Diz-se que S. Marinho de Braga (ou de Dume) foi responsável
pela mudança do nome que damos aos dias da semana, passando da designação
latina para uma outra criada pelo próprio.
O “mui sábio” conhecimento
oficialmente aceite diz, e o que o vulgo reproduz:
“Martinho de Dume é
também uma figura de capital importância para a história da cultura e língua
portuguesas; de facto, considerando indigno de bons cristãos que se continuasse
a chamar os dias da semana pelos nomes latinos pagãos de Lunae dies, Martis
dies, Mercurii dies, Jovis dies, Veneris dies, Saturni dies e Solis dies, foi o
primeiro a usar a terminologia eclesiástica para os designar (Feria secunda,
Feria tertia, Feria quarta, Feria quinta, Feria sexta, Sabbatum, Dominica Dies),
donde os modernos dias em língua portuguesa (segunda-feira, terça-feira,
quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo), caso único entre as
línguas novilatinas, dado ter sido a única a substituir inteiramente a
terminologia pagã pela terminologia cristã.”
http://pt.wikipedia.org/wiki/Martinho_de_Braga
Evidentemente que não será difícil perceber que, se o
problema era a antipatia para com os romanos pagãos, e por isso se queria
acabar com os seus nomes em latim, não se iam trocar os dias da semana em latim
por outros dias da semana também em latim. Por outro lado, sabe-se bem que a
igreja católica depois de se ter tornado religião oficial do império, nunca
teve qualquer antipatia para com Roma ou para com o latim, e pelo contrário foi a mais
importante fonte de afirmação e difusão da língua latina e da sua cultura.
Se o nome que damos aos dias da semana, embora provenientes
do latim, não é de inspiração latina, de onde provém? Vejamos
Número
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Dia
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Hebraico
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Nome em latino
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Nome latino
usado entre nós
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Nomes fenícios e
significado
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1
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domingo
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Yom Rishon
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Solis dies
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Dominica Dies
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R’šwn (heb.) primeiro, primeira vez
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2
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segunda-feira
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Yom Sheni
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Lunae dies
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Feria secunda
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Šina (em acádio) dois
Šnim (heb.) dois
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3
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terça-feira
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Yom Shlishi
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Martis dies
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Feria tertia
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Šalšu (assírio) três
Šalaš (acádio) três
Šliši (heb.) terceiro, terceira vez
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4
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quarta-feira
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Yom Reviʻi
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Mercurii dies
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Feria quarta
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Rebu (acad.) quatro
Rb (ugar.) um quarto, quadruplicar
Rboi (heb.) quarto
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5
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quinta-feira
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Yom Ḥamishi
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Jovis dies
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Feria quinta
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ḥmš (heb.) cinco, quinto, quinta parte
ĥamiš (acádio) cinco
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6
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sexta-feira
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Yom Shishi
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Veneris dies
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Feria sexta
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Šeššu (acádio) seis
Šèš (heb.) seis
ṯṯ (ugar.) seis
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7
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sábado
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Shabat
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Saturni dies
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Sabbatum
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Šb’ (Ugar.) sete
Šabat (heb.) sábado (dia de descanso)
|
Percebe-se assim que a ideia de atribuir o nome aos dias da
semana em função da sua ordenação ao longo da mesma semana não foi um ato de
criatividade do bispo Martinho de Dume, mas antes a tradução para latim da
lógica pré-existente entre a população local (falante de uma língua a que
podemos chamar “fenício”). Isto evidentemente no que se refere aos dias entre
segunda e sexta, porque em relação aos que hoje constituem o fim-de-semana, a história é
outra. O nosso sábado, tal como o próprio “sabbatum” romano, nascem do conceito
fenício de sete, sétimo, que na cultura hebraica é o dia de descanso. Não
sabemos se em outros povos contemporâneos dos antigos hebreus da mesma região o
sétimo dia da semana já era dia de descanso, mas a raiz “sete” é semelhante.
Quanto ao dia de descanso, a igreja católica deslocou-o para o domingo, desde
logo para criar distanciamento entre as antigas e a nova religião. A palavra
“domingo” em si, que se afirma ter nascido do termo latino “domínicus”, que
significa “o que pertence ao senhor, ou a Deus”, e que passou a ser aplicado ao
dia de culto, possivelmente resulta da confluência do dito
"dominicus" latino com termos da língua popular. Repare que em
"fenício" (no caso hebraico antigo) “dômi” ou “dômih” significa
“descanso”, “dômim”, é “sossego”, e “igiø” quer dizer “trabalho, labor”.
Portanto "dômimigio" (ou uma forma foneticamente próxima) será
"descansar do trabalho". A confluência fonética e semântica é,
verifico eu, um processo comum de evolução quando duas línguas são conduzidas à
fusão. Como que naturalmente se procura um "compromisso" entre as
duas línguas, de forma a que uma mesma palavra possa ser usada pelos falantes
de ambas as línguas e permita a comunicação: signifique o que significar,
domingo é aquele dia em que se não trabalha e em que se celebra o culto. Para
uns será o dia de descanso, para outros o dia do Senhor, mas a comunicação é
possível porque se está a falar da mesma entidade.
Por último a nossa “feira” dos dias da semana. Porquê a segunda
“feira”? Diz-se geralmente que esta “feira” tem origem no “feria” latino que
genericamente quer dizer “dia feriado, dia de festa”. Mas isso parece pouco
lógico. Por que motivo se deveria classificar de “dia feriado” cada um dos dias
da semana reservados ao trabalho? Penso que não é possível ter certezas sobre
este assunto mas parece-me mais provável que a nossa “feira” provenha da “feru”
(forma possível de pronunciar o termo “beru), palavra que em acádio significa “medida
de tempo”. Se, como penso que está já sobejamente demonstrado, o povo que aqui foi
conquistado pelos romanos, falava fenício, então pode tratar-se de uma
composição entre as duas línguas: a lógica da ordenação dos dias da semana e a
terminação “feira” vieram do falar popular, mas a sequência dos dias (de
segunda a sexta) é latina.
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