Já repararam que na toponímia a
palavra “alegre” vem quase sempre acompanhada da sílaba “ta” ou “te”, ou seja,
inclui sempre ou quase sempre a forma “talegre” ou a forma “alegrete”? Reparem:
“Vista Alegre” (vis talegre), “Montalegre” ou “Monte Alegre” (mon talegre), “Quinta
Alegre” (quin talegre) e o próprio topónimo “Talegre”, … Coincidência
interessante, não é? Pois, mas vamos analisar o assunto com mais detalhe.
Folha n.º 223 da Carta Militar de
Portugal
Comecemos pela palavra “talegre”.
“Talegre” é a designação popular de “marco geodésico”[1],
ou seja, é a designação de marco situado no alto de uma elevação. Agora
repare-se que “Tl” é em ugarítico “outeiro, colina” (e “têlu”, “tellu” ou
“tillu” são palavras que também significam “colina” em acádio e assírio). Por
outro lado “igr” significa “marco de pedra”. Portanto em fenício “tligr”
significa exatamente o mesmo que “talegre” em português: “marco de pedra na
colina”. Interessante, não?
Fl. 546 da Carta Militar de Portugal
Mais interessante ainda é
perceber que o nosso “monte” (no sentido de “monte alentejano”) é o termo de
origem fenícia que significa precisamente o mesmo que a “herdade” de origem
latina, ou seja, “herança”, “a parte que se herdou”. Assim o nosso “Montalegre”
deve corresponder a um marco que assinalava o limite de uma propriedade herdada
(de uma herdade, se preferirem). Por isso há dezenas de locais chamados de
“Montalegre” o u “Monte Alegre”.
Quanto ao “Portalegre” e “Quinta
Alegre” são topónimos que ocorrem raras vezes, não sendo por isso relacioná-los
com características geográficas do território. Contudo, em fenício, a palavra
“kinu” significa “quinta” (mais exatamente “jardim, horta, parque”), portanto a
nossa “Quinta Alegre” pode provir de “kinu tligr”, com o significado de “quinta
do marco de pedra”. Quanto a “Portalegre”, a palavra associa dois topónimos
muito comuns: “portela” e “talegre”. Em comum têm o radical fenício “tel”, que
como se viu corresponde à ideia de “colina”. “Portela” significa em fenício “romper
as colinas” e “talegre” é, como se viu “Marco de pedra da colina”. Assim
“Portalegre” deve ter significado originalmente “marco de pedra de romper a
colina”.
Então, e os “Vista Alegre”? Não
será absolutamente seguro, mas este “Vista Alegre” que existe na toponímia em
grande número (em Portugal, mas também em Espanha) deve ter nascido de um antigo
“vit tligr”. Este “vit” dos nossos avós pode ter tido um significado genérico
de “construção”, já que o mesmo aplicava-se nas antigas línguas do Médio
Oriente tanto a “templo”, como a “palácio” e “casa”. Há uma característica
muito interessante e comum à maior parte dos locais que se chamam “Vista Alegre”,
e que é serem locais urbanos. Ao contrário de muitos outros topónimos que
ocorrem sempre ou quase sempre em espaços rurais (e são à centenas ou milhares),
estes “Vista Alegre”, tanto em Portugal como em Espanha (com exceções) ocorre
em áreas urbanas.
Outra característica
significativa é que este topónimo “Vista Alegre” só muito raramente ser nome
dado a uma região. De facto das dezenas de topónimos “Vista Alegre” que existem
em Portugal continental e Açores, em Espanha e mesmo no Brasil e em Angola, só
conheço um que corresponde à designação genérica de uma região. Este facto
normalmente relaciona-se com topónimos relativamente recentes. Repare-se que
por exemplo, pelo contrário, no que se refere ao topónimo “Talegre”, quatro dos
oito existentes em Portugal, são nomes dados a regiões, o que atesta a sua
antiguidade.
Sendo assim parece de aceitar que
inicialmente o topónimo “Vista Alegre” tenha designado um edifício notável, mas
que com o correr dos anos tenha servido para nomear outros locais (em especial
nas antigas colónias).
Parece claro que este grupo de
topónimos que incluem a palavra “alegre”, pelo menos em grande parte dos casos
deve ter nascido de “talege” com o significado de “marco de pedra da colina” e
não de qualquer fenómeno relacionado com alegria.
[1] Um vértice geodésico é um sinal que indica uma posição
cartográfica exata e que forma parte de uma rede de triângulos com outros
vértices geodésicos. São escolhidos sítios altos e isolados, com linha de visão
para outros vértices
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