Fronteiras e limites de território
Mesmo em muitas populações animais o “território” é algo de
fundamental para a vida dos grupos. Para o Homem deve ter sucedido o mesmo
desde o tempo em que dependia da caça e recoleção, mas a importância do "território
posse" de uma comunidade ampliou-se certamente após a sedentarização e desenvolvimento da
agricultura, dado o enorme esforço que é necessário para transformar um espaço
natural numa paisagem humanizada (com os seus campos arroteados, plantações de
árvores de fruto, silos, casas, estruturas defensivas para humanos e animais,
poços, etc.). Por isso os limites dos territórios foram referência espacial de
primeira importância, e criaram um conjunto de topónimos que ainda hoje se
podem encontrar no país.
Em Portugal existem pelo menos dois conjuntos de topónimos que corresponderam a nomes dados a antigas fronteias: Os da família de "Miséria" (mas com variantes como "Macieira", "Maceira", "Meixeira", "Ameixeira", etc.), e os da família de "Cavalo" (com variantes como "Cavaleiro", "Carvalheiro", etc.). Vejamos um exemplo.
Os topónimos “Miséria” e “Misérias” ocorrem apenas onze
vezes na Carta Militar de Portugal. Em acádio, “MISRU” significa o mesmo que
“MESRU” em assírio: “fronteira, território”. Repare-se na imagem em baixo que dos dez topónimos registados nas cartas dos S. C. E. ainda hoje oito são pontos de
fronteira de concelhos, e os restantes poderão ser limites de outras realidades
administrativas ainda existentes (freguesias), ou ter sido de concelhos
extintos, feudos desaparecidos, etc.
Outro radical que em "fenício" está relacionado com “limite
de território” é “GBL”. Vejamos o significado nas línguas antigas do Próximo Oriente desta palavra e de palavras
foneticamente próximas: a palavra “GB’” em ugarítico significa “colina,
altura”; “GBØH” em hebraico antigo é “colina, outeiro, elevação”, o que é
basicamente o mesmo. “GBL”, em ugarítico, significa “limite, fronteira; cimo,
monte”, e em hebraico antigo é “montanha, fronteira, limite, fazer a divisão, marcar
o limite ao redor de”, o que confirma a ideia anterior (dada por “GB’”) e a especifica.
Por outro lado “QABAL”, em acádio, significa “ao meio de”, mas há também várias
formas foneticamente próximas cujo sentido se relaciona com conflitos: “QABÂLU”
em assírio é “afrontar-se com o inimigo, lutar”; “QABLU” em acádio significa
“encontrar-se hostilmente, combate”, etc.
É possível que entre nós tenha sido usado principalmente
para designar limites em áreas pouco ocupadas de serra ou campos pobres, mas
que eventualmente tenham sido alvo de litígio na sua definição por parte das
comunidades vizinhas. Mas isto para já é apenas uma possibilidade.
Este radical deu origem a topónimos com “Cavala” e “Cavalo” ,
“Cavaleiro” e “Cavaleira” e ainda “Carvalho”, “Carvalheiro” e Carvalheira”, e
outras palavras próximas [1].
Verificou-se neste caso uma evolução do “G” original do "fenício", para um
“C” do português atual, e num fenómeno comum de aproximação a palavras do
português padrão, e a habitual “colagem” a palavras existentes no léxico das
populações locais.
Embora muitas vezes os topónimos deste grupo correspondam a
limites de unidades administrativas atuais, como freguesias, concelhos ou mesmo
distritos, eles devem também ter sido usados para designar limites de
propriedades comunitárias das aldeias, de pastagens de determinadas
comunidades, etc.
O desenvolvimento destes estudos baseados na interpretação da toponímia com base na língua pré-latina (a que de facto era falada pelo povo que criou os nomes dos sítios) permitirá conhecer muito mais do nosso passado: caminhos, povoações, necrópoles... Está tudo lá, é só preciso saber ler...
[1]
- A “Carta Militar de Portugal” na escala de 1: 25 000 regista mais de 200 locais cujo nome é da família
de “cavalo”, e da família de “carvalho”
tem perto de mil.
E Macedo de Cavaleiros? Podemos incluir Macedo na mesma família de Miséria?... Parece então uma redundância... Qual é a sua opinião?
ResponderEliminarCara Ana Oliveira:
ResponderEliminarNão sei como, deixei passar o seu comentário, e só agora, por acaso, o vi. Peço desculpa. Respondo com gosto à sua questão. Na minha opinião o nosso "Macedo" nasce de um termo fenício que é usado para fortaleza: "MESSAD". É este radical antigo que está também na base do nome de "Massada" ou "Masada", fortaleza que o rei Herodes transformou em palácio, e que os romanos destruíram por volta do ano 70 (célebre pelo suicídio colectivo dos seus habitantes). Penso portanto que os nossos "Macedo", "Maceda" (veja por exemplo a "Maceda" na província de Ourense) e talvez algumas "Machada" devem ter esta origem. Assim, o Nosso "Macedo de Cavaleiros" deve ter sido uma "fortaleza no limite de um território".
À medida que a língua vai evoluindo e se vai esquecendo o significado dos termos antigos, encontra-se uma nova lógica para o topónimo: a fortaleza tem senhores, logo "cavaleiros". Continua a fazer sentido, embora já "Macedo" tenha passado a "topónimo sem significado" (que como compreende é coisa que não existe - apenas existem topónimos dos quais não conhecemos o significado), o "Cavaleiros" encaixa bem na nova realidade.
Obrigado pelo seu comentário. Espero ter sido claro na minha resposta, e mais uma vez desculpe não ter respondido mais cedo
Fernando Almeida
Explicar a toponímia portuguesa com base em pesquisas feitas em línguas semitas é como procurar pinguins no pólo norte de Marte: lugar errado a dobrar. A língua portuguesa não pode ser separada do tronco comum galego-português, especialmente se tivermos a procurar as suas origens. E aí, mais do que árabe, fenícia ou grega, a base é céltica e germânica.
ResponderEliminarCaríssimo, sou natural do Linhó, alguma ideia sobre a origem do nome?
ResponderEliminarLinhó, segundo o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa por José Pedro Machado:
- Linhó do baixo-latim, Liniolo, diminutivo de linho.
O linho foi produzido na localidade, na idade média, por introdução dos monges do convento dos Gerónimos da Penha Longa.
A origem no baixo-latim, que dataria a povoação para o periodo logo após fim do Império Romana, penso que um pouco cedo de mais.
E porquê, Liniolo, um diminuitivo? Seria de Linho miúdo? Cump. Joaquim Cunha