Não restam dúvidas que as “Cale” da região de Aveiro são
“canais”. Existem também os termos “cale” e “quelha” em português que equivalem
à “calle” espanhola, que é um caminho ou uma rua, e ainda um tipo de embarcação
usado nos rios do Minho a que se chama “cale” (um barco de fundo chato para
navegar em canais pouco profundos). Correspondendo a ideia próxima e com uma
fonética também semelhante temos ainda a palavra “calha”.
Costuma dizer-se que o nome vem do latim, de “canale”, que
significa “canal”. No entanto, muito embora seja uma possibilidade aceitável,
penso que entre nós a ideia genérica encerrada na sequência consonântica “c*l*”
corresponde mais à ideia fenícia que se relaciona com situações em que a
passagem de qualquer coisa é condicionada: seja de pessoas num caminho
emparedado (a quelha, a calle, a cale) seja de água (a cale, a calha) seja de condicionamento
de circulação de outros objetos (a calha “corrediça”, a calha “técnica”).
Repare-se que em acádio e em assírio “kalu” significa “conter,
levar”, “kl’” em hebraico antigo significa “confinamento” e “klh” em hebraico
antigo e “kla” em ugarítico quer dizer “encerrar”. Esta ideia geral de “conter,
encerrar, confinar” é precisamente a que conduz tanto ao nosso “c*l*” como
mesmo ao radical latino “c*n*l*” (de que é exemplo o “canale”). Sei que esta
última ideia é um pouco mais difícil de perceber, mas vou tentar explicar o que
penso que aconteceu:
Está fora de dúvida que as línguas antigas do Próximo Oriente
são as mais próximas da antiga línguas do Neolítico que com a passagem do tempo
vieram a difundir-se pelo mundo. O latim, como outras línguas antigas, bebeu nesta
língua neolítica primordial, e muitas palavras latinas são composições criadas
a partir dos radicais “fenícios”. É o caso deste termo latino“canale”. Em
fenício “q*n*” é “cana, tubo, canudo”, etc.; por outro lado, como se viu, “k*l*”
é “conter, encerrar, confinar”. O interessante é que a evolução fonética de “q*n*k*l*”
se faz para “q*n*(k*)l*” e para “q*n*l*” (canale) e com significado que
corresponde à junção dos dois radicais primordiais: “cana ou tubo confinante”,
portanto “canal”. Sei que este fenómeno é complexo e não o conheço descrito por
outros autores, mas tenho-o verificado em vários outros casos.
Em qualquer dos casos, e voltando às coisas mais simples,
parece-me claro que o “canale” latino chegou até nós por via erudita através
das elites urbanas e religiosas latinizadas dando origem ao nosso “canal”, mas
as “quelha”, “calha” e “cale” são coisas do povo e da sua língua, e por isso são
de origem popular e fenícia.
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