mas evoluções fonéticas ligeiramente divergentes. A origem dos termos que ocorrem na toponímia é bem distinta da anterior, e deve-se à evolução de “Krpt”, termo fenício que significa genericamente “curral de cordeiros” (“Kr” é um termo ugarítico e hebraico antigo que significa “cordeiro, borrego” e “Rpt” significa em hebraico antigo “curral, estábulo”).
Portanto, Carapeto, Carapeteira, Carrapateira, Carapito, etc. terão sido locais onde havia currais, ou melhor, comunidades de pastores, e a palavra, como se viu, deve ter nascido do fenício precisamente de “Krrpt”, que significa à letra “curral de cordeiros”. A relação entre o “curral” e a pereira brava, o espinheiro ou mesmo o espinho, não é imediata e tem que ser deduzida.
Os abrigos para animais mais antigos que o Homem construiu terão sido certamente feitos criando de cercas de arbustos espinhosos, como de resto ainda acontece em algumas regiões de África. É claro que cercas feitas para proteger os gados de predadores e de roubos, construídas com arbustos espinhosos, não deixam vestígio arqueológico, sendo por isso impossível demonstrar a relação entre o topónimo e a antiga atividade, mas julgamos que a analogia com práticas que sobreviveram até aos nossos dias dão crédito à ideia.
Ora, se os recintos assim construídos eram conhecidos por “carapeto”, e se hoje em dia chamamos “carapeto” aos arbustos espinhosos como a pereira brava e o espinheiro bravo (ou pilriteiro), é fácil admitir que o nome dado ao recinto tenha contaminado os arbustos espinhosos com os quais eram construídos os próprios recintos. Mas o nome que contaminou os arbustos espinhosos acabou por ser aplicado também aos próprios espinhos, e por isso se usa hoje a palavra “carapeto” como sinónimo de “espinho".
Mas curiosamente esta relação carapeto/espinho não ficou por aqui. Um espinho, agora chamado de “carapeto”, era usado para prender o cabelo quando se enrolava em forma daquilo que hoje chamamos “carrapito”. A relação é óbvia. Agora o espinho chamado de “carapeto” dava o nome a um penteado. Com o tempo ao cabelo enrolado daquele modo passou a chamar-se carrapito, fosse ou não o cabelo preso com um espinho. Hoje o carrapito pode ser preso com ganchos, com fitas, com elásticos… e raramente com algo em forma de espinho.
O nome “carrapito” é afinal resultado de uma longa evolução que começa no cercado de plantas espinhosas onde se guardava o gado, passa a designar os arbustos espinhosos e os seus espinhos, e finalmente vai ser aplicado ao espinho que prendia o cabelo e finalmente ao próprio cabelo enrolado.  

A língua tem destas coisas…





quinta-feira, 28 de maio de 2015

A “BOLA” E O “BAAL”
Quando uma das detidas do Estabelecimento Prisional de Odemira sai em liberdade, as demais gritam "bola! bola! bola! bola!!", num frenesim ensurdecedor.  No entanto, parece que já ninguém sabe por que motivo o fazem. É interessante perceber que a explicação para este fenómeno curioso se prende com o uso da nossa antiga língua de origem fenícia, que num ambiente fechado como é uma prisão sobreviveu até hoje.
De facto este "bola" que as prisioneiras gritam incessantemente quando uma delas é liberta deve provir do termo fenício "baal", que se referia por certo ao "senhor" (juiz, ou qualquer outro tipo de figura que decidia sobre a liberdade dos prisioneiros). Havia libertação de alguém quando o "senhor" (o baal) ia à prisão, portanto os detidos gritavam "baal! baal! baal! baal!", pedindo ao senhor que olhasse pela sua situação e tentando assim não ficar esquecido a apodrecer na prisão.

Claro que o procedimento senhorial do velho "baal" foi sendo substituído progressivamente por instituições mais modernas, e hoje já não adianta gritar por ele para conseguir a libertação. No entanto o hábito ficou e, muito embora já ninguém saiba porquê, todas gritam "bola! bola! bola! bola!" quando uma de entre elas sai em liberdade.
Outras palavras de origem fenícia relacionadas com prisões sobreviveram até nós. É o caso, entre outras, de "calabouço" (prisão infecta), "chui" (polícia), "chibo" (delator), etc.  

terça-feira, 31 de março de 2015

Palavras portuguesas de origem fenícia


O texto que se segue corresponde a uma revisão ampliada de uma fração do livro “A Origem da Língua Portuguesa”. Será por certo o bastante para demonstrar a ligação óbvia entre a língua portuguesa e as línguas antigas do próximo oriente.

A
O artigo definido feminino singular do português “a” provém certamente do “h” [â] fenício, que é precisamente o artigo definido tanto em ugarítico como em hebraico antigo. É habitual afirmar que os nossos artigos tiveram origem no “illa” latino, mas não parece que essa possibilidade seja razoável. De resto, como é sabido, o latim não tem “artigos”, e também por isso é natural que os nossos artigos tenham uma outra origem. Do “ille”, que é um pronome latino que significa “ele”, “ela” virá o nosso “ele” e “ela”, mas certamente não o artigo “a”. Contudo, este “h”, que em hebraico antigo e ugarítico era o artigo definido para os dois géneros e números, acabou por se desdobrar nas quatro formas de artigo que usamos hoje em português, seguindo as normas gerais das terminações para os diferentes números e géneros.

ABA
Diz-se vulgarmente que a nossa palavra “aba” provém de “alapa”, termo latino que significa “bofetada leve dada para libertar um escravo (fazia parte do ritual da cerimónia da libertação dos escravos dar o senhor uma pequena bofetada, sinal de liberdade)”. Machado, J. P. pensa que terá uma “origem obscura”, mas não descarta de todo a hipótese “alapa”, com o significado de “palma da mão”, ou eventualmente ter origem em “asa”, mas sujeita a várias e complexas alterações fonéticas. De facto a nossa palavra “aba”, enquanto prolongamento de um telhado, proteção, parte do chapéu, etc., deve provir, não do latim, mas antes do fenício, já que o termo fenício øb [aba], significa “palio, alpendre”, ou seja “cobertura”, seja ela de pano ou de materiais rígidos, (e daí também em português se aplicar ainda hoje tanto a tecidos, “aba do casaco”, por exemplo, como a estruturas rígidas, “aba do telhado”)[1]. Existem formas, fonética e semanticamente próximas: øwb [aôbe] significa “obscurecer”, e “øwp” [aôpe] é “cobrir com trevas, desaparecer”, o que é basicamente o mesmo.

ABACELAR
Ainda hoje “abacelar” uma planta, seja ela qual for, é cobrir com terra para que se não seque e se possa vir a dispor mais tarde. Já assim o entendia D. Raphael Bluteau em 1712[2], dizendo: “ABACELLAR uma planta. He cobrirlhe com terra as raízes, para se dispor a seu tempo”. A palavra é claramente popular e rural, e quando assim acontece quase sempre a sua origem está na língua popular fenícia e não na língua urbana e erudita de origem latina. Os radicais fenícios “Øb”, “Øwb” e Øwp” estão na origem de muitas palavras do português correspondem à ideia geral de “cobrir, obscurecer” e evoluíram geralmente para o som “ab” (veja-se por exemplo “aba”). Também em fenício a sequência “ṣel” corresponde a “sombra, proteção”. Assim, “abacelar” deve ter nascido de “Øwbṣel” [abassel] com o significado de “cobrir para proteção”. Parece assim de abandonar a ideia de que a palavra “abacelar” teria nascido de “bacelo”, e esta do termo latino “bácullu”.

ABADA (levar uma)
“Levar uma abada” é, por exemplo, perder por uma grande diferença num jogo, e de algum modo ser humilhado pela situação. A origem da palavra ada tem que ver com membros da igreja (abade). Deriva antes do conceito genérico de “perecer, desanimar, ruína”, que é em hebraico antigo e ugarítico “abd” [abade]. Esta ideia geral teve em ugarítico a grafia “hbț” com o significado de “humilhar, abater”.

ABADE
É facto que o termo latino “abba” significa “abade, ou chefe de una comunidade religiosa”. No entanto o termo fenício “apd” [abade] significa precisamente “veste sacerdotal” ou “veste cultual”. Este “apd” fenício, que por certo é muito mais antigo que o termo latino, deve ter convergido com o ermo latino paradar origem ao nosso “abade”.  

ABADEJO
A “vaca loura” também é conhecida por “abadejo”. É um inseto negro que quando incomodade expele uma gota de um líquido amarelo (ver “vaca loura”). O nome “abadejo” deve provir de “Øôpadš” que significa em fenício “inseto das debulhas”. De facto é pelo tempo do final da primavera e princípio do verão que este inseto se torna partivularmente visível, e daí o nome.

ABAFAR
A palavra “abafar” pode ter significados diferentes, muito embora relacionados. Pode significar “cobrir com roupa”, com “abafos”; pode significar “impedir a respiração” (cobrir a boca); pode querer dizer “furtar”, “fazer desaparecer” (de algum modo “ocultar”, portanto “fazer desaparecer”). Usualmente afirma-se que a palavra “abafar” tem origem em “bafo”, e que esta palavra é de origem onomatopaica. As palavras “øb” [aba], “øwb” [aôba], ou “øwp” [aôba] têm em fenício relação direta com a ideia de “cobrir” e “fazer desaparecer” (ver “aba”). Por outro lado “azh” [azâ] é “aquecer” e “øz” [âza] é proteção. Parece portanto possível que quando se usa a palavra “abafo” no sentido de “roupa quente” a origem possa ser “øbazh” [abazâ], com o significado de “cobrir para proteger”, ou “cobrir para aquecer”. No entanto, a ser assim, teria que se admitir que o “z” fenício passaria a “f” português, o que não parece ser comum. Quanto aos restantes sentidos em que se usa a palavra “abafar” (roubar, e asfixiar) podem resultar da ideia original de “fazer desaparecer” e “cobrir”.

ABAFAR
Usado no séc. XVIII no sentido de “cobrir de nuvens, escurecer”. Em Raphael Bluteau encontra-se a frase “(…)Vaise o ceo abafando” usada precisamente nesse sentido de “obscurecendo com nuvens. A palavra deve er origem em “Øwb”, termo fenício que significa precisamente “obscurecer, cobrir de nuvens”.

ABAIXO
Ver “baixo”.

ABALAR (ir, vir)
O nosso verbo “abalar” provém de abalu [abale] ou de wabâlu [âabâle], que significa em assírio “trazer, levar, carregar”. Também em acádio existe um termo próximo, “abalu” [abale], que significa “trazer, levar”, enquanto em hebraico antigo o termo equivalente é “ibl” [abale] quer dizer “trazer ou ser trazido”. Usualmente afirma-se que o verbo “abalar” teria tido origem numa hipotética palavra latina “advallare”. Evidentemente que essa hipotética palavra “advallare”, que significaria num latim hipotético “lançar-se no vale, ao fundo”, não tem o menor sentido. Parece claro que o nosso verbo “abalar” tem origem nas formas fenícias “wabalu”, “abalu” ou “ibl”, que lhe correspondem perfeitamente tanto na fonética como no significado.  

ABALAR (estar comovido, sensibilizado)
A palavra, quando usada no sentido de “estar enfraquecido, estar impressionado, estar comovido”, deve ter origem em “abl” [abala] que significa em fenício “lamentar, estar de luto, ritual fúnebre”. A raiz desta palavra deve ser comum a “abulia” (ver), termo que chega a nós por via erudita a partir do grego (de “abaulikós” – “o que tem falta de vontade”), mas que partilha com as línguas semitas antigas do grupo Noroeste a mesma raiz.

ABANAR
Dizem os dicionários que o nosso verbo “abanar” tem origem numa hipotética palavra latina “vannare”, através de uma outra palavra latina hipotética “evannare”, ou “advannare”, que significaria “cirandar, passar pelo crivo”. Repare-se que na origem das palavras tradicionalmente aceite se sucedem as palavras hipotéticas, o que não dá crédito às possibilidades de etimologias sugeridas. No entanto existe uma possível relação entre o nosso “abanar” com “vannere” e “evannere”, palavras latinas que significam “joeirar” (joeirar implica “abanar”). Existe em fenício a palavra “øwp” [aôba] que significa “vibrar”, e “nwø” [nôâ] é “oscilar, mexer, estremecer”. Portanto “abanar” tem por certo origem em “øwpnwø” [aôbanôâ] é “mexer vibrando”, ou “estremecer o que vibra”, etc. Repare-se que há certamente uma raiz comum entre o “øwpnwø” [aôbanôâ] fenício e o “evannere” latino.

ABANCAR
Ver “banco”.

ABANDONAR
O nosso verbo “abandonar” deve provir do radical fenício “abd”, que genericamente corresponde à nossa ideia de “estar perdido”: em ugarítico “abd” significa “perder-se, sentir-se perdido”, e em hebraico antigo é “perder-se, vagar, errar, desanimar, etc. No caso desta palavra ocorreu uma nasalação em que o “abado” das línguas do oriente passou a “abando” no ocidente: em castelhano “abandonar”; em francês “abandonner”; em inglês “abandon”; em provençal “abandouna”, etc.

ABANO
Ver “abanar”

ABARROTAR
A evolução de alguns termos de origem remota é por vezes difícil de determinar porque a sua fonética se modificou com a passagem dos milénios, ou porque o significado inicial das palavras evoluiu. Este último é por certo o caso da nossa palavra “abarrotar”. Raphael Bluteau, no seu “Vocabulário Portuguez e Latino”, é explícito quanto ao significado que a palavra tinha no final do séc. XVII e princípio do séc. XVIII. Diz ele: “ABARROTADO, navio.Aquelle que està carregado atè as escutilhas, e tão cheio que não pode leva mais carga”. É portanto de admitir que o conceito tenha nascido da ideia de “ser muito pesado”, e que possa ter relação com a coisa mais pesada que se conhecia, e que era o chumbo. A palavra chumbo em acádio diz-se “abaru”, mas em hebraico antigo é “Øprt” [ôpèrèt][3], e pode ser esta ideia base que está na origem da palavra. Inicialmente o navio abarrotado terá sido o que carregava algo pesado (como chumbo), mais tarde simplesmente o que ia com a carga completa, e ainda depois o conceito passou a aplicar-se a tudo o que esteja muito cheio.

ABASTADO
Possivelmente relacionado com a raiz “bušu” (acádio e assíro) que significa “tesouro, posses, haveres, bens”, e com “êdu” que é “particular, notável, conhecido”. Pode contudo ter relação com “baštu” que significa “vigor; força vital”, e que deu origem à nossa noção de “basto” no sentido de “denso, abundante”. Pode por isso este “basto” ter dado origem a várias palavras próximas como seja “bastar” (“ser suficiente”, ou melhor, “ser suficientemente abundante”), “abastecer” (ver), etc.

ABASTECER
Tal como em “abastado” (ver) pode haver uma relação com o termo fenício “baštu” que significa “vigor; força vital”, e que deu origem à nossa noção de “basto” no sentido de “denso, abundante”. A possibilidade geralmente aceite de a nossa palavra “abastecer” ter nascido de uma hipotética palavra latina “baštu”, que se alguma vez tivesse existido poderia ter significado “tapado, cheio”, não parece ser de aceitar. Raphael Bluteau refere a existência da palavra “bastecer” com o significado atual de “abastecer”, pelo que a hipótese de a origem da palavra (e de outras palavras próximas) se encontrar no fenício “baštu” parece consistente.

ABATER
O verbo “abater” é um caso curioso de uma palavra de origem fenícia que passa com facilidade por ter uma origem latina. De resto deve ter existido, neste e em muitos outros casos, um fenómeno a que poderemos chamar “convergência” entre palavras de origem fenícia e latina na formação do português. Por um lado existe o termo latino “battuere”, que significa “bater, ferir” (e que evidentemente está na origem do nosso verbo “bater”), mas existe em fenício o termo “hbţ” [âbate], que significa “humilhar, abater”, e que evidentemente é a origem direta do nosso “abater”. A potencial confluência semântica e fonética é evidente, já que se pode facilmente encontrar uma relação entre o ato de bater (ou de ser batido) e o estado de abatimento, e que do ponto de vista fonético a semelhança entre os dois radicais é evidente. No entanto, mesmo no sentido físico, o nosso “abater” deve ter relação com as línguas antigas do Médio Oriente, já que “abatu” em acádio e assírio também significa “destruir, devastar”.

ABÉBIA
A nossa palavra “abébia”, que significa “ter uma facilidade”, “conseguir algo gratuitamente”, etc. deve ser de origem fenícia como quase sempre acontece com as palavras usadas na linguagem popular e mais informal. O radical hebraico antigo “abh” [abe] significa “aceitar, estar disposto a, concordar em”. Por outro lado o termo “øbr” [âber] significa na mesma língua “oferendar, perdoar”, e em ugarítico “perdoar, convidar”. Deste modo, “abhøbr” [abeâbear] será algo como “estar disposto a convidar”, “concordar em perdoar”, “aceitar convidar”, etc. A única dificuldade que surge nesta interpretação corresponde à perda do “r” final, o que, embora não seja improvável, parece não ser muito usual.

ABELAR
(Ver “avelar”)

ABESPINHAR
A nossa palavra “abespinhar” deve ser de origem fenícia e provir de “apøzpn” [abêzepene], que significa “semblante de face violenta” ou de “apzøppn” [abezêppene], que quer dizer “semblante de face furiosa”. Evidentemente que a hipótese habitualmente aceite de o verbo “abespinhar” ter alguma relação com “vespa” não parece ter sentido.

ABÓBADA
Os dicionários usualmente referem que a palavra “abóbada” teve origem numa hipotética forma latina “volvita”, part. pass. fem. pop. de “volvere”, que significa em latim “voltar; revirar”. Evidentemente que esta possibilidade é pouco verosímil, e em fenício pode ser encontrada uma possível raiz bem mais aceitável. A forma “øwb” significa em fenício “obscurecer, cobrir com nuvens”; a forma “øwp” é “estar escuro, cobrir com trevas”; “øb” é “alpendre, baldaquino”. Por outro lado “bt” (ou “bitu”) é “casa, palácio, templo, sala”. Assim, “øwbbt” [âobabete] será “cobertura da casa”, “cobertura do palácio”, etc. 

ABOBADILHA
A raiz da palavra é evidentemente “abóbada”, mas o seu final deve corresponder a “dl”, que significa “fraco”. Assim “abobadilha” é uma “abóbada fraca”

ABRIGO
A palavra “abrigo” parece ser um caso muito interessante de evolução convergente entre um termo latino e um outro fenício. Em latim “apricari” que significa “aquecer-se ao sol”; em fenício “briḥ” [brigâ] é “ferrolho, tranca, muralha”. Assim se dizemos que um local é “abrigado” porque “é soalheiro, não ventoso, etc.”, a origem da palavra será latina, mas se dizemos, por exemplo, que “alguém procurou abrigo numa esquadra de polícia”, a origem desta palavra é fenícia com certeza. No entanto há uma clara convergência na ideia geral de “proteção” (do frio, num caso, em busca de segurança nos outros).

ABROLHO
“Abrolho” é “espinho; espécie de pua; rebento, gomo; planta prostrada que produz frutos espinhosos e é espontânea em Portugal”. Dizem os dicionários comuns, seguindo entre outros Machado, J. P., que a palavra “abrolho” provém do latim “aperi oculos”, que significa “abre os olhos”, mas mesmo numa observação superficial se notará que é uma relação improvável e forçada. A origem da palavra é obviamente outra. Em fenício, “abaru” [abare] é “gancho”, e “ølh” [ôlê] é “folhas, folhagem”. O nosso “abrolho” deve provir assim de “abaruølh” [abareôle] com o significado de “folhagem espinhosa”. A questão contudo é um pouco mais complexa, porque este “abaru” que efetivamente significa “gancho”, está muito próximo de vários outros termos que significam “seara, ceifa” (“aburu”, “eberu”, “eburu”), podendo haver uma qualquer relação não compreendida entre as searas e os “abrolhos”.

 ABULIA
Diz-se “abulia”, que provém do grego “aboulia”, que significa “irreflexão”, mas terá relação com outro termo grego “abaulikós” que significa “o que tem falta de vontade”. É possível que seja essa a verdadeira origem da palavra no português, visto que a “abulia” é uma palavra erudita que não se usa entre as populações rurais. Deve contudo observar-se que é pouco provável qualquer influência direta do grego sobre o português. Por outro lado “abl” é, em fenício “observar ritos fúnebres, luto, enlutado”, o que corresponde à atitude abúlica, ou seja, à ausência de vontade e ação. Como em muitos outros casos deve haver um radical antigo e comum a muitas línguas antigas do Mediterrâneo, sendo por isso difícil dizer por que via chega até nós. 

ABUTRE
A palavra “abutre” é geralmente dada como sendo proveniente de “vulture”, que em latim significa precisamente “abutre”. Esta hipótese até seria aceitável, se não existisse em fenício uma outra mais credível: “øbt’r” [âbetôr] é literalmente “ave que descreve círculos”, ou “ave que dá voltas”. Note-se como também a forma latina “vultur”, ou “voltur” é próxima da forma latina “voluto”, que genericamente significa “rolar” “dar voltas”. Ser “a ave que dá voltas”, foi certamente essa característica dos abutres que lhes deu o nome nas duas línguas.

ACABAR
O verbo “acabar” é um caso muito interessante. Tem origem na palavra fenícia “øqb”[4] [âqaba], que significa “chegar ao fim; parte final; até ao fim”, e a partir dela se constrói o verbo regular que conhecemos, o verbo “acabar”. Será quase desnecessário dizer que se entende como sem fundamento nem razão de ser a etimologia geralmente aceite que assenta num hipotética palavra latina “accapare”, palavra essa que nunca existiu. O interesse desta e de outras situações semelhantes está sobretudo em perceber como se forma um verbo regular em português a partir da palavra fenícia, portanto como se aplica a estrutura gramatical do português à palavra fenícia.

ACADAR
Diz-se que a palavra “acadar” (que significa “agarrar, alcançar”) provém de um hipotético termo latino “accapitare” que significaria “receber, segurar”. Contudo este termo, que hoje praticamente não se usa, provém certamente de “øqd” [âqada], que em fenício significa “amarrar”, e é por certo esta a origem da palavra “acadar”.

AÇAFÕES
Ver “safões”

AÇAFATE
A palavra “açafate” pode provir de “aspath” [asefatê], que significa em fenício “trazer a colheita”, e resulta da junção de dois radicais: “asp” [asefe], que significa colher, colheita, reunir, recolher, etc., e “ath” [atê] que é “vir, trazer”. A etimologia proposta habitualmente para esta palavra relaciona-a com a palavra árabe “as-safat” é potencialmente convergente com a fenícia.
ACABRUNHADO
Tal como “acanhado” (repare-se que acabrunhado é “aca+bru+nhado) a palavra contém os radicais “aku” [ake] significa em fenício “infeliz, indigente, fraco” (“órfão” em assírio e acádio é “eku”), e “ndh” [nadê] é “excluir, afugentar”. Além destes radicais tem ainda a sílaba “bru” que deve provir de “Øbrh”, que significa “emoção, arrogância”. Assim estar “acabrunhado é estar “excluído e de emoção infeliz”. É evidente que a palavra latina hipotética “caproneare” não faz qualquer sentido.

ACAGULADO
Ou “acugulado”. Ver “cagulo”.

AÇAIME
A palavra “açaime” (também escrita como “açamo” e “açaimo”) é um aparelho geralmente de couro que serve para impedir os cães de abrir a boca. Alguns dicionários aceitam tratar-se de uma palavra de “origem obscura, enquanto outros tentam encontrar a origem da palavra no “árabe vulgar”. De facto a palavra tem certamente a mesma origem que a maioria das outras palavras do português, ou seja, radica na língua pré-romana do povo a que vimos chamando de “fenício”. De facto em fenício “ḥsm” significa “atar, fechar”, e “Øṣm” significa igualmente “fechar”. Não parece haver dúvidas que é neste “atar” ou “fechar” que está a origem do nosso “açaime”, e não em qualquer outra palavra desconhecida ou inventada.

ACANHADO
A palavra “aku” [ake] significa em fenício “infeliz, indigente, fraco” (órfão em assírio, “eku” é também “órfão” em acádio), e “ndh” [nadê] é “excluir, afugentar”. Portanto, “acanhado” provém de “akundh” [akenadê] e refere-se ao “fraco excluído”, ou a um “órfão excluído”. Claro que a explicação apresentada habitualmente para a origem da palavra “acanhar” – “a + canho + ar” não faz sentido, para além de cometer o erro habitual de admitir que o infinito do verbo - “acanhar” - precede o adjetivo “acanhado”, o que evidentemente não é verdade. Como em tantos outros casos a formação do verbo regular do português, bem como de outras palavras derivadas, resulta de um termo fenício após ser sujeito à aplicação de normas gramaticais gerais do português. 

ACATAR
“Acatar” é “obedecer”, é “cumprir ordens ou recomendações de alguém”… A palavra implica uma relação de autoridade, em que quem “acata” se submete ao poder de outrem. Tal como em “acanhado”, a raiz fenícia “acu” significa “ser fraco, ser indigente, ser infeliz” (também “órfão”). Entre nós parece claro que pelo menos em certa época serviu para referir pessoas de baixo estatuto social, ou melhor, o seu aspeto e postura na sociedade (“acatar”, “acabrunhado”, “acanhado”). A nossa palavra “acatar” deve deste modo provir de “akuaț”, em que “aku” se aplica como se viu a quem está numa posição inferior e em que o radical “aț” significa “brandura, mansidão, afabilidade”. Assim, pode dizer-se que o que acata está na condição se “ser fraco e brando”, “ser fraco e afável”, etc. Evidentemente que a origem geralmente proposta para esta palavra, uma hipotética palavra “accaptare”, que significaria “procurar, obter”, não faz qualquer sentido.

ACEIFA
Ver “ceifa”.

ACAREAR
A palavra “acarear” significa genericamente “promover o encontro, juntar”, quer se trate de “acarear” coisas para levar para casa, quer se trate de “pôr em presença testemunhas para que ajustem os seus depoimentos”. Por exemplo, um dicionário propõe um “a+cara+ear”, o que, sem que os seus autores saibam, quase está de acordo com o que parece ser mais aceitável: “a+qrh+ar”. “Qrh” [carê] é uma palavra que existe no fenício e que significa “encontrar” (“qhrh” [cârâ] ou “qrh” é também “encontrar”, “deixar-se ver” e “cara”); “qri” significa “encontro”, e “qry” é “encontrar-se com”.

ACEIRO
A origem da nossa palavra “aceiro”, usada no sentido de “terreno limpo em volta de uma propriedade para a proteger dos incêndios”, não tem qualquer relação com “aço”, nem com a eventual raiz latina desta palavra. Deve pelo contrário provir do termo fenício “ḥṣr” que significa “área cercada”. É interessante aqui verificar que o som aspirado que existia no início da palavra nas línguas do oriente simplesmente desapareceu dndo origem ao nosso som “a”.

ACEPIPE
Diz-se que a palavra “acepipe” provém do árabe “az-zabib”, que significa “passa de uva”. No entanto há igualmente a possibilidade de a origem da palavra ser “asp” [asepe] que significa “colheita”, e de “iph” [ipê], que significa “bonita, tornar-se bela”. Portanto “aspiph” [asepeipê] é “bela colheita”.

ACHA
Admite-se geralmente que a palavra “acha” provenha do termo latino “astula” ou “assula”, que teria evoluído para “astla” ou “ascla” de onde finalmente se teria convertido na nossa “acha”. No entanto em fenício “øṣ” [ache] ou “øṣh” [âchê] significa “cepa, madeira, haste”. Por outro lado “azh” [azê], que é “acender, atear (fogo), aquecer”, ou “aš” [ache], significa “fogo, pouco, insignificância”[5]. Há certamente uma relação entre todos estes termos que ainda se encontra na palavra “acha” do português – tal como hoje, a palavra devia referir-se a “madeira”, mas apenas a “madeira para queimar”, e não a madeira destinada a outros fins. Em qualquer dos casos parece mais verosímil a hipótese da origem fenícia para esta palavra, que da origem latina.

ACHADA
Uma “achada” é um retalho de terra aplanada numa região de declives fortes. Dizem os dicionários usados habitualmente que o termo provém de uma forma hipotética do latim “aplanata-”, por “applanata-”, particípio passado feminino de “applanare”, “aplanar”. Face a uma tão complexa construção teórica, o leitor fica esmagado com a pretensa sabedoria que ela implica, e não pode senão admitir como correta esta análise. No entanto… quem pegue num dicionário de fenício verá sem dificuldade que “ašd” [achade] é “encosta, vertente, declive de montanha”… É bom de ver que a tal “aplanata”, que nunca existiu, não passa de uma construção imaginada por quem também pensa que a nossa palavra “chão” provém de “planu-”, quando efetivamente provém do termo fenício “šwh” [chââ].

ACHAR
Dizem alguns dicionários que a palavra “achar” provém da palavra latina “afflare”, por “adflare”, que significa, ao que dizem, “farejar, encontrar”. Em fenício “ašr” [achare] significa “rasto, pegada, atrás de”, e é uma hipótese interessante para a origem da nossa palavra “achar”, tomada nesse mesmo sentido. Já quando usamos a palavra “achar” no sentido de “exprimir a opinião”, a origem será também fenícia, mas residirá no termo “øs” [ache], que quer dizer “exprimir”.

ACHAQUE
A palavra “achaque” não deve provir do árabe “ax-xaqq” com o significado de “dúvida, suspeita”, mas antes de “asakku” [achake], termo fenício (no caso assírio) com o significado de “doença”. De facto “achaque” é uma doença súbita, e não uma “dúvida” ou uma “suspeita”.

ACHATAR
A palavra “achatar” tem origem em “øšt” [âchate], que significa “lâmina, chapa, ser liso”. Aceita-se tradicionalmente que a origem da palavra “chato” esteja no termo grego “platýs” (largo, amplo), pelo latim “plattu-” (plano), formas que efetivamente não devem ser consideradas para perceber a origem do nosso verbo “achatar” e das palavras com ele relacionadas.

ACHEGA
Não é fácil aceitar que “achegar” provenha do “applicare” latino, termo que deu origem ao nosso verbo “aplicar”. No entanto a verdadeira origem da palavra será por certo “ašsg’” [acheseg], que significa “crescer um pouco”.

ACHINCALHAR
A palavra “achincalhar” e as da mesma família devem provir de “øšq all” [âcheqalle], que significa “oprimir o insignificante”. Ao contrário que geralmente se propõe nos dicionários, não deve provir de um jogo popular, o “chinquilho”, que nada tem que ver com a ideia de “achincalhar”.

ACICATAR
Diz-se que a palavra “acicatar” provém do árabe “as-siqqat”, que significa (pontapé, ponta de ferro), no entanto em fenício “sikkatu” [sikate] também é “ponta, cavilha, flecha, faca”, e “azsikkatu” [azsikate] (“az” significa “constranger, apressar-se, ter pressa”) será “apressar ou constranger com a ponta”, ou como se dirá também hoje, “picar”. No fundo, tanto do ponto de vista fonético como do ponto de vista semântico é possível encontrar a origem da nossa palavra “acicatar” tanto no árabe como no fenício.

ACIMA
A nossa palavra “acima” corresponde a anexação do atrigo fenício “a” à palavra “cima”, que por sua vez provém do termo “kima”, que significa precisamente “cimo” (ver “cimo”).


AÇO
Possivelmente o termo tem origem em “øz” [âze], que em fenício significa “forte, duro”, e não em “aceiro”, que seria palavra resultante do “aciariu-” do “latim tardio”, conforme se pretende em alguns dicionários. Poderá no entanto provir de um outro termo latino, “acies” que, esse sim tem relação direta com objetos cortantes e aguçados. Raphael Bluteau refere expressões em uso nos séculos XVII e XVIII que reforçam a hipótese de a palavra “aço” ser de origem fenícia e significar “forte, duro”: “dar aço ao ferro”; “dar aço a lamina huma espada”. Estamos neste caso (como em muitos outros) confrontados com a possibilidade da convergência entre termos das duas línguas, termos esses que podem ter originado a palavra portuguesa atual.

AÇODAR
“Açodar” significa “apressar”, e entende-se facilmente que provenha de “az dhr” [azedâre], porque esta expressão significa em fenício “apressar-se a correr”. A origem onomatopeica proposta em alguns dicionários é até difícil de compreender.

AÇOITE
É possível que haja uma convergência entre os termos fenício e árabe para a formação da palavra “açoite”. Em fenício “øz” [âze] é “ser forte, violento, duro” e “šôt”[6] [chôte] significa “açoite, chicote”, portanto “øzšôt” [âzechôte] será “chicote violento”, ou algo equivalente. No entanto, em árabe existe a palavra “as-sót”, que também significa “chicote”.

AÇOR
A palavra “øṣr” [âssere] é “ave, pássaro” em fenício. A etimologia habitualmente aceite relaciona a palavra “açor” com a palavra latina “acceptore”. No entanto é claramente mais provável a origem em “øṣr” [âssere], já que a pronúncia é mais próxima da palavra portuguesa. No que se refere ao arquipélago dos Açores, como é sabido, não há nem nunca houve nele açores, no sentido moderno do termo. O que houve foram aves de rapina a que o povo chama “milhafres” ou “queimados”, e que é uma variedade de Buteo buteo. É bastante provável que a confusão de nomes tenha tido origem no facto de os marinheiros usarem ainda o termo “açor” no sentido antigo e fenício, ou seja “aves”. Eram portanto as “ilhas das aves”. O nome ficou, e com o tempo prevaleceu o significado urbano e moderno do termo, ou seja “açor” como Accipiter gentilis, que é espécie que efetivamente nunca existiu naquelas ilhas. Situações como esta levam a crer que no século XV o povo ainda falava uma língua com forte componente fenícia, muito embora os escritos feitos pelos letrados urbanos e latinizados possam fazer crer o contrário.

AÇORADO
A palavra “açorado” significa “muito desejoso, sôfrego, ávido”. Diz-se que tem origem no comportamento do açor, pois esta ave persegue a presa com muito ímpeto. Como acontece com frequência, as deduções que fazemos são fruto do conhecimento que temos, e esta dedução parece lógica até se saber que “asr ød” [aserâde] é “tempo de abstinência”, ou melhor “durante o tempo de abstinência”. Portanto o termo refere-se ao desejo intenso que existe durante a abstinência, e não deve ter relação com os açores (exceto, claro está, que os açores também são deixados com fome antes da caça…).

ACORDAR 
A palavra “acordar”, usada no sentido de “despertar”, não provém certamente da ideia de “estar de acordo”. Sendo assim, a origem da palavra deverá ser distinta da que tem sido aceite. De facto, em fenício, “ik øwr ødd” [ekôôrôde] significa “assim que / acordar / levantar-se”. Portanto “ikøwrødd” evoluiu certamente para “akourd”, e daí para o nosso verbo “acordar”. Habitualmente aceita-se que o nosso termo “acordar” no sentido de “despertar” tenha a mesma origem de “acordar” no sentido de “estar de acordo”, o que parece não ter sentido.

ACOSSAR
Acossar é “perseguir, dar caça”. O verbo “acossar” deve ter nascido da palavra “acossado”, e esta das raízes fenícias “aku”[7] e “ṣadu”, que significam precisamente “caçar o que é fraco”. Parece claro que as hipotéticas palavras latinas criadas para justificar a origem latina do nosso “acossar” não são aceitáveis.

ACOSTAR
Ver “costa”.

ACUAR
“Acuar” é um term em desus. Significa “empurrar para um canto”, “parar e não querer andar”, “desistir”, “esmorecer”, “fazer parar”… Costuma dizer-se que a palavra provém de uma hipotética palavra latina “acullare”, e esta, se alguma vez tivesse realmente existido, teria nascido de “culu”, que significa “anus”. Parece contudo mais provável e lógica a relação com o termo fenício “ḥk”, que significa “aguardar, esperar; vacilar”.

-ADA
O sufixo “ada”, ou “ado” é dado como sendo de origem latina. Ele exprime fundamentalmente as ideias de “conjunto, quantidade elevada, duração e ação”. Existem em fenício termos que se adequam perfeitamente a estas significações, e que correspondem foneticamente ao sufixo português “ada” ou “ado”. Por exemplo, “ødh” [âdâ] ou “ød” [âde] é “reunião, junto a, em torno de”, e cada vez que dizemos palavras como “macacada”, “feijoada”, “armada”, “vacada”, “papelada”, “latada”, etc., estamos certamente a utilizar este termo fenício como sufixo. Também quando corresponde à ideia de “duração, tempo durante o qual”, deve provir de “ød” [âde], com o significado de “quando, enquanto, tempo”.

ADAGA
Dizem alguns dicionários que a palavra “adaga” provém de um hipotético termo latino “daca”, que significaria “punhal”. Mas, trata-se mais uma vez de uma palavra hipotética cuja existência nunca foi verificada. Raphael Bluteau refere uma possível origem germânica (daguen), com contaminação para o francês (daque) e para o italiano (daga). Curiosamente a origem da palavra será foneticamente semelhante a esta proposta, só que o significado e a língua de origem são outros. A nossa palavra “adaga” deve provir de “ødi” [âdi], que quer dizer “ornamento, enfeite”, e “daku” [dake], que significa “matar, destruir, submeter”, ou de “dk” [dake], que é “nobre”[8]. Assim, “adaga” provirá da expressão “ødi dk” [âdidake] que será “ornamento de nobre”, ou de “addake” que será “ornamento de matar”.

ADÃO
Tal foi a vontade de encontrar uma origem latina para todas as palavras do português, que mesmo a palavra “Adão” (que como todos sabemos é um nome hebraico referido pelo Antigo Testamento como sendo o nome do primeiro homem), que mesmo esse nome é dado como sendo de origem latina! “Adão” seria assim proveniente de “Adamus”. Diz nomeadamente J. P. Machado que “a hipótese mais plausível liga-o ao assírio “adamu”, “fazer, produzir”; desta maneira o Homem é uma criatura, um ser “feito, produzido”. Claro está que a origem da palavra “Adão” não é esta, mas por este exemplo se vê o profundo desconhecimento das línguas antigas do Próximo Oriente. Em relação a este nome farei uma análise um pouco mais detalhada que o habitual. Vejamos então de onde poderá vir a palavra “Adão”:
“Adm” em ugarítico significa “homem, humanidade, gente”;
“Adm” em hebraico antigo significa “humanidade, ser homem”;
“Admh” em hebraico antigo é “Terra (planeta), terra (chão, território, etc.);
“Adn” em ugarítico é “senhor, pai”;
“edenu” em acádio e assírio é “pessoa só”;
“Adôn” em hebraico antigo é “senhor, dono, patrão”;
“Adôni” em hebraico antigo é “meu senhor, Senhor (Deus);
“ødn” (âdan) em hebraico antigo é “viver em delícias”;
“ødnh” (âdanâ) em hebraico antigo é “desejo, prazer”.
Se se atentar com alguma profundidade sobre os significados das palavras foneticamente próximas de “Adão” veremos que elas têm significados que correspondem às características principais do “Adão” bíblico: o “Homem”; a “Terra”; “Deus”; “viver em delícias” (o éden, o paraíso); “pessoa só”; “desejo, prazer” (a tentação da carne e a saída do paraíso). Além disso, se pensarmos em formas compostas, como “ad om” termos como significado “pai do povo”, “pai da população”, ou “pai da gente”. Torna-se clara a origem do “Adão” bíblico (o pai da humanidade, feito por Deus, a quem foi dada a Terra, que viveu no paraíso, e que teve uns episódios importantes na sua vida ligados ao desejo e prazer), e que nada tem de latino na sua origem.

ADIAFA
Uma “adiafa” é uma refeição que se organiza para os trabalhadores no final de uma tarefa agrícola como as ceifas ou a tiragem de cortiça. O termo pode provir da expressão fenícia “ød aph” [âdeafê], que significa “reunião de assar” ou “reunião de cozer”, ou do árabe “ad-diafâ”, que significa “banquete”. No fundo é o mesmo, e é provável que já existissem “adiafas” antes do século VIII e que tenham continuado a existir até hoje.

ADRO
O “adro” das nossas igrejas tem certamente origem em “adr” [ader] que é “cerca, cercado, árvore gigante, cedro” (muito provavelmente o seu significado antigo já seria “cerca da árvore grande”), e não em “atriu”, que significa em latim “sala de entrada”. Assim, devemos separar o que tem andado junto por confusão: “adro”, que é um cercado com árvores grandes, é fenício e provém de “adr”; “átrio”, que é uma câmara de entrada de um edifício, é latim e tem origem em “atriu”. Os adros das nossas igrejas são evidentemente cercados com árvores grandes (muitas vezes cedros ou árvores da mesma família), e não qualquer tipo de átrio.

ADUBAR
A palavra “adubar”, para além do sentido atual de “fertilizar a terra”, também pode significar “adornar, temperar e curtir”. Pelo menos no sentido de “adornar” a palavra deve provir da raiz “ødh” [âdê] ou “ødi” [âdi], que significa em fenício “enfeitar”, e de “br” [bare], que significa “metal brilhante, eletro”. Assim, “ødhbr” [âdêbare]) será “enfeitar de metal precioso”. A palavra “adubar”, no sentido de “fertilizar a terra” pode ter uma origem algo diferente. Eventualmente poderá corresponder à ideia geral de “enriquecer, acrescentar algo”, e ter sido usada em outras situações, como seja “temperar” e “preparar”. Em abono desta hipótese está o facto de “ødb” [âdebe] significar em fenício “preparar, fazer, pôr, deixar”, e de “ødbt” (forma feminina de ødb), significar “distribuição, preparação; mobiliário, manufaturas”. No “Elucidario” de Viterbo pode ler-se: “ADUBAR – Reparar, compor, fortalecer, aproveitar, guarnecer terras, vinhas, casa, e quaesquer outras propriedades ou edifícios. ‘Ficando pera outras quadrelas o fazer e reparar outros lugres do castello, e adubar a barbacã’”.[9] O que certamente não aconteceu foi a nossa palavra “adubar” ter nascido de uma hipotética palavra latina (addubare), originada de uma outra hipotética palavra do “frâncico” (dubban), palavra essa que hipoteticamente significaria “bater”[10].

AFÃ
Diz-se que a palavra “afã” é de origem difícil de determinar, mas que eventualmente poderá ter relação com o termo “afan” do antigo provençal, com o significado de “pena, tormento, trabalho”. É curioso observar que de facto o antigo provençal tem muitas palavras de raiz comum àquelas portuguesas que derivam do fenício, pelo que é de supor que possa haver uma influência fenícia nessa língua. No que toca à origem da palavra “afã” ela deve ser “iøp” [iâfa] que significa “cansar, fatigar, estar exausto”, que é exatamente o que significam as palavras equivalentes do português e do provençal.

AFASTAR
Diz-se geralmente que “afastar” é uma palavra de “origem obscura”. No entanto o radical “aps” [afase] significa em fenício “extremo, fim, extremidade”, e “tøh”[tââ] é “desviar”. Assim, “apstøh” [afastââ], deu o nosso “afasta”, e é, traduzido à letra, “desviar para o extremo”, “desviar para o fim”, etc.. É “afastar”.

AFOITO
A palavra “afoito” deve provir do fenício “øpløit” [âflôite], que significa “ser atrevido a assaltar” ou “assaltar atrevido”. Nos dicionários habitualmente diz-se que a palavra “afoito” provém do termo latino “fautu-”, que é “favorecido”, particípio passado de “favere” (favorecer, apoiar), o que não parece fácil de aceitar.

AGARRAR
Aparentemente a palavra “agarrar” tem a ver com “garra”. Habitualmente diz-se que o verbo “agarrar” vem de “garra” e esta palavra viria de um hipotético termo celta “garra”, que significaria “parte da perna”. É efetivamente possível que a origem do verbo “agarrar” seja o nome “garra”, mas também este é por certo de origem fenícia (ver “garra”).

AGASALHO
Nos dicionários diz-se geralmente que “agasalho” é uma derivação regressiva de “agasalhar”, e que esta palavra terá origem numa forma “hipotética” “ad-gasaliare”, proveniente do gótico “gasalja”, que significa “companheiro”. O facto é que “h ksl” [âkasale], em fenício, significa “o vestido”, e “h ksh øl” [âkasââl) é “o que cobre por cima”. Ainda hoje se usa a palavra “agasalho” exatamente nesse sentido de algo que cobre, que se usa sobre outra roupa.

AGASTAR
A palavra “agastar” significa por um lado “estar aborrecido, estar enfurecido, estar irritado”, mas por outro lado “estar preocupado, estar apoquentado”. Dizem geralmente os dicionários que a palavra vem do termo latino “vastare”, que significa “gastar”, mas essa parece não ser uma explicação muito lógica. Em fenício “aggu” [agge] é “estar zangado, estar furioso”, e “ašuštu” [assuste] é “depressão, dor”, portanto “agguašuštu” [aggassuste] será “estar zangado e deprimido” ou “estar furioso e dorido”, etc.

AGONIA
Diz-se que a palavra “agonia” provém do grego “agonia”, que significa “luta nos jogos, inquietação, ansiedade, angústia”, pelo latim “tardio” e “eclesiástico”, “agonia” com o significado de “grande medo, aflição”, mas também “vítima sagrada”. Faz sentido a relação estabelecida entre estes termos latino, grego e português. No entanto, em fenício, “hgh” [âgâ] é “gemido”, ou “gemer”, e “øni” [ôni] é “opressão, aflição”. “hghøni” [âgâôni] será então “gemer aflito”.

AGUDA
As “agudas” ou “agúdias” são as formigas de asa que saem de um formigueiro e dispersam para dar origem a novas colónias. A palavra tem origem certamente em aḥd (agade), que significa em fenício “um, só, solitário, o primeiro”. Já a palavra “agudo”, no sentido de “pontiagudo” deve ter origem no termo latino “acutu”.

ALA! (interj)
A nossa interjeição “ala!” corresponde a ideias como “embora! ide embora! anda!”. Em fenício existe uma interjeição semelhante, “hl’h” [âlââ], que significa exatamente “para lá, adiante, daí em diante”. Por outro lado, a forma “al” [ale] significa “para, em direção a”. Portanto qualquer delas deve estar ligada ao nosso “ala”.

ALANCAR
A palavra “alacar”, ou “alancar”, significa “vergar com o peso da carga, derrear”. Em relação com a primeira forma, “alacar”, diz-se usualmente que tem origem em “a+lacão+ar”, sendo que “lacão” é “pernil de porco, presunto” (?)[11]; em relação à forma “alancar” diz-se ser de “origem obscura”. Em fenício “anaĥu” (com evolução habitual para “anagu” ou “anacu”) é “cansar-se, estar exausto”, e “alh” [alê] significa precisamente “ser incapaz de, não conseguir”. Portanto a forma completa, algo como “alhanacu” [alânaca], seria “ser incapaz por estar exausto”, ou “não conseguir por cansaço”.

ALAS (estar em)
A palavra “alas” usa-se como regionalismo no Alentejo, mas na forma “estar em alas”, o que significa “estar ansioso”. A origem da palavra deve estar em “øls” [âlase] que significa “regozijar-se, alegrar-se, desfrutar” ou mesmo de “øliz” [âlize] que quer dizer “alegre, exultante”. No Algarve “ala” é “excitação; movimentação”, o que corresponde à explicação apresentada para a origem desta palavra.

ALBERGUE
Um albergue é um abrigo, geralmente no campo, onde se pode comer, beber e dormir. Há uma clara conotação da ideia de “albergue” com proteção, e por isso no Brasil a palavra está associada a abrigo de mendigos, enquanto por cá tem ligação a jovens e velhos, mas sobretudo a localizações campestres e de montanha. Diz-se habitualmente que a palavra “albergue” pode vir de um entre vários hipotéticos termos góticos, como “haribairgo”, “hariberg”, “hariberga” ou “heriberga”, e que terá uma passagem pelo antigo provençal, com o termo “alberc” ou “alberque”. Efetivamente a palavra “albergue” do português, tal como o equivalente termo provençal, deve ter origem fenícia em “al brḥ” [aleberga], que significa “para quem passa” ou “para quem percorre”. O termo “brḥ” é muito próximo de “briḥ” [brig], termo que significa “ferrolho, tranca, muralha”, que deu origem ao nome de várias povoações que foram amuralhadas, e que consequentemente cumpriam a função de proteção.

ALBÓI
Um “albói” é uma cúpula envidraçada para iluminação, uma clarabóia, ou uma abertura para a entrada de luz e ar na coberta de um navio. Um dicionário interroga-se se a origem do nome terá relação com o “olho-de-boi”. É curioso que efetivamente a expressão “olho-de-boi” (enquanto clarabóia) tem a mesma origem de “albói”, e que é “øl bøh” [âlbôê], e significa em fenício “entrada superior” (ver “claraboia” e “olho-de-boi”).

ALCANÇAR
A palavra “alcançar” deve provir de “alaku mṣ’h”[12] [alakemesê], que significa traduzido à letra “alcançar no caminho”. Os dicionários geralmente propõem a palavra latina hipotética “incalciare” (palavra que nunca existiu) para explicar a origem do nosso verbo “alcançar”. Este é mais um caso interessante em que uma expressão fenícia é transformada num verbo regular do português.

ALCANCHAL
A palavra “alcanchal” é um regionalismo alentejano que significa “caminho péssimo”[13]. Ora, sabemos que “hlk” [âlake] significa em fenício “andar, caminhar”, e que “mslh” [mesalê] quer dizer “estrada”. Portanto “hlkmslh” [âlakemechalê] será “caminhar na estrada”, o que tem relação com o “caminho”, mas não com o facto de esse caminho ser mau. No entanto “msh” [mechê] significa “provação, desespero” e “øl” [âle] significa “subir, escalar”. Assim “hlkmshøl” [âlekemechêâle] será “caminhar numa subida desesperante”. Parece provável que a origem do nosso “alcanchal” esteja nesta última expressão.

ALÇA/ALÇAR
Alça é o que se levanta ou o que faz levantar, provém certamente de “ølh øšh” [âlââssâ], que significa literalmente “fazer subir”. Fala-se de uma forma hipotética latina “altiare” que derivaria de “altare” que evidentemente terão relação com palavras da família de “alto”. O verbo “alçar” tem evidentemente origem em “ølh øšh”, que já de si correspondia a uma ação, mas que ao passar ao português atual se transforma num verbo regular.

ALÇAPÃO
Alçapão provém com certeza da expressão fenícia “ølh øšh” [âlâssâ] que significa “fazer subir” (ver “alçar”), à qual foi acrescentada a palavra “pøm” [pôm], que significa “estrado”. Assim, “alçapão” provém certamente de “ølh øšh pøm” [âlâssâpôm], e significa simplesmente “estrado de fazer subir”. A explicação habitualmente aceite para a origem da palavra “alçapão” é “alça+pom” (em que pom = põe), o que é uma explicação mais que duvidosa.

ALÉM
A nossa palavra “além” deve provir de “hl’h” [âlaê] que significa em hebraico antigo “para lá, adiante, daí em diante”, ou do equivalente acádio “alla” [ala] que quer dizer nessa língua precisamente “além”. Evidentemente que a possibilidade de a nossa palavra “além” provir do italiano “illinc”, que significa “aí”, não faz o menor sentido.

ALEVIM
A nossa palavra “alevim” talvez provenha de “alp im” [alevim], que significa “produzir aos milhares no mar”. A forma latina hipotética “allevamen” proposta em alguns dicionários não faz sentido, antes do mais por se tratar de uma palavra que efetivamente nunca ninguém pronunciou ou escreveu, e além disso porque a evolução fonética seria difícil. Em francês a palavra equivalente é “alevin”, e existe a hipótese de haver uma relação entre a palavra “alevim” e o “élève” (estudante – o que aprende) francês. Parece no entanto mais provável que a raiz “alp” [alef], ou [alev] se tenha juntado a “im” que é “mar”, para criar a palavra que se refere ao que o mar produz em grande quantidade, o “alevim” (ver “alfobre”).

ALFERCE
O “alferce” ou “alferça” é um instrumento agrícola hoje pouco usado, mas que no passado tinha muito uso nas arroteias de matos, bem como na atividade dos carvoeiros, sobretudo para desenraizar as torgas das urzes. Também é conhecido por “alvião”. O nome deve provir de “allu” ou “al” [ale] que significa “picareta, sachola, machado” e “brṣl” ou “przl” [fersel], que significa “ferro”[14]. Do termo inicial “albrṣl” [alfersel] evoluiu-se para “albrṣ” [alferse], com o significado de “”picareta, machado, sachola, de ferro”. Pode no entanto haver mais simplesmente relação com o termo fenício “prs” [ferese], que significa “partir, fender”. Seria assim “picareta, machado de fender”. Note-se como particularmente interessante que o termo “alvião” tem origem no mesmo “ale” (picareta, machado, sachola), seguido de “abn” [alavene] (machado de pedra). É portanto um nome mais antigo, e evidentemente anterior à idade dos metais.

ALFOBRE
Certamente que a palavra “alfobre” provém de “alp apr” [alefabre] ou “alp øpr” [alfobre][15], termos que em fenício significam o mesmo: “produzir a milhares em terra fina” (ver “alevim”). A ideia de que pode provir do árabe “al-hufar” com o significado de “buraco” ou “fossa” não parece fazer sentido.

ALGAR
Um “algar” é um “poço ou abismo natural, mais ou menos profundo, originado por vezes, de cima para baixo, pela ação das águas…” Esta palavra “algar” deve provir de “lalgar” [lalgar][16], que significa em fenício “abismo, água subterrânea”. A origem árabe geralmente aceite, “al-gar”, também é possível, muito embora o significado do termo árabe seja “caverna”, o que não corresponde exatamente à nossa noção de “algar”.

ALGARA
Uma “algara” era na Idade Média uma incursão militar para saque em território inimigo. Era uma correria para saque dos povos, muito mais que um ataque esperando resistência organizada dos opositores. Diz-se que a palavra vem do árabe, de “al-gára”. É possível, mas em fenício “hlk” é “marchar, correr”, e “gwr” é “hostilizar, atacar”. Portanto “hlkgwr” [alkgôre] será “corrida para atacar” ou algo próximo.


ALGEROZ
Ao contrário daquilo que se propõe em alguns dicionários, a palavra “algeroz” não deve provir do termo árabe “az-zurub”, o que, mesmo J. P. Machado considera “evidentemente inaceitável”. Em fenício “ĥalu” [ale][17] é “escorrer, gotejar”, “šr’” [jere] é “fluxo”, e “aôz” [aôz] é “constranger, ser muito apertado”. Logo, “ĥalušraôz” [alejereaôz] será “escorrer fluxo constrangido”, o que está conforme com a função de caleira ou tubo de água.

ALGOZ
A nossa palavra “algoz” provém provavelmente de “øolh” [âolê] que significa “holocausto”, e de “gz” [gaz], que é “guerreiro”. A palavra “øolhgz” [âolêgaz] será portanto o “guerreiro do holocausto”. Não é impossível que o nome se aplicasse em turco a uma tribo onde se iam buscar os carrascos, e de resto a origem da palavra árabe medieval pode ser a própria expressão semita antiga.

ALI
Costuma-se dizer que o nosso advérbio “ali” tem origem na palavra “ad illic” latina, que significa “para aquele lugar”. Contudo em hebraico antigo “hl’h” significa “para lá, adiante, daí em diante”.

 ALICERCE
Em fenício “ølilh” [âlilê], significa “obra”, e “šrš” [seresse] é “raiz”, “lançar raízes” (ver “cerce”). É claro que a explicação tradicional que diz que a palavra “alicerce” provém de, “al-isãs” palavra árabe, que significa “fundação”, faz sentido. No entanto “ølilhšrš” [âlilêseresse], em fenício, significa “lançar raízes da obra”, o que também é uma possibilidade interessante.

ALMA
A palavra “alma” deve resultar de uma fusão entre o termo fenício “ølm” [alma], que significa “eternidade” tanto em ugarítico, como em hebraico antigo, como mesmo em aramaico, com os termos latinos “anima” e “animus”, que também podem ser taduzidos por “alma”. De resto a palavra “alma” acumula hoje entre nós os significados provenientes de ambas as línguas: por um lado a “anima” latina, que é sobretudo o princípio vital, ligado à respiração, a própria respiração e a própria vida; o “animus” é “vontade”, mas também “espírito”, o que é de algum modo oposto ao corpo. Do fenício herdamos a fonética em si (a palavra é pronunciada da mesma maneira em português e em hebraico), e a ideia geral de “eternidade”.

ALMOÇO
Parece pouco provável que a nossa palavra “almoço” possa provir de “admordere”, que significa em latim “morder levemente”. É possível que a origem da palavra “almoço” seja fenícia, já que existe a forma “lam” que significa “primeiro”, e “mṣh” é “folhado de farinha e água”, ou seja, “pão”. Pode assim a forma “lammṣh”, que à letra significa “primeiro folhado de farinha e água”, ter passado a designar genericamente “primeira refeição”. Há também a possibilidade de o “al” do início da palavra “almoço” provir de “ḥl”, que significa “pão (de forma circular)”, e ter-se dado, como em outros casos a elisão do “ḥ” inicial (ver “algeroz”). Assim seria “ḥlmṣh” [alemassê], significando “pão de farinha e água”. Há contudo a possibilidade de a nossa palavra “almoço” ser uma evolução de uma forma mais antiga “aurmoço”. Esta forma pode ser ainda encontrada no noroeste de Portugal, onde a palavra “almoço” por vezes se pronuncia “aurmoço”. Essa forma cria a possibilidade de a origem ser “awr”, que significa precisamente “nascer do dia” (esta partícula é comum à palavra “aurora”).

ALMOCREVE
Diz-se que a nossa palavra “almocreve” tem origem no termo árabe “al-mukari”, que significa “jornaleiro”, o que não corresponde nem ao significado do termo português, que é “comerciante, mercador”, nem à fonética da nossa palavra. De facto o termo “almocreve” deve provir de “ølm” [âlm], que significa “homem jovem” e de “mkr” [makare], que é “negociante, mercador”[18]. Portanto “ølmmkr” [âlmmakere] significa “homem jovem mercador”. As formas mais antigas (segundo J. P. Machado) são “almoqueri” e “almokeri”, o que deixa admitir que a forma original seria essa, e portanto proveniente diretamente de “ølmmkr” [âlmmakere]. Contudo, pouco tempo depois é encontrada a forma “almoquever”, que chegou aos nossos dias. Esta forma pode ser resultado da anterior “ølmmkr” [âlmmakere], à qual se anexou a palavra “ab”, que significa “iniciador de profissão”. Assim a forma atual “ølmmkrab” [âlmmakareav] pode significar simplesmente “homem jovem mercador de profissão”.

ALOILADO
A palavra “aloilado”, que significa “maluco, tolo”, deve ter relação com o termo “lillu” [lile], que em fenício significa “louco, fraco, débil, estúpido”. De resto deve ser a mesma origem de “loiro” (no sentido de “pouco inteligente, incapaz”) que nada tem que ver com a cor, já que também se aplica, por exemplo a animais como o papagaio, animal que “fala sem saber o que diz”. Não se estranhe a evolução de “lillu” para “loiro”, porque na passagem do fenício para o português atual a sequência “ll” deu frequentemente lugar à sequência “lr”.

ALVIÃO
Um “alvião” é uma ferramenta usada para as arroteias de matos, arrancar as torgas para carvoaria, e em geral para trabalhos duros de transformação de terras bravas em terrenos agrícolas. É de um lado uma picareta achatada, ou um sacho espesso e estreito, e do outro lado uma machada grosseira. Diz-se geralmente que a palavra é de “etimologia obscura”. Contudo esta palavra deve provir de “allu” ou “al” que significa “picareta, sachola, machado”[19] e “abn” que é “pedra, machado de pedra”. Portanto “alabn” [aleavene] será “picareta machado de pedra”. Parece assim que o nosso termo “alvião” tenha uma origem remota no neolítico, e o instrumento, hoje de ferro, tenha ainda o nome que era dado aos machados de pedra desse período.

AMA
Diz-se que a palavra “ama” tem origem no grego “amma”, pelo “latim hispânico” “amma”. Claro está que “latim hispânico” pura e simplesmente é uma forma de chamar “latim” a palavras que foram usadas na Península Ibérica, mas que nunca foram latim. O mais certo é a nossa palavra “ama” provir de “am” [ama] que em fenício significa “mãe, madrasta, avó”, portanto figura feminina responsável por uma criança.[20]

AMACHUCAR
A palavra “amašu” [amache] significa em acádio “esmagar”; “mṣh” [massê] é “espremer” em hebraico antigo; “mazu” [maze] também em acádio, é “prensar”, que é praticamente o mesmo. Junta-se a isto que o som “ṣq” ou “ṣuq” [suq] significa “agarrar”. Assim “amachucar” deve provir de “amašuṣq” [amachesuq], que significa “agarrar e esmagar”, de “mṣhṣuq” [massêsuq], que significa “agarrar e espremer”, ou mesmo de “mazuṣuq” [mazesuq] que é “agarrar e prensar”. No fundo é quase o mesmo, e as variações devem provir das diferentes grafias usadas ao longo do tempo, de diferentes tipos de escrita e de diferentes culturas. Tradicionalmente diz-se que a palavra “amachucar” tem origem no termo castelhano “machucar”, mas sendo assim ficaria por explicar a origem do termo castelhano, ou seja, é uma explicação que nada explica.

ÂMAGO
A nossa palavra “âmago” tem certamente origem em “ømq” [âmaq] que significa em fenício “fundo, profundo, misterioso”. Habitualmente diz-se que esta é uma palavra com “origem obscura”.

AMALHAR
O nosso verbo “amalhar” significa “aquietar-se, encontrar local para repousar ou passar a noite”. Tem relação evidente com “mlôn” [malôn], que significa “acampamento, pousada, cabana”, e que veio a dar entre outros os nossos topónimos “malhão” e “malhada”. Parece claro que esta ideia nada tem que ver com a “macula” latina, que é a origem geralmente proposta para esta palavra.

AMANHAR
Os termos “amn” [omon] ou “amôn” [amon], que significam em qualquer dos casos “artesão” devem estar na origem da nossa ideia de “amanho”, e o verbo “amanhar” não é mais que a adaptação ao português da ideia/palavra fenícia de “amn” ou “amôn”. A etimologia geralmente apresentada nos dicionários é “manwjan” gótico, com o significado de “preparar”, ou de um hipotético termo latino “admaniare”, que significaria “preparar com as mãos”. É evidente que esta origem tradicionalmente aceite resulta apenas de se desconhecer a origem fenícia do português, pois procurando no fenício encontra-se imediatamente a origem da palavra. Como em muitos outros casos, a partir da ideia de artesão e do seu nome em fenício “amn”, criou-se o verbo “amanhar” do português.

AMARELO
Diz-se que a palavra “amarelo” provém do “latim hispânico”, que evidentemente não é senão um conjunto de termos não latinos usados na Península Ibérica durante e após o domínio do império romano. Portanto a palavra “amarelo” deve ter outra origem, e ela é possivelmente fenícia. Repare-se que em fenício “aml” [amale] é “murchar, perder o vigor, desmaiar” (diremos nós, atualmente, “amarelar”) e por outro lado “leru” é em acádio “massa amarela”. Portanto é possível que tenha existido a forma “amallero” [amaleru] que evolui facilmente para “amarelo” como referência à vegetação que toma a cor amarela quando murcha.

AMARGO
Refiro a palavra “amargo” como um bom exemplo de como muitas vezes existe quase uma impossibilidade total de optar por uma língua na busca da origem de palavras do português. A palavra “amargo”, seja no que se refere ao paladar, quer seja no que se refere aos sentimentos, pode efetivamente provir tanto do fenício como do latim, e é mesmo muito provável que ela resulte da convergência fonética e semântica de palavras de ambas as línguas. No latim “amarus” é “amargo ao gosto”, desagradável ao cheiro e ao ouvido, mas também “triste, rancoroso”, etc. Contudo em fenício, entre outras formas temos “mr”, que é “amargo”, “mrh” [marê] que é “amargura, tristeza”, mas temos também “igh” [igâ] que é igualmente “amargura, tristeza”. Portanto a forma fenícia composta para o equivalente à nossa palavra “amargo” seria “mrigh” ou “mrhigh” [marêigê]. A palavra portuguesa resulta assim possivelmente da reunião das duas palavras. Para além da sequência “mr”, que é comum às duas línguas, recolheu o “a” inicial do latim, e recolheu também o “igh” final do fenício.

AMARRAR
Em fenício, “ømr” [âmare] é “reunir, enfeixar” (e também “agir violentamente”), e é certamente a origem da nossa palavra “amarra”, palavra essa que foi transformada no verbo “amarrar” do português atual. É habitual atribuir a origem da palavra “amarrar” ao francês “amarrer”, que por sua vez será proveniente do neerlandês “aanmarren”.

AMARROTAR
A palavra “ømr” [âmare] é, em fenício, “agir violentamente”, e “øwt” [ôôte] é “torcer, transtornar”. Assim, “ømrøwt” [âmareôôte] é “torcer violentamente”. Claro que a palavra hipotética “manroto” (palavra hipotética que significaria “rasgado com as mãos”) não passa de um termo inventado para justificar uma etimologia que efetivamente se desconhecia.

AMASSAR
O verbo “amassar” deve ter origem em “massa”, ou melhor, no seu étimo fenício “maṣh” [massâ], que é um “folhado de farinha e água”. Como é sabido foram os povos do “crescente fértil” que inventaram a cultura de cereais e que com eles fizeram alimentos vários à base de farinha. Foi assim certamente que a farinha amassada do próximo oriente, a “maṣh” [massâ], foi difundida ao mesmo tempo que se difundia o seu nome, e os gregos aprenderam a amassar a farinha e herdaram além das sementes e da técnica, o nome, chamando-lhe “máza”, e os romanos também usavam a palavra, mas grafada como “massa”. Nós, portugueses, também termos a palavra “massa” e até usamos o verbo “amassar”, e podemos encontrar a sua origem tanto no falar popular fenício, como na língua do poder, o latim. Acrescente-se que a palavra “amašu” em acádio é “esmagar” (ver “maça” e “massa”).

AMEIJOA
Ao contrário daquilo que alguém sugere, a raiz da palavra “ameijoa” não deve ser o termo grego “mytílos”, que significa “amêijoa, mexilhão”, até porque a sua evolução fonética seria muito difícil. A nossa palavra “amêijoa” pode ser uma forma distorcida de um étimo antigo que se conservou mais próximo do original na palavra equivalente castelhana “almeja”. Nesse caso a nossa “amêijoa” teria origem na palavra fenícia “ølm” [âlme], que é “fechar, encobrir, ocultar-se” e “az”, que significa “constranger, ser muito apertado”. Portanto “ølmaz” (ãelmaz) seria qualquer coisa como “fechar fortemente”, ou “apertar muito para ocultar-se”, etc. No entanto parece mais lógico que haja uma raiz comum a “amêijoa”, “mexilhão”, “lamejinha”, já que em comum existe o som “mx” ou “mj”, e se trata de moluscos bivalves. É assim possível que estes nomes tenham relação com o termo fenício “amṣ” [amache], que significa “ser forte”.

AMÉM
Palavra proveniente do hebraico antigo, de “amn” [amene] ou “amnm” [amenem], termos que significam sensivelmente o mesmo: “certamente, verdade, verdadeiramente, realmente”. Da forma hebraica passou-se a uma forma grega (amén) e ao latim (amen), com o significado de concordância.[21]

AMOJAR
Diz-se por vezes que “amojar” provém de “apojar”, e que este termo se relaciona com uma hipotética palavra latina “appodiare”, que seria proveniente de “podium”, que significa “pedestal”. Assim, o nosso “amojar”, que é “encher de leite as tetas” teria a seguinte relação com “pedestal”: de “subir ao pedestal” viria a ideia de “crescer”, e daí a ideia de “encher, entumecer”[22]. A construção lógica é interessante e imaginativa. Contudo a palavra “amojar” deve simplesmente vir do fenício de “mšh” [machê], que é “tirar, puxar para fora”, de “mṣṣ” [masse], “chupar, mamar, sorver”, ou de “mṣy” [massi], que significa “sorver, absorver”. Portanto “amojar” deve ter apenas relação com “mamar” ou “ordenhar”.

AMPARAR
A palavra “amparar” vem possivelmente de “amnøbrh” [amnâparê] que significa em fenício “mostrar-se forte, estável na travessia de um rio”. “Amn” significa exatamente “mostrar-se firme, estável, digno de confiança, ter estabilidade”, e “øbr” [âpare] ou “øbrhu” [âparêe] é “passar, atravessar, passagem, a outra margem, agitação, vau”, mas igualmente “agitação, emoção”, etc. Portanto o “amparo” é o apoio sólido em situações difíceis. Resta dizer que habitualmente se afirma que a palavra “amparar” provém de um hipotético termo latino “anteparar”, que significaria “fazer preparativos para se defender”.

ANCA
Aceita-se tradicionalmente que a palavra “anca” provenha de uma hipotética palavra germânica ou do frâncico “hanka” por uma outra hipotética palavra latina “hanca”. Também se fala de várias outras palavras hipotéticas de várias línguas. No entanto a palavra “anca” deve provir de “nwḥ” [nâca] ou “nĥ” [naca], que significam “descansar, sentar-se”, “nôḥ” [nôca] é “lugar de repouso, ou mesmo de “naĥu” [nôca], que significa “repousar, estar tranquilo, banha, toucinho”, termos relacionados de perto com “anaĥu” [anaca], que também significa “cansar-se, estar exausto”. Assim parece que o termo “anca” se referia inicialmente à atitude de estar sentado em repouso, e mais tarde passou a servir para nomear a parte do corpo que se apoia quando o indivíduo se senta ou está em repouso. Há ainda uma clara relação (e não é casual) com o tecido gordo que domina nessa parte do corpo (ver “banco”).

ÂNCORA
A palavra “âncora” é um bom exemplo da precedência de uma palavra fenícia em relação a uma palavra latina. Como é sabido as navegações fenícias precederam em milhares de anos a cidade de Roma. Como também se sabe, as mais antigas âncoras conhecidas são de chumbo. A palavra fenícia para “amarrar a prumo de chumbo” é “ankkrh” [ankarâ], e foi certamente dado esse nome ao que nós hoje chamamos “âncora”[23]. Com o tempo a âncora, enquanto técnica e objeto, difundiu-se pelos povos do Mediterrâneo, e com eles se difundiu também o nome. Os romanos usaram também o objeto e a palavra, e por isso podemos dizer que é através do latim que a palavra “âncora” chega ao português. Mas se aceitarmos que o povo que foi conquistado pelos romanos falava a velha língua do Neolítico, pode admitir-se que a nossa palavra “âncora” já por cá existia e por isso terá origem anterior aos romanos.

ANDAR
A palavra “ømd” [âmde] é, em fenício, “estar de pé”, “ndd” [nade], é “marchar, vaguear, mover”, “nd’” [nadê] é “afastar” e “nwd” [nôde] é “vaguear”. A palavra “anda” é deste modo possivelmente resultante desta ideia fenícia, expressa com diversas variantes fonéticas e gráficas, mas que é basicamente o mesmo: “nd” corresponde a “mover, afastar, vaguear” mas, como em outros casos, o “m” ou “n” de início da palavra foram nasalados e passaram a “am” ou “an”. Deste modo o “nd” [nadê] do oriente passou a “and” [ande] no falar do ocidente. Assim, deve ter nascido o nosso verbo “andar”. Geralmente aceita-se que o nosso verbo “andar” tenha tido uma origem latina em “ambitare”, frequentativo de “ambire”, que significa “ir em volta”, o que não parece aceitável.

ANDOR
A palavra “andor” deve corresponder à conjunção da ideia de “andar”, que vem de “nd” [nade] e de “estar por cima”, que é genericamente “øl” [ôl] (ver “andar”). Assim, o que “anda elevado”, ou o que “anda acima de” é “ndøl”. Conforme o “nd” fenício evoluiu para “anda” em português, também o “ndøl” passou a “andoul”, e mais tarde a “andor”. É claro que a hipótese de a nossa palavra “andor” ser proveniente do “sânscrito” “hindola” ou do Malaiala “andola” não faz sentido.

ANDRAJO
Atribui-se geralmente uma origem “obscura” à palavra “andrajo”. Contudo ela deve provir de “md” [made] significa “vestimenta, vestuário, veste”, e “rwš” [râj] significa “ser pobre”. Assim, “mdrwš” evoluiu para “amdrwš” [amderâj][24] dando origem à nossa palavra atual, com o seu significado de “vestuário do pobre”.

ANGRA
Diz-se que a palavra “angra” provém do “ancra” latino, que significa “intervalo entre árvores”. Como se sabe uma “angra” é uma pequena baía, um local usado como ancoradouro natural. O nome evidentemente, e ao contrário daquilo que se costuma afirmar, não pode provir da ideia de “intervalo entre árvores”, porque simplesmente não há relação lógica entre as duas coisas. A sua origem pode estar precisamente na palavra “âncora” e na ideia de ancorar os navios, ou estar ligada a “ani ĥarru”[25] [anigare], que significa “canal largo de navios”.

ÂNSIA
Em fenício “mš’” [masê] significa “sofrimento, anseio”. Mas a palavra “mš’” [masê] ou “nš’” [nasê] significa também “empréstimo, emprestar, fazer alguém ser devedor”, etc. Aproveito este exemplo para explicar que o “m” e o “n” em alguns casos no fenício (particularmente no início das palavras) serviam certamente para indicar uma nasalação (ou pelo menos evoluíram nesse sentido para o português), devendo por isso ser lidos “am” ou “an”, o que é, pruridos ortográficos atuais à parte, a mesma coisa. No que se refere a esta palavra em particular, pode dizer-se que em latim existe a palavra “anxia” que também corresponde à ideia de “angústia”, pelo que neste caso é impossível determinar uma origem única para a nossa palavra “ânsia”. Como defendo, este é mais um dos casos em que se percebe que a velha língua do Neolítico deve ter sido origem de quase todas as línguas da região do Mediterrâneo.

APAGAR
O nosso verbo “apagar” certamente não provém de “ad+pacare”, que em latim significa “pacificar”, mas antes do termo fenício “hpgh” [âpagâ], que significa “cessação”. Portanto, quando dizemos “apaga o lume”, ou “apaga a luz”, etc., estamos efetivamente a utilizar a ideia de “cessar”, “parar”, e não de “pacificar”.

APENAS
A palavra “apenas”, pelo menos quando significa “logo que, assim que” deve ser proveniente de “apn” [apene], que significa “então, ato seguido, na continuação”. Mesmo no sentido de “só, somente, unicamente” a sua origem, embora mais tortuosa e menos clara, pode ser igualmente fenícia. Deve observar-se que em fenício “ap” [ape] é “nada, o que não tem valor, e, também, mas também, então também, pois, logo” e “n’ṣ” [nês] é “desprezar, rejeitar”. Assim, “apn’ṣ” [apenês] pode ter sido na origem o “que se rejeita por não ter valor” e ter sido usado mais tarde no sentido de “uma parte”. Diz-se habitualmente que a palavra “apenas” resulta de “a+penas”, sendo estas “penas” entendidas como “castigos”. Não é fácil encontrar algum sentido lógico nesta proposta tradicional.

APOJAR
Diz-se que a palavra “apojar” provém de uma hipotética palavra latina “appodiare”, que seria proveniente de “podium”, que significa “pedestal”. Assim, o nosso “apojar”, que é “encher de leite as tetas” teria a seguinte relação com “pedestal”: de “subir ao pedestal” viria a ideia de “crescer”, e daí a ideia de “encher, entumecer”. Embora imaginativa, esta é certamente uma relação demasiadamente forçada para poder ser levada a sério. Há a possibilidade de “apojar” ser uma variante de “amojar”, e esta palavra deve simplesmente vir do fenício de “mšh”, que é “tirar, puxar para fora”, de “mṣṣ”, “chupar, mamar, sorver”, ou de “mṣy”, que significa “sorver, absorver”. Assim “amojar” ou “apojar” seria proveniente da ideia de ter as tetas cheias e capazes de ser ordenhadas ou mamadas. A passagem de “m” a “p” entre as palavras “amojar” e “apojar” não parece difícil, se tivermos em conta que o som “b” e “p” foram em tempos indistinguíveis, e que ainda hoje se troca o “b” pelo “m”[26].

APRE!
A palavra “apre!” é uma palavra que exprime irritação, raiva, desespero. Alguns pensam que a sua origem é “expressiva”, mas outros assumem que não conhecem a sua origem, classificando a palavra como de “origem obscura”. De facto a palavra “apre” provém certamente de “øprh” [âprê] e significa precisamente “ira, raiva”. Como hoje, em desespero se diz “que raiva!”, também se disse “apre!” com o mesmo significado. A palavra ficou.

APRISCO
Um “aprisco” é uma cabana rústica feita de ramagens para ovelhas, um redil. Diz-se que a palavra vem de um hipotético termo latino “appressicare”, que significaria “apertar ou comprimir”. Evidentemente que a origem é outra. Em fenício “ap” [ape] é “câmara fechada, câmara, pátio” e “riksu” [rikeso] ou “rks” [rekeso] é “atar, amarrar, cingir, laço, ligação”[27]. O “apriksu” passou após metátese a “aprisku” e o significado era “câmara fechada ou pátio amarrado, ou atado”.

ARAME
Diz-se que a nossa palavra “arame” provém do “latim tardio”, de “aramen”, que significa “bronze, objeto de bronze”, através de termos latinos hipotéticos como “aramen” e “aramine”. De facto a palavra “arame” deve provir da ideia de “corda de cobre” ou “corda de bronze”, ideia que em fenício corresponde a “erumen”. A palavra “eru” em acádio é “cobre, bronze”, e “mn” [men], em hebraico, significa “corda”. Portanto “erumen” é literalmente “corda de cobre” ou “corda de bronze”[28].

ARCHOTE
“Archote” é uma palavra para a qual os dicionários por vezes apontam uma “origem obscura” ou no termo latino “assula”. No entanto a palavra “archote” tem uma origem fenícia clara e deriva claramente de “ar ṣwt” [arsôte], que significa “acender luz” (“ar” é “luz, brilhar, iluminar”, e “ṣwt” é “acender”). Uma análise mais cuidada teria evidenciado que a nossa palavra “tocha” resulta de uma metátese de “chote”, e que “tocha” e “archote” são uma mesma coisa, logo a sua origem deve ser procurada tendo este facto em consideração.

ARENGA
Uma “arenga” é um “discurso longo e fastidioso”, um palavrório que nunca mais acaba, mas também “palavrório”, “discussão”, “altercação”. Diz-se que vem de um hipotético termo gótico “harihrings”, que significaria “reunião do exército” e que a ideia de discurso longo teria ficado dos discursos feitos nessas situações[29]. Possivelmente o termo tem origem na ideia de “ser longo”, dado que “araku”, “ark” ou “arkh” [arekê] significa “ser longo, longo, longa duração, tornar longo”. Pode no entanto, quando o termo “arenga se relaciona com “confusão”, ter origem em “rnh ga” [renêga], em que “rn” significa “berro, grito de júbilo, clamor, gemido”, e “ga” é simplesmente “voz”. Portanto, numa tradução livre, “confusão de vozes”.

ARGAMASSA
A nossa palavra “argamassa” é uma palavra que resulta da composição de duas palavras fenícias: “ørk” [âreka], que significa “montar em camadas, empilhar, preparar, enfileirar” e “mšš” [massa], que é “pegar em, agarrar”. Assim a “argamassa” é aquilo que “agarra o que se empilha”, ou o que faz “pegar as camadas”, etc. Habitualmente diz-se que esta é uma palavra de origem obscura.

ARISTO
Refiro aqui a palavra “aristo”, tanto com o significado de “excelente, o melhor, o mais valente, o mais nobre”, como enquanto elemento que exprime a ideia de “nobreza”, que tem relação direta e óbvia com o termo grego “áristos”, apenas para que melhor se compreenda que há radicais comuns em muitas línguas antigas do Mediterrâneo que dificultam a determinação da origem do português atual. Assim, se em grego “áristos” é “o melhor, o mais valente, o mais nobre”, em fenício, “h reštu” [êrestu] significa “o de melhor qualidade, o primeiro, o melhor”.

AROEIRA
Dizem os dicionários que “aroeira” tem origem em “darú”, que em árabe significa “lentisco”. No entanto, “ørôør” [aroèr] significa em fenício “aroeira”. Não parece haver dúvidas sobre qual a verdadeira origem da palavra[30].

ARPÃO
A nossa palavra “arpão” deve ter origem em “ḥrb”, [arpe] que em ugarítico significa “cutelo, espada, atacar”, e em hebraico antigo “faca, punhal, espada, formão”. Parece possível que, como em outros casos, o ḥet do início da palavra tenha simplesmente desparecido, e “arpe” daí resultante tenha recebido o sufixo aumentativo “ão” (ver “farpa”). J. P. Machado apresenta teorias em que se relaciona o nosso “arpão” com o “harpon” francês (o que é certo e não se discute), e este com o termo do antigo escandinavo “harpa”, que significa “ação de torcer” e “cãibra”. É claro que não é com facilidade que se encontra relação lógica entre “arpão” e “torcer” ou “cãibra”. Por isso mesmo parece mais sensata a hipótese de “ḥrb”.

ARRABAR
A palavra “arrabar” significa “fugir por causa das moscas”. A sua origem é certamente “ørb” [ârabe], que em fenício significa “mosca, bicharia, insetos”. Geralmente os dicionários admitem desconhecer a origem desta palavra.

ARRAIAL
Muitas páginas se gastaram a escrever sobre a origem desta palavra, desde uma possível filiação árabe, em “rahl”, com o significado de “albarda, sela de camelo”, até uma origem latina em “regale”. No entanto a palavra “arraial” tem certamente origem em “haraiøu” [âaraiôu], que significa em fenício “gritar, berrar, clamar, emitir brado de guerra, convocar às armas, aclamar”. Em fenício esta palavra também se usou na forma “rwø” [raiôu], daí que em português antigo as palavras “arraial” e “real” apareçam associadas. A famosa frase “Arraial, Arraial, por El-Rei de Portugal D. João IV” que terá sido gritada no dia 1º de Dezembro de 1640 da janela do palácio da ribeira, onde foi morto Miguel de Vasconcellos, tem ainda esse significado antigo: “emitir brado de guerra, convocar às armas, aclamar”.

ARRANJAR
Diz-se que a nossa palavra “arranjar” tem relação com um hipotético termo frâncico “hring” com o significado (também hipotético) de “círculo, anel”, o que parece ser bastante forçado, tanto pela disparidade dos significados, como pelo facto de se tratar de um termo hipotético, como mesmo por não ser fácil a evolução fonética entre “hring” e “arranjar”. O verbo “arranjar” pode ser de origem fenícia e resultar da palavra “ḥrš” [araje] que significa “artesão, preparar, artífice”, etc. Neste caso o som aspirado do início da palavra que existia na antiga língua do oriente, que frequentemente corresponde no ocidente a “c” ou “g”, terá desaparecido, ou melhor, terá evoluído para o nosso “a”.

ARRASTAR
Dizem os dicionários que o nosso verbo “arrastar” tem origem na palavra “rasto”, e esta no termo latino “rastro”, que significa “ancinho”. No entanto em fenício “arṣ tøh” [arastôâ] significa “andar errante pelo chão” ou “vaguear pelo chão” (ver “arrojar”).

ARRE
Diz-se que a palavra “arre!” é de “origem expressiva”. No entanto “ør” [ârr] significa “jumento”, e “øir” [âirr] é “jumento, garanhão, zebra”. Quando se diz “arre burro”, está-se a dizer “burro” duas vezes (ver também “arrear” e “arreata”).

ARREAR
Arrear é colocar os arreios, preparar um animal, cavalo ou burro, para ser montado ou fazer algum trabalho. Diz-se que a palavra provém de um hipotético termo do “latim popular” “arredare”, que teria sido formado a partir de um outro termo do gótico “rêd”, que significa “meio, provisão”. No entanto é claro que “ør” [ârr] significa “jumento”, e “øir” [âirr] é “jumento, garanhão, zebra”, e que logicamente a palavra “arrear” está ligada a este radical. Assim, “arrear” pode ser a evolução fonética natural de “øirøl” [âirâl], o que significa “sobre o cavalo”, “por cima do cavalo”, “por cima do burro”, etc., mas pode simplesmente ser um verbo construído a partir da palavra “arreio”.

ARREATA
A nossa palavra “arreata” tem certamente origem em “øirøţh” [âireâtâ] (“øir” significa “cavalo, burro”, e øţh quer dizer “agarrar”), o que significa “agarrar o cavalo” ou “agarrar o burro” (ver “arre” e “arrear”). Dizem geralmente os dicionários que “arreata” é uma derivação regressiva de “arreatar”, e que este termo é proveniente de “re+atar”.

ARREMESSAR
Dizem alguns dicionários que a palavra “arremessar” provém do termo “remissare”, do “latim vulgar”. J. P. Machado lembra a existência de uma forma “remesso”, antecedente do nosso atual “arremesso”. Parece-me muito mais provável que a sua origem seja o “rmh” [remê], que significa “arremessar, atirar, lançar, jogar”.

ARRIMAR
Ver “rima”

ARROCHO
A palavra “arrocho” pode provir de “øṣ” [ôche] com o significado de “haste, madeira”, e de “hr” [âre], que é “serra, monte, montanha”. Assim “hrøṣ” [âreôche] será literalmente “haste da serra”, ou “madeira da serra”, logo irregular e que de algum modo se opõe a outras hastes mais cuidadas. Daí se dizer por exemplo “torto que nem um arrocho”. Usualmente classifica-se a nossa palavra “arrocho” como sendo de “etimologia obscura”.

ARROIO
A palavra “arroio” pode provir do termo fenício “hr rwh” [ârrôê], que significa “regar da serra”. Repare-se que o radical “hr” [âre], que significa “serra, monte, montanha” está presente na toponímia (muitas vezes na forma “aire”), mas também em muitas palavras do português. Já o termo “rwh”, que significa “embeber, regar, irrigar, encharcar”, é próximo de “rwih” que quer dizer “superabundância, transbordamento”. Numa tradução mais livre pode dizer-se que “hrrwih” será “o que escorre ou transborda da serra”. Aceita-se tradicionalmente que esta palavra “arroio” seja de “origem pré-romana” com uma passagem por um hipotético termo “arrugiu”, que significaria “galeria de mina”.

ARROJAR
A palavra “arrojar”, quando significa “andar de rojo”, deve provir de “arṣ” [aras], que significa em fenício “chão, terra”, e assim se compreende que “andar de rojo” ou “arrojar” seja proveniente da ideia de “andar pelo chão” ou “andar por terra”. Já a mesma palavra, mas quando significa “coragem, atrevimento”[31] pode provir de “arwz” [arôz] que significa “firme”, ou mesmo de “ørz” [ârz], que significa “terrível”. Os dicionários geralmente apontam o termo latino hipotético “rotulare”, que significaria “rodar, lançar a rodar, fazer rodar”, como sendo a origem do nosso “arrojar”. Claro está que esta hipótese não é aceitável.

ARROMBAR
Diz-se geralmente que a palavra “arrombar” vem de “rombo”, e que esta palavra é de “etimologia duvidosa”. Há várias possibilidades para a etimologia destas palavras, tanto na língua fenícia, como mesmo no latim. Os latinistas parecem desconhecer que o “b” e o “p” foram pronunciados de forma indistinta entre as populações nativas pré-romanas, e que por isso o “rumpo” latino, que significa “romper, quebrar, rasgar” passou com facilidade a “rumbo”, daí ao nosso “rombo”, e ao “arrombar”. No entanto em fenício “arôn ba” [arônba] é “entrar na arca”, “entrar na caixa”, e portanto haverá facilmente uma convergência entre as palavras das duas línguas.

ARROTEAR
A palavra “arrotear” tem origem certamente em “ørr” [ârre], que significa em fenício “arrasar, destruir” e em “at” [ate], que é “instrumento agrícola de ferro cortante (relha de arado, enxada, picareta). Portanto “ørrat” [ârreate] é “arrasar ou destruir com instrumento agrícola de ferro cortante como uma enxada ou uma picareta”. Usualmente aceita-se que a nossa “arroteia” provenha de “roto” e que o nosso “roto” tenha origem no “ruptu” latino, partícípio passado de “rumpere”, que significa “romper, separar”.

ARRUMAR
Diz-se que a palavra “arrumar” tem ligação ao francês “arrumer” e ao alemão “rum”, que é “espaço”, mas que eventualmente tenha também sofrido influência de “arrimar”, que é pôr em “rima” ou “ruma” (pilha de coisas). É claro que o nosso “arrumar” tem efetivamente ligação a “ruma” ou “rima”, que são palavras provenientes do fenício relacionadas com a ideia de “levantar, elevação, alto, altura” (rmh, r’m, rwm), e associadas à ideia de “fazer montes, empilhar”. No entanto o nosso verbo “arrumar” deve ser proveniente de “ørm” [ârm], que em fenício significa precisamente “amontoar, juntar”,

ÁS
Tanto a nossa palavra “ás”, no sentido de pessoa com especial capacidade ou que tenha realizado feitos notáveis, como o sufixo “-az”, que expressa a ideia de robustez, como mesmo a palavra “aço” ou a nossa palavra “rapaz” devem ter uma origem comum nos termos fonética e semanticamente próximos existentes no fenício: “øz” [âz] ou “øzz” [ââz] significa “forte, duro, violento, força, valente”, etc. Mesmo o “ás” do jogo de cartas deve certamente o nome ao facto de ser “o mais forte”[32]. Evidentemente não existe nenhuma relação lógica interessante entre a unidade para dinheiro, pesos e medidas a que os romanos chamavam “as”.

-ASCO
O sufixo “asco” exprime uma ideia de “semelhança, atenuação, aproximação”, considerado por vezes como sendo de origem pré-latina. Em fenício “škk” [sake] é “diminuir, aplacar-se, amainar”, o que corresponde exatamente à ideia de “atenuação” do prefixo. Quando o sufixo “asco” se relaciona com algo de mau, a origem deve ser “asakku”, que significa “abominação” (ver “asco”).

ASCO
Diz-se geralmente que a palavra “asco” teve origem no termo grego “eskhára”, que na verdade poderá estar na origem de “escara” (crosta de ferida), mas não de “asco”. Este “asco”, que é “aversão, nojo, rancor, ódio”, evidentemente nada tem que ver com crostas de feridas, e tem certamente a sua origem em “asakku” [asake], que significa “abominação”. Este mesmo radical “asakku” pode ser encontrado como parte de várias palavras do português, como seja “fiasco”, “panasca”, “ascoroso”, etc.

ASCOROSO
A palavra “ascoroso” corresponde à ideia de “aquele que gosta de abominação”. Se “asco” provém de “asakku” com o significado de “abominação”, “rṣh” completa a ideia, porque significa precisamente “ter satisfação, agradar-se de, gostar de”. Assim “asakkurṣh” [asakerasê] veio a dar o nosso “ascoroso” com o significado de “o que gosta de abominação”. 

ASELHA
A palavra “aselha” pode provir de “asa”, quando significa “pega” ou algo que cumpre as mesmas funções. No entanto, quando aplicado a pessoas, o seu significado é de “incapaz, indolente, desajeitado”. Evidentemente que este “aselha” nada tem que ver com “asa”, estando antes relacionado com “øṣl” [âsela], que significa em fenício “indolente, preguiçoso”.

ASILO
Diz-se que a palavra “asilo” provém do termo francês correspondente “asile”, e que esta palavra vem do grego “ásilon”. Contudo a origem primeira da palavra deve ser encontrada no termo fenício “aṣil” que significa “partes mais remotas da Terra”[33].

ASNA
A “asna” é a armação que suporta o telhado, portanto a estrutura que lhe dá solidez, o esqueleto. A palavra evidentemente não provém do termo latino “asina” que significa “burra”, mas antes de “øṣm” [âsm], que é uma palavra fenícia que significa “ser forte, ser poderoso, esqueleto”.

ASSANHAR
(Ver “sanha”)

ASSASSINO
Refere-se que a nossa palavra “assassino” teria tido origem na palavra árabe “haxãxi”, que significa “haxixe”. Parece que ninguém se apercebeu da semelhança fonética e semântica entre as palavras “chacina” e “assassina”, ao mesmo tempo que se achou que “chacina” teria tido origem numa palavra inventada a propósito (isicium) que significaria “salsicha”[34]. Em fenício “šsh” é “saquear, espoliar”, “šss” é “saquear, pilhar” e “šsø” é “despedaçar”. Por outro lado “inh” significa “ser violento, oprimir”. Assim, “šshinh” significa “saquear com violência”, “despedaçar com violência”, “pilhar e oprimir”, etc., e é essa por certo a origem das nossas palavras “chacina” e “assassino”.

ASSIM
O nosso advérbio “assim”, ao contrário daquilo que já se tornou habitual afirmar, certamente não provém do termo latino “sic” ou de “ad+sic”. Parece muito mais provável tenha nascido do termo fenício “azi” [asi], que significa “então, aí”, e que é foneticamente muito próxima da forma do português antigo “assi”.

ASSUSTAR
A palavra “assustar”, bem como “susto”, e as restantes da mesma família devem ter origem no termo “ašuštu” [asuste], que significa “depressão, dor, desordem, balbúrdia”. Evidentemente nada têm que ver com o termo “sustar”, nem “suster”, que é a origem geralmente aceite.

-ATA
O sufixo “ata” que indica geralmente uma “coleção de alguma coisa, uma reunião” provém certamente da mesma raiz de sufixo “-ada” que com ele divergiu a partir do termo fenício “ødh” [âdâ], que significa precisamente “reunião, assembleia, repetição, continuidade”. Ver “-ada”.

ATABAFAR
A palavra “atabafar” resulta da junção da palavra “øţh” [âtâ], que significa “cobrir, envolver”, e de “abafar” cuja origem deve ser “øbazh” [âbazâ][35], com o significado de “cobrir para proteger”, ou “cobrir para aquecer” (ver “abafar”). Habitualmente considera-se que a palavra é de “origem obscura”, ou que resulta de um “cruzamento” entre “abafar” e “atafegar”.

ATABALHOAR
A palavra “atabalhoar” é dada com sendo de “origem obscura”. No entanto a sua origem é claramente fenícia, e resulta do radical “bll” [balale] que é “confundir”, ou de outras formas próximas, como “blø” [balâ], que é “confusão”, ou ainda de “balalu” [balale], que significa misturar (é deste radical que vem a nossa palavra “baralhar”), precedido da palavra “øwt” [ôât], que significa “torcer, transtornar”. Assim, “øwtbll” [ôâtabalale] será “transtornar confundindo”, “transtornar misturando”.

ATACADOR
Ver “atacar” (ligar, apertar)

ATACAR (lançar um ataque contra)
A palavra “ataque” é comum em várias línguas românicas atuais, pelo que geralmente se pensa nestas situações que terá uma origem latina. Diz-se que a palavra portuguesa tem origem no termo italiano equivalente “attaccare”. No entanto parece não existir uma raiz latina que explique a origem desta palavra, e pelo contrário existe uma raiz fenícia que se ajusta muito bem ao significado da palavra: “hwt tqø” [âettaqâ] significa “atacar ao som da trombeta”.

ATACAR (ligar ou apertar)
A palavra “øtk” [ataca] significa em fenício “atar, ligar”. Quando se fala de cordões de sapatos, os “atacadores”, já se percebe a origem da palavra. Evidentemente não há relação nenhuma com “ataque”.

ATAFEGAR
A palavra “atafegar”, que significa “abafar, asfixiar, sufocar apertando o pescoço” deve provir de “øţp” [âtaf], que significa “envolver, desfalecer, desmaiar” e de um outro termo fenício “pḥ” [fag], que quer dizer “laço”. Portanto “atafegar” pode provir de “øţppḥ” [âtâffâg], que significa “laço que faz desfalecer”.

ATAFONA
Uma “atafona” é um moinho movido por pessoas ou animais. Segundo o Cardeal Saraiva, o termo é proveniente do hebraico, de “țḥn”[36] [tafn], de “țḥnh” [tafnâ] ou de “țḥôn” [tafôn], termos muito próximos que significam respetivamente “moer”, “moinho” e “mó”. É possível esta relação, muito embora corresponda à passagem do ḥet fenício ao “f” português, o que parece que realmente ocorreu em alguns casos[37]. Alguns dicionários apontam o termo árabe “tahunã” como origem da palavra portuguesa, o que é igualmente aceitável.

ATANCHAR
A nossa palavra “atanchar” é certamente de origem fenícia. O termo “atnøšh” [atanâchâ] é “colocar firme”, significando “atn” [atane] “ser firme, constante, perene”, e “øšh” [âchê] é “colocar, pôr”. Por outro lado, “øs” significa “haste”, portanto o termo “atnøṣ” [atanâse] significa “haste firme”. Existe no entanto a hipótese de a palavra “atanchar” provir de “tanchar”, e de esta ser uma metátese de “chantar”. A palavra “chanta” era na Idade Média a “estaca”[38] que se metia na terra para criar raízes, mas esta palavra deve provir de “šnntø”[39] [channtâ], que significa “mudar planta nova” (ver “chantar”). A possibilidade de “chantar” ter origem no termo latino “plantare” é geralmente aceite, mas parece mais lógica a origem fenícia.

ATAR
A nossa palavra “atar” deve provir de “øțh” [âtâ], que significa “agarrar”. Em latim existe a forma “aptare”, que significa “adaptar, ligar; preparar, dispor; munir de”, que costuma ser considerada como a origem do nosso verbo “atar”. Contudo parece claro que o “øțh” [âtâ] é uma palavra que evoluiu por via popular, proveniente do fenício, e deu origem ao nosso “atar”, enquanto as palavras “apto” e o “adaptar” tiveram origem no latim e chegaram a nós por via erudita.

ATARRAXAR
Ver “tarraxa”.

ATAVIAR
A palavra “ataviar” significa “enfeitar, colocar adornos”. Diz-se que a palavra “atavio” e o verbo “ataviar” têm origem num termo gótico “taujan”, que significava “fazer”, e que por uma hipotética palavra latina “adtaviare” teria chegado ao nosso “ataviar”. A palavra é por certo fenícia e resulta do radical “iph” [ivê], que significa “tornar-se belo, enfeitar, adornar, embelezar-se” e de “øţh” [âtâ] que é “cobrir, envolver, agarrar, limpar”. Assim, “øţhiph” [âtâivê] é “cobrir de enfeites”, “agarrar adornos”, etc.

ATÉ
Disse-se que a preposição “até” era proveniente do árabe “hattã”, mas essa possibilidade foi tida por inaceitável pela antiguidade desse vocábulo. A nossa palavra “até” tem como principal significado a ideia de “limite”, e essa ideia deve resultar do termo fenício “atti” [ati], que significa precisamente “limite”. No entanto há outros termos fenícios que confluíram certamente para a formação do significado atual da nossa palavra “até”: “at” [ate] é “sinal”; “øt” [âte] é “tempo, momento, época”; “øth” [âtê] é “imediatamente, nesse momento”; “itu” [ite] é “limite; “itti” [iti] é “com”; “ødt” [âdte], “momento”, “sinal”. O nosso “até” deve ter uma origem próxima destes radicais antigos.

ATEZANAR (ou atazanar)
A palavra “atezanar”, ou “atazanar” deve ter origem em “tazanar”. O radical “twh” [teâ] significa “entristecer, molestar” e em “šnh” [sanâ], que é “repetir, fazer de novo”. Portanto “twhšnh” [teâsanâ] veio a evoluir para o nosso “atazana” mantendo o significado fenício original “molestar repetidamente”.

ATCHIM
A palavra “øtišh” [âtichê] significa “espirro” em fenício, logo a origem do nosso “atchim” é fácil de perceber.

ATINAR
Atinar é “ter tino”, e “tino” é “juízo”; “perder o tino” é “perder o juízo”. Em fenício “din” [dine] ou “danu” [dane] é “juiz, julgamento, julgar, juízo”. Não restam dúvidas que será essa a origem da nossa palavra “tino”, e por consequência do nosso verbo “atinar”. Habitualmente tem sido aceite que esta palavra é de “origem obscura”.

ATIRAR
Afirma-se geralmente que o verbo “atirar” tem origem na palavra “tirar”, e que esta é de “origem obscura”. Contudo em fenício “ath” [atê] é “vir, trazer” (“atw” é “vir, chegar, ir”), e “irh” [irâ] “lançar, atirar” (ou “yry”, que é “disparar”)[40]. Portanto “athirh” é “ir, vir, trazer atirando, ou lançando”, ou “vir disparar”, etc.

À TIRA
Apenas por curiosidade refere-se que a expressão “à tira”, que no século XV significava “à pressa”, deve provir da adulteração da expressão fenícia “øti”, que significa “com prontidão, imediatamente” e de “øwr”, que significa “levantar, pôr em movimento”. Num texto reproduzido por José Pedro Machado, lê-se: “… são aves de grande fome e voão muito a tira”. Ora como se pode ver o termo fenício “øtiøwr” [âtiâêr] deve corresponder exatamente a esta ideia “movimentar-se imediatamente”, ou “levantar com prontidão”.

ATOAR
A palavra portuguesa “atoar”, que significa “levar à toa”, deriva da nossa palavra “toa” e esta corresponde claramente ao termo fenício “tøh” [tôâ], que significa “andar errante, vaguear, estar confuso”, ou à forma próxima “ţøh”[tôâ], que quer dizer “vagar, desviar”.

ATOLAR
Este verbo relaciona-se certamente com o termo “tola”, que ainda se usa no Minho para designar as aberturas nas margens dos cursos de água, e deve estar relacionado com a palavra fenícia “tølh”, que significa precisamente “vala, aqueduto, canal”. O verbo “atolar” resulta provavelmente da forma “ht tølh” [attôlâ], que significa “cair sobre vala”, “cair sobre canal”.

ATRÁS
É muito provável que a nossa palavra “atrás” seja proveniente de “aṯr”[41] [atchre], termo que em ugarítico significa “atrás, atrás de, depois”, e não do termo latino “trans”, que significa “além de”.

ATRASAR
Evidentemente que o verbo “atrasar” tem origem em “atrás”, e este termo fenício “aṯr” [atra], que significa “atrás, atrás de, depois” (ver “atrás”).


AVELÃ
Aceita-se geralmente que a nossa palavra “avelã” tenha nascido do termo latino “avellana”, e que este tenha relação com o topónimo “Abella” (cidade da Campânia). No entanto, tanto a nossa “avelã”, como mesmo a “avellana” latina, devem ter nascido do termo acádio “abalu” [avale], que significa “estar seco”, e corresponder à ideia genérica de “fruto seco”. Veja-se também o verbo “avelar” ou “abelar”.

AVELAR
A palavra “avelar” é pronunciada tanto em Trás-os-Montes como em parte do Alentejo como “abelar”[42], e significa “secar, murchar, engelhar”. Evidentemente que, ao contrário daquilo que afirmam alguns dicionários, este “avelar” não tem origem no fruto a que damos o nome de “avelã” (mas já o contrário pode ser verdade). A palavra encontra paralelo no léxico acádio que nos ficou de tempos muito anteriores à nossa era, já que existe o termo acádio “abalu”[43] [avale], que significa precisamente “estar seco”. 

AVENÇA
Diz-se que a palavra “avença” tem origem num hipotético termo do latim “advenentia”, que por sua vez seria proveniente do “advenire” latino, que significa “chegar, advir”. Parece mais lógico que a palavra “avença” tenha tido origem em “abh šwh” [avêchôâ] que significa “pagamento ou retribuição aceite”, ou “pagamento acordado”, ou seja uma retribuição previamente combinada (“abh” quer dizer “aceitar, estar disposto a, concordar em”, e “šwh” significa “pagar, retribuir”).

AVENTAL
Usualmente diz-se que a nossa palavra “avental” é de origem latina, de “ab ante” (diante). No entanto “pnhtlh” [vanetale] significa em fenício “pendurar à frente”. O radical “pnh” significa em hebraico antigo “o que está à vista, frente, fronte” tem equivalente acádio em “panatu” [vanate], com o significado de “diante, em frente”. O “tlh” é um radical bem conhecido e que passou com muita frequência para o português. Na toponímia ocorre muitas vezes com o significado original de “colina” (“têlu”, “tellu”, “tillu”, “tl”, são formas gráficas diversas do ugarítico, do acádio e do assírio, com o mesmo significado) em topónimos como “telhado”, “telha”, etc. Com o sentido de “suspender, pendurar” existe em português a forma “talego” – “tlh+øgh” com o significado de “pendurar pão” ou “pendurar bolos”. De resto, e é conveniente por vezes pensar nisto, a palavra “avental” dizia-se “subligaculum”, que evidentemente não tem relação alguma com o nosso “avental”.

AVÔ
A palavra “avô” tanto pode provir do latim “avus” (avô, os antepassados, um antepassado), como do fenício “ab” [ave], que significa “pai, antepassado, ancestral”. De resto, se como tudo indica a palavra “ab” era usada pelo povo do Neolítico que colonizou o Mediterrâneo, é fácil perceber de onde nasceu tanto o “avus” latino como o “avô” português.

AVOAR
Em várias regiões do país se usa a forma “avoar” por “voar”. Ao contrário do que pode parecer, não se trata certamente da corrupção da palavra latina “volare”, mas antes a manutenção do termo original de origem fenícia “øp” [âve], que significa precisamente “voar”. De resto, este “avoa” ou “aboa” continua a ser regionalismo, querendo dizer “borboleta” algures no Alentejo, e “joaninha” no Algarve[44]

“-AZ”
O sufixo “-az” [az], que expressa a ideia de robustez deve ter uma origem nos termos fonética e semanticamente próximos existentes no fenício: “øz” [âz] ou “øzz” [az] significa “forte, duro, violento, força, valente”, etc. (ver também “ás”).

AZAR
Usualmente é aceite que a nossa palavra “azar” provenha do árabe “az-zaHar”, que significa “felicidade, dados”. Se “azar” começou por ser felicidade, e só depois se transformou em “acaso” ou “falta de sorte”, então o termo pode ser fenício, porque “ašr” [azare] em hebraico antigo é precisamente “felicidade”. Por outro lado, “ašar” significa em acádio “no caso de”, o que parece ser uma referência à contingência da sorte, que lembra o “hasard” francês.

AZEITE
Um exemplo interessante da evolução de uma palavra de origem “fenícia” para o português, em que a fonética evolui para uma palavra atual do português, mas o sentido original se mantém, é “azeite”. O “azeite” é por um lado o produto alimentar que todos conhecemos, mas por outro lado usamos a palavra “azeite”, sempre associada ao verbo “estar”, num sentido completamente diferente: “estar com os azeites”, significa “estar zangado”, “estar furioso”, “estar de mau humor”. A palavra “azeite”, quando se refere ao produto alimentar, pode provir do árabe “az-zait”[45]. Já a ideia, completamente diferente da palavra “azeite” na expressão “estar com os azeites” provém certamente de “az øit”[46] [azâite], que significa “vociferar com violência”.

AZINHEIRA
Diz-se que a palavra “azinheira” tem origem numa hipotética palavra latina “ilicinu” que seria proveniente do “ilex” latino. Parece mais provável que a nossa “azinheira” tenha nascido de “øṣ nir” [âsenir] que significa “árvore dos campos arroteados”. É possível que inicialmente fosse uma árvore poupada nas arroteias, ou mesmo semeada nos terrenos arroteados para a produção de bolota que, ao que parece, foi elemento importante da alimentação humana.

AZEVÉM
A nossa palavra “azevém” deve ter tido origem em “øšb” [âchev], com o significado de “erva”. Ainda hoje, no norte do país, quando alguém diz que vai semear “erva” vai efetivamente semear “azevém”. Diz-se geralmente que a palavra “azevém” é de origem obscura.





[1] - O Cardeal Saraiva já refere este termo “aba” com sendo de origem hebraica ou caldaica.
[2] - D. Raphael Bluteau, “Vocabulário Portuguez e Latino”, Coimbra, 1712
[3] - Note-se como o termo acádio “abaru” equivale ao “ôpèrèt” hebraico antigo. Parecendo palavras foneticamente muito diferentes, não o são. O “t” final é por certo sinal de género feminino, enquanto o “b” e o “p” permutam com grande facilidade nestas línguas e entre nós devem mesmo ter sido indistintos.
[4] - Também Moisés Espírito Santo refere a etimologia fenícia desta palavra no seu Dicionário de Fenício-Português. O Cardeal Saraiva, em 1835, já se referiu a este verbo como tendo a origem que aqui defendemos.
[5] - Também o Cardeal Saraiva entende ser esta a origem da palavra “acha”.
[6] - Também o Cardeal Saraiva pensa ser esta a origem da nossa palavra “açoite”.
[7] - Este radical “aku é bastante usado na nossa língua, podendo no entanto passar despercebido. Veja-se como ocorre por exemplo em “acanhado”, “acatar”, “acabrunhado”, etc.
[8] - A forma “dâku” é acádia, enquanto a palavra “dk” é ugarítica. Existem também formas próximas no significado e na fonética no hebraico antigo. Possivelmente todas se pronunciariam de modo próximo e teriam significados semelhantes.
[9] - “Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e hoje regularmente se ignoram”, de Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Tomo primeiro, pag. 27.
[10] - Versão comum e repetida em variadas obras, mas que dificilmente se compreende e se poderia alguma vez aceitar. De resto, alguns dicionários franceses têm semelhante explicação para a palavra “adouber”, e possivelmente foi esta explicação que “inspirou” a que se usa para o nosso “adubar”. O “adouber” francês significa “armar cavaleiro”. Imaginou-se que poderia ter existido uma palavra “dubban”, proveniente do alemão ou do “frâncico”, que tivesse significado “bater”, e que corresponderia ao bater com a espada no ombro do cavaleiro. Mas tudo isto é imaginação.
[11] - Às vezes parece que as propostas tradicionalmente aceites para explicar a etimologia de algumas palavras são brincadeira de criança.
[12] - Os termos “alaku” e “hlk” são grafias diferentes da mesma palavra, sendo o primeiro proveniente do assírio e acádio, e o segundo do ugarítico e hebraico.
[13] - Dicionário de Falares do Alentejo.
[14] - A palavra “brṣl” provém do hebraico antigo enquanto “przl” é aramaico. Repare-se como o “b” e o “p”, mesmo nas línguas antigas do leste do Medierrâneo eram confundidas. O mesmo se passa com os sons sibilantes, cuja representação gráfica varia de língua para língua e mesmo dentro da mesma língua.
[15] - Os termos “apr” e “øpr” significam o mesmo em hebraico antigo (a forma “øpr” em ugarítico). Esta situação é uma das muitas em que um mesmo som foi representado com grafias diferentes, o que permite perceber que os sons representados pelos símbolos gráficos seriam próximos.
[16] - Neste caso temos a elisão do “l” inicial. Parece que a elisão do nosso som “l” ocorreu com alguma frequência.
[17] - O som “ĥ” que existe no início de algumas palavras do acádio e do assírio começadas por “ĥal” (e que por vezes correspondem ao som “ḥ” do ugarítico) perdeu-se em alguns casos na língua falada no ocidente. Na toponímia temos a palavra “ĥalsu” do acádio e assírio, ou a palavra “ḥl” do ugarítico, que significam “fortaleza, castelo” deram origem a nomes como “ Aljubarrota”, “Aljustrel”, “Aljezur”, etc.
[18] - Repare-se que a forma latina “mercari” resulta de uma metátese nascida da forma fenícia mais antiga “mkr”>”mrk”. Por outro lado, a forma “mrklt” já significava em hebraico antigo “comércio, negócio”.
[19] - Repare-se como a tradução para três instrumentos agrícolas diferentes – “picareta”, “sachola” e “machado” – não deve ser aceite de forma simplista, mas antes se deve perceber que o termo se refere a um instrumento agrícola que reúne as características de todos eles. 
[20] - Também o Cardeal Saraiva pensa ser esta a origem da nossa palavra “ama”.
[21] - O Cardeal Saraiva pensa que a palavra “amém” tem relação com “verdadeiro, firme, fiel, constante”, o que a faria radicar no termo hebraico “amwn”.
[22] - Há verdadeiros delírios imaginativos em algumas propostas… A proposta em causa, transcrita por J. P. Machado no seu “Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa”, nasceu de proposta do Frei Domingos Vieira, que a publicou no “Grande Dicionário Português ou Tesouros da Língua Portuguesa”
[23] - A língua portuguesa ainda apresenta algumas características da língua primordial do Neolítico. Repare-se por exemplo que o radical “nk” ainda está presente em palavras como “banco”, “anca”, “manco”, “âncora”, etc. sempre ligado à ideia de “imobilidade”.
[24] - Como em outros casos o “m” ou “n” de início da palavra foram nasalados e passaram a “am” ou “an”. Veja-se a título de exemplo “andar”, “anca”, “andor”, etc.
[25] - A palavra “ani” significa em hebraico antigo “navios, frota”, e “anih” quer dizer “navio na mesma língua. Já a palavra “ĥarru” foi recolhida no léxico da língua acádia, e significa “depressão, canal largo, curso de água”. Assim se vê como é preciosa a possibilidade de usar os léxicos de várias línguas próximas de forma complementar para conseguir reconstituir a antiga língua que é origem do português. 
[26] - Em fenício os prefixos “b” e “m” apresentam semelhanças, e os sons acabam por se confundir em palavras que não são correntes.
[27] - A palavra “riksu” é acádia, enquanto a palavra “rks” pertence ao ugarítico e ao hebraico antigo, mas significam praticamente o mesmo.
[28] - Como em muitos outros casos, por este exemplo se pode perceber a importância de encontrar a complementaridade entre os glossários das antigas línguas médio-orientais, para conseguir encontrar a raiz da antiga língua do ocidente peninsular.
[29] - Trata-se evidentemente de um exercício de pura imaginação especulativa, sem o menor fundamento científico.
[30] - O Cardeal Saraiva refere a mesma origem hebraica para a palavra “aroeira”.
[31] - Observe-se que o fenómeno de convergência entre o “arṣ” (terra) e o “ørz” (firme, terrível), conduziu ao nosso verbo “arrojar” mas que mantém os dois significados iniciais. Quando uma palavra do português tem significações muito diversas é de suspeitar que tenha ocorrido este fenómeno.
[32] - Já Moisés Espírito Santo refere esta relação com o termo fenício no seu Dicionário de Fenício-Português.
[33] - Este é apenas mais um entre os muitíssimos casos de palavras das línguas europeias atuais e antigas que partilham a raíz com as línguas do Próximo Oriente. Por existirem tantas centenas de palavras nesta situação vale a pena repensar a ideia da existência de uma língua antiga não semita a que se possa chamar “indo-europeu”.
[34] - Às vezes torna-se difícil levar a sério as interpretações tradicionais…
[35] - O nosso som “f” possivelmente não existia no falar pré-latino. A sua existência no português atual deve-se ao “f” latino, mas também ao “p/b” fenício e, em casos mais raros ao “ḥet” e ao “zain”.
[36] - Em ugarítico também significa “triturar, moer”. 
[37] - O Cardeal Saraiva refere a relação entre o ḥet hebraico e o “f” português, op. Cit. pag. 16.
[38] - Ver “Elucidário” de Viterbo, op. Cit. p. 184.
[39] - Refira-se que o radical “ntø” tem exatamente o mesmo significado que “mtø”, e que é “planta nova, plantar, plantação”. A palavra já consta de uma laje inscrita com caracteres pré-romanos encontrada no concelho de Odemira, no “Alcanfurado”, e já tem precisamente o significado de “plantação” (a referida inscrição tem ainda a curiosidade de conter um símbolo deformado de modo a poder ser lido “n” ou “m”, e é esse um dos motivos que leva a crer que estas letras já indicavam uma nasalação). Convém ainda referir que esta “plantação” é apenas a plantação daquilo que “pega de estaca”, e não qualquer outra plantação. Devia portanto referir-se sobretudo a vinhas e olivais.
[40] - O radical “Irh” é hebraico e a forma yry é ugarítica.
[41] - Frequentemente o “ṯ” ugarítico corresponde ao som “tch” (e à letra “shin” hebraica). Assim, o termo “ašr” hebraico, que nessa língua significa “caminhar, seguir, pegada, rasto” seria equivalente ao “aṯr” ugarítico. Contudo parece que em alguns casos o “ṯ” ugarítico corresponde a um “t” nos dialetos do ocidente. Veja-se a este propósito também a palavra “rede”.
[42] - Efetivamente em largas áreas do país o “b” e o “v” continuam a ser difíceis de distinguir, sobretudo quando usadas em palavras dos falares regionais, que de algum modo não foram sujeitas à “normalização” da escrita.
[43] - Existe igualmente a forma “abl” do hebraico antigo, que significa “secar”, e em acádio “ablu” é “sêco”.
[44] - Note-se o jogo das palavras: “joaninha” é no Algarve “aboa” ou “avoa”; a cantilena infantil ainda diz “joaninha avoa avoa…”
[45] - Muito embora em fenício “oliveira” e “azeitona” seja “zit” ou “zt”.
[46] - Moisés Espírito Santo, no seu “Dicionário de Fenício-Português relaciona este “azeite” de estar zangado com o termo acádio “ezzetu” que significa “furor”.