segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

DECORAR E MARRAR

Dizem os dicionários que o verbo “decorar” provém de “de+cor+ar”, sendo este “cor” proveniente do termo latino “cor” que significa “coração”. É certamente mais um caso de uma etimologia errada e tola, pois está bem de ver que a ideia de “coração” tem pouca relação com o “saber de memória”. Por isso, penso que será muito mais provável que a origem da nossa palavra “decorar” esteja em “qr’ ”, já que “qr’” [qorô] significa em fenício “recitar”, e recitar é precisamente dizer de memória. É evidente que essa ideia de “recitar” pode facilmente estar na origem do nosso “dizer de cor”, e consequentemente do verbo “decorar”. O mesmo "qr" (qoro) está presente em "encornar", que é igualmente "decorar"...
Ao contrário daquilo que se afirma geralmente, a palavra “marrar” não terá certamente relação alguma com “marra”, que significa “sacho” em latim. Pode antes ter uma relação com “mrh” [marrâ] que significa em fenício “ser teimoso, obstinado” e que se ajusta bem a um certo sentido em que utilizamos o termo “marrar” no sentido de “estudar muito” (por exemplo, estudar obstinadamente. De resto, quando se diz por exemplo “ele marrou para ali”, no sentido de “teimar”, este “marrar” é “ser teimoso, ser obstinado”, e provém certamente do “mrh”. O mesmo acontece quando se utiliza a palavra “marrar” no sentido de “estudar”, que é um ato de teimosia.

Por isso, quer estejas a “marrar”, quês saibas a lição “de cor”, estás a fazê-lo em fenício e não latim.

Caparica é "capa rica" ou "ponta mole"?

O topónimo “Caparica”, ao contrário daquilo que por vezes se afirma, nada tem que ver com a ideia de “capa rica”. O nome resulta da existência de um cabo (“Øqb” – “parte final”) de areia, lodo ou outro material macio (“rk” – “ser mole, der macio”). Assim “aqaberik” deve ter evoluído para “qaberik” e por fim para “qaperik”, com o significado de “ponta macia”, como referência ao facto de a margem sul da foz do Tejo ser constituída por uma ponta de areias ou lodos, e não por rochas.


Extrato da folha nº 441-B da Carta Militar de Portugal


Este mesmo radical “Øqb” ajudou à formação de um outro topónimo que ocorre na margem esquerda da foz dos rios:  “cabedelo”, que deve provir precisamente de “Øqb” [acaba] e de “dll” [del]. O radical “Øqb” [acaba] é nosso conhecido porque entre outras deu origem ao nosso verbo “acabar”, e em fenício significa precisamente “chegar ao fim, acabar”, mas também na forma “cabo” quando nos referimos ao fim de alguma coisa “dar cabo de”. Evidentemente que a própria forma latina “caput”, que significa “cabo”, nasceu desta mesma raiz. A raiz “dll” [del] (ou “dl”), significa geralmente “ser fraco, ser pequeno, ser insignificante”. Portanto neste caso trata-se de da mesma ideia dita de um modo ligeiramente diferente: "cabo fraco" em vez de "cabo mole".

Já agora convém referir que a raiz “Øqb” (acaba) foi utilizada para designar locais onde a terra acabava em outros locais do velho mundo. Veja-se por exemplo a “Aqaba” no extremo do golfo com o mesmo nome, no limite norte do Mar Vermelho.


domingo, 27 de dezembro de 2015


O "basqueiro" e a confusão da sua origem

Esta palavra é pronunciada indiferentemente “basqueiro” ou “vasqueiro”, o que remete para a essência da própria língua fenícia em que a distinção entre os dois sons era inexistente. O seu significado é “barulheira, confusão, caos, balbúrdia, desordem”, mas é mais usada no sentido de “barulho desagradável e caótico, espalhafato”.
É claro que a ideia muito difundida de que esta palavra teria alguma relação com “ânsias”, entendidas como o “estertor da morte” não faz o menor sentido, sendo por isso necessário encontrar uma explicação mais lógica. De facto esta é mais uma palavra nascida da língua falada pelo povo que foi conquistado e “colonializado” pelos romanos, não tendo por isso qualquer relação com o latim.
A origem do nosso “basqueiro” deve estar em “b’š qr’”[1], que significa “clamar odioso”, “gritar odioso”, “voz odiosa” ou “estrondo odioso. Os “vascos” e “vascas” inventados para explicar o nascimento da palavra não passam de delírios latinistas sem sentido.




[1] - Radicais próximos de “qr’” são “qra”, que significa “clamar, gritar”, e “ql” é “voz, estrondo”.

sábado, 19 de dezembro de 2015

O "CHINELO" E A TONTICE



Alguns dicionários afirmam que o nosso velho “chinelo” provém de “pianella”, que é em italiano um diminutivo de “piano”, que significa “plano”. Tontices...

A origem da palavra na realidade deve ser bem diferente. Tal como em “sandália” e em “chanato”, também a nossa palavra “chinelo” deve ter relação com o termo acádio e assírio “šenu” [chenu], que significa “calçar, sapato, sandália”. No caso do nosso “chinelo” (ou “chinela”), a parte final da palavra, o “nelo” deve ter nascido do termo acádio e assírio “nalu” que significa “deitar-se,  repousar, dormir”. Portanto o nosso “chinelo” em fenício significa à letra “calçado de dormir”. É sem dúvida o nosso “chinelo”.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Para os interessados em adquirir o "A Origem da Língua Portuguesa" aos balcões de livrarias, segue-se uma listagem com algumas delas. 

Livraria Les Enfants Terribles
Cinema Nimas
Av. 5 de Outubro, 42B
1050 Lisboa

Livraria Nun’Álvares
Rua 5 de Outubro, n.º 59
7300-133 Portalegre

Livraria Papelaria 115
Praça 8 de Maio, n.º 29
3000-300 Coimbra

Livraria Branco
Rua Dr. Roque Silveira, n.º 95
5000-630 Vila Real

Livraria Caminho
Rua Pedro Santarém, n.º 41
2000-223 Santarém

Representações Online
Praça do Comércio, n.º 108
4720-337 Ferreiros AMR

Livraria BrincoLivro
Rua Alexandre Herculano, 301
3510 – 038 Viseu

Livraria Universo
Rua do Concelho, n.º 13
2900-331 Setúbal
  
Livraria de José Alves
Rua da Fábrica, n.º 74
4050-246 Porto

Livraria Esperança
Rua dos Ferreiros, 119
9000-082 Funchal

Nazareth e Filho
Praça do Giraldo, 46
7000-406 Évora

Livraria Graça
Rua da Junqueira, n.º 46
4490-519 Póvoa do Varzim

Aliete S Clara Brito
Avenida 25 de Abril, lote 24 R/C
8500-511 Portimão

Livraria Caravana 
Morada Sede: Av. 25 de Abril, Edf. Vila Flôr 6º 
 8100-596 Loulé 

Livraria Papelaria Meneses                             
Rua da Sobreira, n.º 206 Paços de Brandão
4535- 297 Aveiro     

Está disponível online no nosso site e na FNAC.PT,  Wook, na bertrand Online e no Sítio do Livro.

É possível, também, encomendá-lo em qualquer balcão Fnac, Book.it e Bertrand.

sábado, 5 de dezembro de 2015

OS GADOS NA TOPONÍMIA

Os topónimos do mundo rural resultaram tanto da realidade física do território como das atividades humanas que nele se desenvolveram. Existem muitos topónimos que nasceram dos nomes que em tempos remotos foram dados a fontes, serras, rios, planícies, etc., mas temos muitos outros que resultaram da existência de povoados, campos agrícolas, poços, acampamentos de pastores… Muitos dessas antigas evidências da atividade do Homem desapareceram sem deixar marca, e delas muitas vezes nada resta além de um nome que teimosamente resiste à passagem do tempo. Deste modo o estudo da toponímia assemelha-se à abertura de uma nova janela para o passado, janela essa que nos permite obter imagens que de outro modo nos estariam vedadas.
Uma das atividades que marcou fortemente a ocupação do território ao longo de milénios, e consequentemente marcou a toponímia, foi a pecuária, em especial os locais de pastagem e os locais de recolha dos gados. Neste breve apontamento analiso alguns topónimos relacionados com esta atividade, explicando o seu significado com base nos conhecimentos que já existem sobre a língua de origem fenícia que está na raiz do português e tentando perscrutar a época em que os topónimos foram criados.

Carapeto
Vale a pena começar esta análise pelo topónimo “Carapeto” (e pelos muitos outros que lhe são foneticamente próximos) porque constitui uma situação particularmente interessante. Não existe nas publicações mais divulgadas uma explicação para a etimologia das palavras desta família, e geralmente aceita-se desconhecer a sua origem.
Efetivamente as palavras deste grupo podem ter vários significados, todos eles de origem fenícia. Quanto a “carapeteiro”, termo que significa “mentiroso”, pode dizer-se que a palavra resulta da justaposição de dois radicais fenícios – “qr’” [qarâ] e “pth”[1] [petêe] – que de resto deram origem a outras palavras do português ainda em uso. O termo fenício “qr’” significa nessa antiga língua “cara, face”, e veio precisamente a dar origem à nossa palavra “cara”. O termo fenício “pth” significa “deixar-se enganar”, e deu origem à nossa palavra “peta” (mentira, engano, aldrabice). Portanto o “qr’pth” [qarâpetêe] fenício está na origem do nosso “carapeteiro” com o significado de “mentiroso”. Está bom de ver que este conceito, por muito interessante que possa ser na vida social de uma comunidade, não reúne as condições para que se possa transformar em topónimo.
 Contudo há palavras da mesma família potencialmente relacionadas com toponímia, entre as quais está o termo “carapeto” quando significa “espinheiro bravo”, “pereira brava”, e “espinho” ou “plana espinhosa”. Há na toponímia um grande número de sítios com nomes que devem ter a mesma origem, como sejam “Carrapeto”, “Carapeto”, “Carapeteiro”, “Catapereiro”, “Carrapatosa”, “Carrapato”, “Carrapateira”, etc. A origem destes termos é uma outra, bem distinta da anterior e a deve-se à evolução de “krrpt”, termo fenício que significa genericamente “estábulo de cordeiros”.
Repare-se:
kr [kar]– cordeiro, borrego[2]
rpt  [rèpèt] - curral, estábulo
Portanto, Carapeto, Carapeteira, Carrapateira, Carapito, etc. terão sido locais onde havia currais, ou melhor, comunidades de pastores, e a palavra deve ter nascido do fenício precisamente de “Krrpt” [karrèpèt], que significa à letra “estábulo de cordeiros”[3]. Pode contudo haver alguns topónimos (por certo raros) em que o nome provenha da existência de pereira bravas ou de espinheiro bravos (ambos conhecidos por carapeteiro). De resto, o próprio nome “carapeto” usado tanto para espinho como para arbusto espinhoso deve ter uma origem interessante que vale a pena referir.
Os abrigos para animais mais antigos que o Homem construiu terão sido certamente feitos criando de cercas de arbustos espinhosos, como de resto ainda acontece em algumas regiões de África[4]. É claro que cercas feitas para proteger os gados de predadores e de roubos, construídas de arbustos espinhosos, não deixam vestígio arqueológico, sendo por isso impossível demonstrar a relação entre o topónimo e a antiga atividade, mas a analogia com práticas que sobreviveram até aos nossos dias dão crédito à ideia. Ora, se os recintos assim construídos eram conhecidos por “krrpt”, é fácil admitir que os arbustos espinhosos que os constituíam tenham ganho o mesmo nome – “carapeto”. Assim terá o nome das cercas sido aplicado aos arbustos espinhosos com que eram construídas, e daí a origem dos nossos “carapeteiros” como arbustos espinhosos[5].
O nome deve ser de uso muito antigo, desde logo porque está quase ausente da toponímia das ilhas atlânticas. Outro indício da grande antiguidade do topónimo é o fato de ele ser usado como nome sem significado, ou seja, quando se refere um local de nome “carapeto” já não se tem a menor ideia de ele ter sido um curral. Em relação à determinação da antiguidade deste topónimo deve ainda ter-se em consideração que a evolução divergente que a palavra sofreu ao longo do tempo é também por si só um elemento a ter em conta. Enquanto os topónimos recentes não apresentam variação de pronúncia ao longo da sua distribuição geográfica (por exemplo o topónimo “estação” é “estação” em todo o lado, e não divergiu para formas como “istaçam”, “estoção” ou “extensão”), os topónimos muito antigos sofreram essa divergência fonética regional ao ponto de quase parecerem topónimos de origem diferente.
Outro elemento que permite distinguir os topónimos de origem muito antiga dos mais recentes está no tipo de elemento da paisagem que o topónimo identifica. Ora, sem querer desenvolver este tema direi apenas que os topónimos criados recentemente não se referem a espaços vastos e mal delimitados do real, como seja uma região ou uma serra, mas antes a elemento concretos da realidade. Pelo contrário os topónimos antigos correspondem com frequência ao nome genérico de uma região, a diversos elementos dentro de uma mesma região, ou apresentam formas compostas como seja “Relva do Carrapateiro”, etc.
Um último elemento confirma a antiguidade deste topónimo: existe um número muito significativo de sítios arqueológicos do Neolítico e do Calcolítico que ainda hoje têm nomes desta família, precisamente porque corresponderam a assentamentos humanos que deixaram vestígio arqueológico[6].
Em resumo, apesar de não ter sobrado qualquer vestígio arqueológico da atividade, temos a forte convicção que a maioria dos locais que hoje têm nomes da família de “Carapeto” foram em tempos locais de acampamento de pastores nos quais os gados pernoitavam em cercas construídas com arbustos espinhosos.

Curral
O topónimo “curral” é muito comum entre nós, existindo tanto no continente como nos arquipélagos atlânticos. A origem da palavra, ainda em uso na atualidade, deve estar em termos fenícios:
Kr [kar] (ugarítico e hebraico antigo) – cordeiro
HL [âal] (hebraico antigo) ovelhas desgarradas
Curral é o local onde se guardam os animais que têm crias novas. Ainda hoje se faz isso. Quando as ovelhas parem, separam-se das restantes, deixando-as ficar no curral ao abrigo dos elementos e dos predadores. Claro que a etimologia proposta geralmente para a palavra “curral”, como sendo proveniente de “curru”, que em latim significa “carro”, não faz o menor sentido porque os currais nunca foram nem são locais para guardar carros, mas antes gado. O termo “curral” está ainda em uso na nossa linguagem comum e o topónimo é comum tanto nos Açores como na Madeira, como no Brasil e nos PALOP. Por outro lado tem uma distribuição relativamente regular no continente, sendo por isso de supor um uso relativamente prolongado desta palavra e a sua fixação na toponímia igualmente prolongada no tempo. Por exemplo, no Brasil do século XVII, nas capitanias do Ceará, Maranhão e ao norte e ao sul das margens do rio São Francisco surgiram fazendas de gado chamadas de currais[7]. De facto ainda hoje se pode criar um novo topónimo “Curral”, já que a palavra se encontra em pleno uso entre nós.
No entanto também se verifica que há um número significativo de locais com esse nome e com vestígios arqueológicos muito antigos (desde o Neolítico), o que deixa dúvidas sobre a antiguidade do uso do topónimo.
Este topónimo “Curral” contudo, pode ter tido também origem em “kôr”, que significa “forno ou forja” e estar relacionado com atividades do quotidiano tão simples como fabricar pão ou fundir minerais para produzir metais. Moisés Espírito Santo, no seu “Ensaio Sobre Toponímia Antiga”[8] refere esta possibilidade a meu ver com todo o sentido. É provável mesmo que os topónimos de origem mais antiga tenham essa origem, enquanto os nascidos há menos tempo estejam relacionados com gado.

Bardo
Há um grande conjunto de topónimos da família de “Bardo”: “Burdo”, “Bordo”, “Bordeira”, “Albarda”, “Bardais” (e “Pardais”)… A etimologia do topónimo bardo é usualmente considerada de “origem duvidosa”. É provável no entanto que este termo provenha de brd termo Ugarítico com o sentido de “separar, apartar”, relacionado com o Hebraico “parad” e com o Árabe “farada”. Se é verdade que é nos currais que se juntam os rebanhos, não é menos verdade que é nos currais (ou bardos) que se separam aqueles que se pretendem isolar. No Dicionário de Falares do Alentejo[9] referem-se significados regionais de palavras próximas de bardo:
Barda – Divisória de terrenos (Alandroal).
Bardo – (…) Tapume de madeira num curral. Aprisco.
Bordoada – Margem de uma linha de água.

De resto, mesmo no português corrente borda significa “limite, extremidade” (ao contrário daquilo que sugerem alguns dicionários não é necessário recorrer ao francês “bord”). Parece-me muito plausível a relação entre o “Brd” [bared] fenício e o bardo da toponímia, quer no sentido de separação de animais (curral, aprisco), quer no sentido de limite, fronteira, extremidade, etc. Palavras com a sequência consonântica “brd” e com o significado de “limite, fronteira” existem em outras línguas europeias e o mais certo é que o radical “brd” seja muito antigo e assim seja comum a muitas línguas, mantendo em todas elas um significado genérico semelhante.
O termo “bardo” ainda é usado atualmente e deve ter tido um uso muito prolongado no tempo. Existe nas ilhas atlânticas. Nos Açores usa-se o termo para vedações feitas com arbustos ou árvores para proteger do vento as hortas, mas também pomares e pastagens. Existe ainda a forma “bardo do concelho” (ou “bardo do rei”, na ilha do Corvo) que se refere à separação entre as terras mansas e o baldio. O mesmo nome existe na ilha da Madeira para essa ideia de fronteira[10].
Contudo é possível que a própria palavra seja por vezes uma simplificação e “albarda”, termo frequente na toponímia do continente e ausente nas ilhas atlânticas. Esta possibilidade deve ser considerada seriamente porque existe um número significativo de sítios com este nome e com vestígios arqueológicos do Neolítico e Calcolítico. De resto este topónimo “Albarda” (e outros da mesma família) deve provir de “Ølbrd” com o significado de “alto da divisão”, e ser um topónimo de fixação muito antiga relacionado com limites das comunidades.

Travasso
Outra família de topónimos provavelmente relacionada com os gados e os locais onde eram recolhidos é a que evoluiu a partir de “TRBŞ” (ugarítico) ou “TARBAŞU” (acádio). Há muitos “Travessos”, “Travasso”, “Travessa”, “Travassô”, “Travassós”, “Trave”, etc., que devem ter mesma origem.
Repare-se, mais uma vez:
TRBŞ (ugarítico) – curral, cortiço, reserva
TaRBaŞu (acádio) – estábulo
É claro que pode haver em alguns casos “travessos” e outros topónimos deste grupo que tenham origem no “transversus” latino (oblíquo, transversal…) como referência toponímica a atalhos entre caminhos principais. De resto a designação urbana de “travessa” terá certamente essa origem. O que se disse a respeito da antiguidade dos topónimos do grupo “Carapeto” aplica-se para este grupo de topónimos: já se desconhece o significado original; a divergência fonética conduziu a uma significativa diversidade de topónimos com a mesma raiz; há um número significativo de sítios arqueológicos antigos (Neolítico e Calcolítico) que ainda hoje têm nomes desta família.
Por vezes o próprio topónimo “trave” pode ter sido uma forma simplificada de TRBŞ, como será o caso representado no mapa junto em que é duplicado por “Curral Velho”.

Craveira
Topónimos como “Craveira”, “Corveira”, “Corveiro”, e possivelmente mesmo “Carvoeiro”, ao contrário daquilo que pode parecer à primeira vista, não têm qualquer relação com cravos, corvos ou carvão. Muito embora nos dicionários comuns não constem palavras desta família com significado relacionado com gado, ainda hoje nos campos do Baixo Alentejo Litoral o termo “corveiro” (sem grafia conhecida e com pronúncia difícil de reproduzir por escrito - pronuncia-se talvez “cârveiro” ou “crâveiro”) é utilizado, significando “abrigo para chibos jovens”.
Os termos “Corveiro”, “Craveira”, etc. são como os anteriores de origem fenícia, e como alguns deles contêm o radical “kr”, que significa “cordeiro”. A parte final destas palavras, o “veiro” deve ter nascido de “vr’”, palavra fenícia que significa “criar, engordar”. Assim, o “Corveiro” será traduzido a letra do fenício, “engorda de borregos”.
Há cerca de quatro dezenas de sítios arqueológicos registados na “Base de Dados Endovélico” nas proximidades de locais com nomes deste grupo. No entanto são quase sempre posteriores à Idade do Bronze e mais frequentemente posteriores ao Período Romano.

Roupeiro

Na Beira Baixa, no Alentejo, e mesmo no Algarve usa-se o termo “roupeiro” para designar homem que fazia queijos e que frequentemente era também pastor. Compreende-se que devido à tradicional transumância dos gados, em que se ligavam os campos do sul às serras do centro e do norte, e em que os pastores percorriam a pé com os rebanhos centenas de quilómetros, que o pastor fosse não só o guarda dos rebanhos, mas também o produtor dos queijos[11]. Daí a associação do nome a esta dupla função. Mas este nome deve ter nascido da atividade de pastor e ter contaminado mais tarde a produção de queijos. Observe-se que em fenício “rê’uparru” significa literalmente “pastor de ovelhas”. Portanto, e ao contrário daquilo que possa parecer, este “roupeiro” não tem qualquer relação com roupa ou com locais destinados a guardá-la.

É um topónimo pouco frequente e possivelmente relativamente recente, dado que não ocorre em associação com estações arqueológicas. Também aponta para a sua pouca antiguidade o facto de não surgirem formas corrompidas do termo original. Em qualquer dos casos convém perceber que, por exemplo o “João Roupeiro” do concelho de Aljezur, não é mais que a evolução (recente) de “šwh rê’uparru”, que significa “planície de pastagem” ou “planície do pastor”.


RAPOSA
A origem do topónimo “Raposa”, e dos que com ele partilham a mesma raiz, como “Raposeira”, “Raposinha”, etc., tem certamente relação com pastores e em especial com pastagens (podendo por vezes ter relação com a existência do carnívoro do mesmo nome). É portanto um topónimo muito enganador, já que sugere a possibilidade de se referir à existência do pequeno predador, quando efetivamente corresponde a uma outra e bem diversa realidade. Anote-se que em vastas regiões do país o carnívoro a que muitos chamam de “raposa” é conhecido por “zorra” e apesar disso existem topónimos “Raposa”. A origem deste topónimo está certamente em “rØh”, com o significado de “pastar, apascentar” ou em “rØi”, que significa “pastagem”, e em “aps” que significa “extremo, topo, remate”. Assim, “rØhaps” deve ter dado origem a muitos dos topónimos deste grupo com o significado de “limite da pastagem” ou “limite do pastor”. Claro que a pronúncia original foi evoluindo com o passar do tempo até que acabou por se confundir com a palavra “raposa” ou com outras como “raposeira”.

Este termo antigo “rØhps” deixou marca nos falar de algumas regiões do país. Por exemplo a palavra “rapujar”[12] é ainda hoje na ilha do Pico (Açores) como sinónimo de “pastar na relva”. Por outro lado “raposinha”[13] é um termo que em Vila Real designa “erva rasteira”, pasto que é o mais apropriado para as ovelhas. 
Para que se possa compreender por que motivo penso que este é um topónimo bastante antigo, impõe-se uma explicação prévia. As comunidades rurais tradicionalmente possuíam terrenos livres, ditos de “baldios” (em tempos também designados por “charnecas”). Embora não tivessem sido alvo de apropriação individual, os baldios estavam ligados a comunidades das suas regiões, ou seja, eram “propriedade coletiva” de uma aldeia ou eram mesmo terrenos de acesso livre a pastores de fora da região. As serras e outros terrenos menos produtivos do país foram baldios e o direito ao seu uso era geralmente dividido pelas comunidades limítrofes em função de normas cujas origens se perdem no tempo.
Ora esses limites das comunidades eram limites dos baldios, mas tornaram-se também limites de freguesia, de concelho (porque os concelhos resultaram da coalescência de unidades menores) e de distrito (porque o distrito resultou da coalescência de concelhos). Assim ainda hoje se encontram muitos topónimos “Raposa”, “Raposeira”, etc. junto a estes limites.    
Outra característica curiosa que se associa a este topónimo é o facto de haver muitos vestígios arqueológicos antigos em locais com este nome.  Acrescente-se que muitos deles são antas, mamoas e necrópoles de épocas mais recentes. Este facto, evidentemente, não tem uma relação significativa com pastagens, mas é consequência de se tratar de um limite. Nota-se que muitos dos limites/fronteiras estabelecidos em tempos muito remotos eram assinalados com monumentos vários, mas em particular por sepulturas. Funcionaria mesmo como uma “certidão” de propriedade da comunidade: a prova de que a terra pertence a alguém está no facto de já os seus ancestrais aí estarem sepultados.

Ruivo
Com frequência os topónimos “ruivo” ocorrem junto a ribeiras, em vales de pastagens naturais densas e abundantes. Por isso parece provável que “ruivo” seja na origem o nome dado a locais de pastagem fortes existentes nos vales de rios e ribeiras, e seja proveniente de “røievu”, que em fenício significa “pastagem espessa”. Na “Base de Dados Endovélico” pode perceber-se que existe um significativo número de sítios arqueológicos classificados como “via” e identificados com topónimos deste grupo. Este facto não deve ser tomado como consequência de “Ruivo” ter alguma vez significado “via”, “estrada”. Essa realidade resulta apenas de as estradas antigas (e muitas das atuais) apresentarem traçados que percorrem vales, como melhor forma de vencer os declives. Ora a estrada, ao passar em vales está também a passar em planícies férteis de pastagens densas. Desse modo passa em locais de nome “Ruivo”.

Tenho a noção de que haverá outros locais cujos nomes sejam relacionáveis com a criação de gado e pastoreio. Não penso por isso ter esgotado o recenseamento dos topónimos deste grupo, mas julgo dar deste modo um contributo para o conhecimento dos principais topónimos deste grupo e sobretudo para criar uma nova forma de olhar e interpretar a toponímia. Se assim foi, já atingi o meu primordial objetivo.



[1] - Os termos fenícios usados neste trabalho foram recolhidos no “Dicionário de Fenício-Português” de Moisés Espírito Santo. A escrita original das línguas nele tratadas era geralmente consonântica pelo que os sons vocálicos têm que ser acrescentados pelo leitor. A fonética provável de cada expressão é explicitada entre parêntesis retos.
[2] - este “kr” está evidentemente na origem de palavras como “carneiro” e “cordeiro”.
[3] - A origem pode também estar em “kh rpt” em que o “k” surge como um prefixo de localização. De resto este “kh” surge como prefixo em outros topónimos comuns em Portugal, como seja “Castro” (khstr – aqui proteção) ou “Cabana” (kh bn – aqui casa).
[4] - É o caso bem conhecido das “boma” Maassai da Tanzânia.
[5] - A este respeito ver também “Do Carapeto ao carrapito” sobre a evolução fonética e semântica do “krrpt fenício, disponível em:  https://www.academia.edu/18386989/Do_Carapeto_ao_carrapito
[6] - Este facto pode ser confirmado com uma simples consulta à “base de dados Endovélico” da Direção Geral do Património Cultural.
[7] - In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Curral
[8] - Moisés Espírito Santo, Origens Orientais da Cultura Popular Portuguesa seguido de Ensaio Sobre Toponímia Antiga, Assírio & Alvim, 1988
[9] Barros, B. F. e Guerreiro, L. M. Dicionário de Falares do Alentejo, Porto, Campo das Letras, 2005.
[10] - J. M. Soares de Barcelos, Falares dos Açores, Edições Almedina, 2008
[11] -“Roupeiro” no Dic. do Falar de Trás-os-Montes é “vendedor de queijos”.
“Roupeiro” no Dic. do Falar Algarvio é “homem que faz queijos”.
“Roupeiro” no Dic. de Falares do Alentejo é também “homem que faz queijos”
[12] - Dicionário de Falares dos Açores
[13] - Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro