terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A Batalha de Campo de Ourique

A chamada “batalha de Campo de Ourique”, em que se incrementou o mito do “herói fundador”, tão ao gosto da cultura grega e dos nossos historiadores dos últimos séculos, tem servido para louvar os feitos heroicos do nosso primeiro rei. Contudo, das lendas que ficaram na voz do povo desses tempos distantes, pouco há de fiável.

Sei no entanto que o povo nessa época falava uma língua pouco latinizada (muito menos latinizada que o português que falamos hoje), mas que paradoxalmente se escrevia em latim. Há portanto informação que nos chega pelos escritos latinos que reproduzem o falar popular ainda muito “fenício”. Esta lenda da “Batalha do Campo de Ourique” chega até nós como um caso interessante desta dicotomia linguística.



O pouco que se sabe de objetivo sobre a batalha de Campo de Ourique é que “…durante o Verão de 1139, Afonso Henriques dirigiu um fossado constituído por forças bastante mais numerosas que o habitual e que, apesar de ter sido atacado ou de atacar ele próprio um exército considerável, regressou cheio de glória ao território cristão.”[1] Fala-se igualmente de um “rei” Esmar e de seu sobrinho Homar Atagor (nunca identificados), e refere-se uma aparição que terá acontecido a D. Afonso Henriques.

Gastaram-se rios de tinta a escrever sobre a localização do referido confronto, já que há vários “Ourique” em Portugal, e nada de seguro se determinou. Nem se determinou, nem se poderá certamente determinar, porque a expressão “Campo de Ourique” provavelmente não se referia a um lugar. Vejamos o que significava no falar fenício do povo:

Qmadversário, inimigo
Pdhcomprar a liberdade, resgatar, libertar
Ør  – cidade
Yqyrender preito, temer, obedecer

Genericamente, a sequência QMPDØRYQY significa “o inimigo resgatou a cidade do poder”. A dita batalha de “Campo de Ourique” terá sido basicamente um confronto em que os adversários de D. Afonso Henriques, derrotados em batalha ou antecipando a derrota, resgataram a liberdade da sua cidade de origem. Por isso ninguém consegue perceber onde se realizou a batalha, porque “Campo de Ourique” não se refere certamente ao local onde decorreu a batalha, mas antes ao desfecho da mesma. De resto, existem em Portugal 14 topónimos que incluem a palavra “Ourique”, em locais que vão desde as margens do Douro até ao Baixo Alentejo, pelo que pode haver localizações da batalha para todos os gostos.

Como se sabe as lendas ampliam-se e sofrem metamorfoses como qualquer história popular (quem conta um conto…), e o mesmo aconteceu por certo com a lenda desta batalha. Como em muitos outros casos “inventou-se” uma história a partir da fonética da palavra. Se a mesma sequência fonética for agrupada em unidades diferentes, e sofrer pequenas alterações proporciona leituras que estão na base de outro aspeto da lenda:

Khaqui, assim, de sorte que
Môptsímbolo, sinal; maravilha, agouro
Dêrêkecaminho, viajem, empreendimento…        

O som “KHMÔPT DÊRÊKE” (foneticamente próximo de QMPD ØRYQY) deve ter dado origem ao “milagre/aparição” que a lenda refere, já que pode significar algo como “de sorte que agouro maravilhoso”.

Quanto ao “rei” Esmar, é fácil de perceber porque nunca foi identificado. Veja-se o que significa “esmar” em fenício:

ØZ – ser forte
MHR – guerreiro

Portanto “Esmar” (ØZ MHR) não é o nome de um rei árabe, mas apenas o nome que o povo dava a um líder muçulmano da época: “GUERREIRO FORTE”.

Quanto ao seu sobrinho, Homar Atagor, que seria certamente um nobre aliado do rei, também não parece difícil compreender a origem do nome:

ØM familiar, parente, companheiro de clã ou de tribo
MHR - guerreiro
ATjunto com, com auxílio; ao lado de
GWRatacar, hostilizar…

Homar Atagor poderá ser apenas “parente do guerreiro que vem com auxílio atacar”.

Por último e para rematar estas linhas, parece-me claro o povo falou uma língua diferente da língua escrita (e se bem calhar falada) pelas elites políticas e religiosas, e que essa língua era muito próxima das antigas línguas do Próximo Oriente. Também me parece que os nossos investigadores da História deverão aceitar este facto, porque só assim poderão evoluir na análise e interpretação dos escritos do passado.




[1] Mattoso, J. – História de Portugal, Círculo de Leitores, 1993, p. 70

Sem comentários:

Enviar um comentário