terça-feira, 10 de março de 2015

Sobre a origem da língua portuguesa


O texto que se segue corresponde a uma fração do primeiro capítulo do meu trabalho “A Origem da Língua Portuguesa”, publicado em livro pela “Chiado Editora” em Outubro de 2013. Tanto este fragmento, como o restante trabalho (que na prática é um dicionário etimológico das palavras do português que têm origem nas línguas antigas do Próximo Oriente) ajudam a compreender a verdadeira origem da nossa língua. A leitura deste texto ajudará assim a perceber quem somos e como nasceu a língua que falamos.

"Comecemos pelo princípio
Costuma-se classificar o português como língua latina. Mas o latim era a língua dos conquistadores da Ibéria, não do seu povo. E o que é feito da língua que o povo falava? Será que desapareceu sem deixar rasto? Ou pelo contrário ela ainda vive entre nós, e convivemos com ela sem dar por isso, usando-a cada vez que falamos ou escrevemos? E, se essa língua ainda existe, qual será a sua origem?
Em 1837 foi publicado um artigo extraído das atas da sessão de 15 de Setembro de 1835 da “Academia Real das Sciências”. Nesse artigo, da autoria de D. Francisco de S. Luiz Saraiva[1], conhecido popularmente como “Cardeal Saraiva”, intitulado “Glossário de Vocabulos Portuguezes Derivados das Linguas Orientaes e Africanas Excepto a Arabe”, são referidos muitos termos da língua portuguesa cuja origem se pode encontrar na “língua hebraica e na língua caldaica”.
Curiosamente, parece que este esforço de encontrar uma origem oriental do português foi interrompido durante mais de um século, até que nos finais do século XX, Moisés Espírito Santo retomou o tema, alargando o estudo da nossa relação com o Médio Oriente à cultura, à religião popular, à toponímia, às expressões idiomáticas da língua portuguesa, etc. Para além dos conhecimentos e conclusões do seu notável trabalho de investigador, Moisés Espírito Santo ofereceu um instrumento de trabalho valiosíssimo a quem queira conhecer a origem primeira da nossa língua, mas também a quem pretenda compreender a toponímia, a cultura portuguesa e a nossa História. Trata-se do “Dicionário de Fenício-Português”, em que é posto à disposição do leitor, e em carateres latinos, o fundamental do léxico de algumas das línguas antigas do Próximo Oriente, o que torna acessível a sua consulta a qualquer pessoa. O estudo que agora apresento usa fundamentalmente esse instrumento como base de trabalho, e sendo assim, todas as afirmações e conclusões que aqui são produzidas poderão ser facilmente verificadas pelo leitor. Mas, ainda antes de iniciar a apresentação das “palavras portuguesas de origem fenícia”, justifica-se pensar um pouco sobre a linguagem no geral, de forma a melhor compreender a relação da nossa língua com as línguas antigas do Médio Oriente a que chamarei de “fenício”. Por isso, comecemos pelo princípio…
É sabido que no final do Paleolítico a população humana era muito pouco numerosa e, consequentemente muito pouco densa. Não suscita dúvida que o Neolítico implicou uma verdadeira “revolução demográfica” que veio fazer crescer exponencialmente a população humana. Também não oferece surpresa que esse crescimento demográfico tenha conduzido à progressiva expansão dos povos neolitizados, com ocupação de terras férteis e agricultáveis sempre mais além, com percursos preferenciais discutíveis mas, no que se refere ao mundo do Mediterrâneo, genericamente de leste para oeste. Não parece haver acordo entre os estudiosos que permita a criação de um mapa de isócronas absolutamente consensual sobre a difusão das sociedades neolíticas na Europa e Mediterrâneo, contudo parece ser seguro que, por exemplo, a cidade de Jericó, situada nas margens do rio Jordão, já existia há 11 000 anos, o que permite admitir a existência de uma sociedade agrícola estabilizada, o que antecede em milhares de anos a chegada da agricultura à Europa[2].


Figura 1 – Proposta de início do Neolítico na Europa e Mediterrâneo (datas BP). Segundo “The genetic history of Europeans” (adaptado)
Não será portanto difícil de aceitar que essa gente que se expande a partir desse foco inicial tenha transportado consigo as suas sementes e animais, técnicas e crenças, e, inevitavelmente, a sua língua.
O episódio bíblico da “Torre de Babel”[3] é, neste aspeto, particularmente interessante. Ele permite perceber que na época em que o mito foi criado ainda havia uma memória distante de que em tempos idos, todos os homens falavam a mesma língua[4]. E essa foi por certo a língua do povo do Neolítico que, com a dispersão geográfica e com a passagem dos séculos e dos milénios, se foi desdobrando em dialetos cada vez mais divergentes entre si, até se chegar ao ponto em que os seus falantes deixaram de ser capazes de se compreender uns aos outros.
As línguas antigas do Médio Oriente hoje conhecidas, como o acádio, o assírio, o ugarítico ou o hebraico antigo[5], que são praticamente dialetos diferentes dessa antiga língua descendente do falar Neolítico, constituem a base lexical que permite conhecer o essencial da antiga língua, e a partir dela, encontrar a origem não latina do português[6].
A filiação da língua portuguesa nessa língua antiga, a que por comodidade passarei a chamar “fenício”, pode demonstrar-se pela análise da toponímia, pela decifração da escrita do sudoeste, pela compreensão das lendas que por vezes parecem absurdas, e, evidentemente, pela própria etimologia do português, assunto a que dedicarei o essencial deste trabalho.
Ainda antes de entrar no tema central destas páginas, ilustrarei com alguns exemplos a importância que o conhecimento desta língua tem para as várias áreas do saber. Vejamos o caso da toponímia. Há centenas ou milhares de topónimos que só fazem sentido se entendidos a partir dessa antiga língua. Por exemplo, um local chamado “Mal Lavado”, “Malavada”, ou “Malvado”, ao contrário do que pode parecer, nada tem que ver com “sujidade” ou “malvadez”, mas tão simplesmente com a abundância de água e a existência de poços artesianos. Repare-se que “malavad” significa literalmente em fenício “poço de águas subterrâneas que transborda”. Ainda hoje se pode constatar que os locais com estes nomes têm em comum a extraordinária abundância de água. Veja-se a propósito que “avad” (ou “abad”, dado que na língua antiga não existia a diferenciação entre o “b” e o “v”) veio a dar topónimo como “Aivado” (sobretudo no sul do país) e ”Abade” (mais comum no norte e centro), topónimos esses que foram criados para referenciar a existência de poços. A grande maioria da toponímia rural portuguesa tem origem nesta antiga língua, e o seu conhecimento tem um potencial imenso para disciplinas como a História ou a Arqueologia. Veja-se por exemplo que “Cabra Figa” significa “necrópole de incineração” e que “Cabra Assada” quer dizer “encosta das sepulturas”, mas também que “Miséria” corresponde a “fronteira”, “Charneca” é “terreno livre” (sem dono), etc., etc.. Todo um mundo de referências do passado passa a estar agora disponível e pronto a ser traduzido e interpretado.
Também os documentos escritos no passado por vezes contêm termos ou expressões incompreensíveis, que só fazem sentido à luz deste novo saber. Um exemplo disso é a definição dos limites do concelho de Odemira referidos no “Foral Velho” de 1256, que por sua vez faz apelo aos limites anteriormente estabelecidos entre as terras do rei e as da Ordem de Santiago em 1235[7]. Entre outros aspetos que requerem atenção, faz-se referência a um “azougues de benazeual”, de localização indeterminada. Essa indeterminação resultou precisamente de não ter sabido traduzir a expressão medieval com base no “fenício”. “Azswg bmhzbl” significa simplesmente “santuário rodeado por uma cerca no cimo da serra”[8], o que corresponde seguramente ao ainda hoje existente santuário de Nossa Senhora das Neves. De posse desta tradução imediatamente se desfaz qualquer dúvida sobre a localização da fronteira medieval. Muitos outros documentos, sobretudo medievais, poderão ser melhor compreendidos à luz do conhecimento da língua antiga.
Também as lendas, que por vezes parecem tolices sem sentido, devem ser lidas de novo, pensando que na sua origem está uma lenda contada na antiga língua, e que a lenda atual conserva vestígios da versão original. Vejamos o exemplo da lenda que conta a origem do nome da cidade de Estremoz. Diz resumidamente a lenda que um grupo de pessoas fugia pelo Alentejo em busca de segurança, até que encontrou, no local onde hoje se localiza Estremoz um “enorme tremoceiro” que lhes proporcionou abrigo e proteção. Evidentemente que a lenda parece ser um disparate completo, já que o tremoceiro é uma planta leguminosa de poucos centímetros, e consequentemente não poderia ter dado “abrigo e proteção” a um grupo de fugitivos. No entanto se pensarmos que “strmooz” significa em fenício “fortaleza de proteção” ou “fortaleza de ficar abrigado”, então o assunto muda completamente de figura… Quando a lenda foi criada continha a palavra “strmooz” e consequentemente a ideia de fortaleza de abrigo ou de proteção. Com o passar dos séculos e com as mudanças operadas na língua falada, manteve-se a ideia de encontrar “abrigo ou proteção numa fortaleza” (que é essência da lenda), mas acrescentou-se uma palavra foneticamente próxima, o tremoceiro, como forma de a contar na nova língua. O mesmo fenómeno ocorre em outras lendas, como a da origem do nome da praia de “S. Torpes” em que se fala de uma “jangada de canas” que transportava um “galo e um cão”, animais cuja presença na lenda resulta apenas de “gal con” significar em fenício precisamente “jangada de canas”. Quem queira redescobrir as nossas lendas terá um trabalho vasto e aliciante pela frente.
No que respeita à decifração da escrita do sudoeste[9], o assunto é, como se compreenderá, muito mais complexo, mas pode-se garantir também que ela reproduz esta mesma língua a que chamo de fenício. Assim ficamos a saber que no período do Bronze Final e da Idade do Ferro, já se falava por aqui esta língua, mas é muito provável que ela seja bem mais antiga entre nós.
  


A origem e evolução das línguas

Alguns estudos sobre primatas têm vindo a mostrar como estes relacionam ideias com sons, e essa relação deve estar na origem daquilo a que costumamos chamar de linguagem[10]. Um processo semelhante deve ter ocorrido com os humanos e é, como seria de prever, relativamente simples. Imagine-se que um clã dos primeiros humanos atribuiu o som “Ô” ao que está em baixo (mais tarde será também o que é escuro, sujo) e o som “Á” ao que está em cima (por analogia será igualmente o que é luminoso, claro, puro). Se o som “G” for usado como alerta de perigo, “GÔ” ou “ÔG” será “perigo em baixo” (por exemplo “cobra”), e “GÁ” ou “ÁG” será “perigo em cima” (por exemplo “águia”). Na mesma lógica, se o som “M” for usado para designar água ou outro líquido, “MÔ” ou “ÔM” será por exemplo “água turva, suja”, enquanto “MÁ” ou “ÁM” será “água limpa, clara, leite”, e daí, no futuro, também “ama” e “mãe”, etc.
Como é de calcular, o número de sons emitidos pelo ser humano deve ter aumentado progressivamente, ao mesmo tempo que as combinações entre eles se tornaram cada vez mais complexas e diversificadas, por forma a dar resposta a realidades materiais e culturais cada vez mais ricas.
Deve ter havido entre os povos do paleolítico várias línguas primordiais nascidas deste modo, que estarão na origem dos grandes grupos de línguas da atualidade, mas esse é um processo difícil de reconstituir. O que parece evidente é que, quando no Médio Oriente o Homem domestica plantas e animais e se torna agricultor e pastor, a sua população “enxameou” o velho mundo, levando consigo a sua língua, e promovendo a sua difusão entre outros povos. As línguas do primeiro e segundo milénios antes de Cristo, como o ugarítico, o hebraico antigo, o acádio ou o assírio, que nos servem para conhecer essa língua antiga apresentam ainda grandes afinidades entre si, e como se verá, muitas semelhanças com algumas línguas antigas e atuais da Europa, o que permite perceber que todas elas tiveram uma origem comum.
Contudo, com o processo de divergência antes referido, criaram-se palavras no ocidente que têm sentido nessas línguas antigas, mas que se saiba, não foram usadas pelos povos antigos que as falaram. É um pouco como o nosso “fato” do português, que é o “terno” brasileiro. Nós não usamos a palavra “terno” para nos referirmos ao conjunto de “calças, casaco e colete”, mas “terno” provém da ideia de serem três peças, e faz sentido em português. A “geladeira” do Brasil é o nosso “frigorífico”, o “grampeador” é o nosso “agrafador”, a “aeromoça” é “hospedeira de bordo”, etc Não usamos essas palavras no português que se fala em Portugal, mas elas fazem sentido em português. Note-se que no caso do português falado dos dois lados do Atlântico a separação é ainda muito recente e tem havido esforços dos próprios estados para evitar a divergência. Como se compreenderá facilmente, num tempo em que não existia televisão, rádio, imprensa (nem tampouco acordos ortográficos), com a passagem dos séculos e dos milénios essa divergência acentuou-se dando origem a dialetos distintos ou, ao que poderemos considerar já, línguas distintas. Mas são línguas ou dialetos que partilham indiscutivelmente a sua raiz antiga.
Assim, também nós usamos por vezes palavras diferentes das usadas por esses povos antigos do oriente, mas que fazem sentido nas suas línguas. Vejamos um exemplo. Para se referirem ao que nós chamamos de “barriga” esses povos tinham o termo “krs”, que em ugarítico se traduz por “tripa” e em hebraico antigo se escrevia “krx”[11] e se traduz geralmente por “barriga”. Já acádios e assírios diriam qualquer coisa como “karaxu” que costumamos traduzir por “ventre, estômago”. Em português esta palavra não foi usada (ou se foi, não chegou até nós), mas em contrapartida temos a palavra “tripa” que deve provir de “ţrp” que significa em fenício “ser esquartejado”, e a própria palavra “barriga” que por certo tem origem em “bøh rk” (algo como “bâêreke”), que significa “formar barriga mole”[12].
Uma outra característica que provém certamente das origens mais distantes da língua, mas que ainda se pode detetar nestas línguas antigas, é que a sons próximos correspondem geralmente ideias próximas. Assim, entre muitíssimos exemplos possíveis, tomemos o caso de “lan”, que é “dormir” em ugarítico, e “nal” é igualmente “dormir” em acádio e assírio. E esse tipo de fenómeno não é uma simples metátese, mas antes uma característica de uma língua em que a “palavra” conforme nós hoje a entendemos, ainda não existia.
Para a maioria das pessoas a língua é basicamente um conjunto de palavras ligadas por uma qualquer lógica a que chamamos gramática. É por isso difícil de aceitar que se possa falar de uma língua sem “palavras”. Contudo, por muito que custe a aceitar, houve um tempo em que a ideia residia ainda em sons simples, que combinados e sequenciados davam origem a ideias mais complexas[13]. A prova mais decisiva e indiscutível dessa realidade resulta da tradução das inscrições da chamada escrita do sudoeste, em que não existem palavras individualizadas e em que as diversas leituras resultantes de diferentes combinações de fonemas conduzem a ideias semelhantes[14]. Moisés Espírito Santo explica no seu Dicionário de Fenício-Português que a relação primordial som/ideia de que falamos a propósito da origem da linguagem, ainda existia nessas línguas, dizendo; “Nas línguas europeias, os vocábulos são códigos aos quais se atribui uma significação; os vocábulos homófonos têm significações autónomas. A língua é um código de significações. Se permutarmos os fonemas dos vocábulos “pai”, “campo” e os associarmos de outra forma, as novas formas deixam de ter relação com os vocábulos anteriores. No Fenício antigo é diferente. A ideia reside no fonema. Cada fonema encerra um conceito, um “embrião de ideia” relativamente abrangente; dois ou três fonemas (a que alguns chamam raiz) circunscrevem a ideia: o alef (a) traduz a ideia genérica de “origem”; o beth (b), a de “entrar, introduzir”; o reš (r), “relação” (…). É como se os fonemas associando-se em vocábulos produzissem as coisas. Porque um vocábulo é a associação de dois ou três “embriões” e estes são por natureza vagos, os vocábulos hebraicos são pluri-semânticos; um vocábulo parece significar coisas muito diferentes; digo parece, mas só enquanto está isolado; em determinado contexto os vários significados podem ser complementares.[15]
Tomemos a título de exemplo ainda o radical fenício “rk”, que contribuiu para a formação da nossa palavra “barriga”[16]. Este “rk” (que em muitas situações evoluiu para “rg” do português atual) não deve ser entendido como uma palavra no sentido que damos atualmente à palavra “palavra”, mas antes como um radical genérico que pode ser usado em diversas situações. Atente-se que o “rk” fenício significa algo tão vago como “afrouxar, ser tenro, macio, fraco, débil, mimoso, branco, suave, tímido, receoso, ser delicado, ser mole, ser vacilante…” Essa ideia geral, que não é exatamente nenhuma das palavras usadas para a definir, mas antes a ideia expressa por todas elas, quando por exemplo é associada ao fonema “maru” [mare][17], que significa “filho, gordo”, deu origem a “marreke” e daí ao nosso “maricas” (filho gordo débil, mimoso, tímido, receoso, delicado…); associado a “bøir” [bôir], que em fenício significa “gado, animal”, criou o nosso “borrego” (animal branco, suave, delicado...); quando associado a “rph”, que significa genericamente “filho”[18] deu origem a “rphrk” (rapâreke) o que em português originou a nossa “rapariga” (filha delicada)[19].



As línguas e os povos que as falam
No processo de difusão do Neolítico pelo mundo, devem ter ocorrido diversos tipos de relação entre as antigas populações que aí viviam como caçadoras e os novos colonos agricultores e pastores. É possível que em alguns casos as populações nativas de caçadores tenham sido quase levadas à extinção, ou que se tenham diluído entre os novos colonos deixando fracas marcas de si mesmas para o futuro; noutros casos terá havido por parte dos caçadores autóctones uma aprendizagem do modo de vida das gentes neolitizadas, e assim se tenham transformado em agricultores e pastores, mantendo no essencial a sua língua e identidade genética. Por esse processo é natural que se tenham somado populações geneticamente distintas que poderão ter tido diversos graus de apropriação da língua e cultura dos primeiros agricultores. É possível que essa tenha sido a situação ocorrida entre nós. Os estudos genéticos realizados sobre restos ósseos de populações Mesolíticas e Neolíticas parecem mostrar que existiu algum tipo de colonização no período Neolítico, mas que a sua proveniência não terá relação com populações do Próximo Oriente. Helen Chandler, Bryan Sykes e João Zilhão, em “Using ancient DNA to examine genetic continuity at the Mesolithic-Neolithic transition in Portugal[20], referem: “A ausência do haplogrupo J na amostra neolítica portuguesa indica que ela não representa derivação directa a partir de agricultores do Próximo Oriente; mas a existência de descontinuidade genética entre os grupos mesolíticos e neolíticos implica que a transição para o Neolítico em Portugal terá envolvido algum tipo de colonização.”
Terá havido ao longo dos milénios seguintes outros movimentos migratórios através da grande via de comunicação que foi o Mediterrâneo, repetindo percursos antigos, renovando gentes e ligando culturas. Muitos pontos da costa continuaram a ser escala nas rotas comerciais da era dos metais[21]. Será seguramente o caso dos portos do mar interior ligados ao comércio fenício, com evidentes prolongamentos na Península Ibérica, e que parece ter tido continuidade pelo menos até às ilhas britânicas.[22]
Usando um novo método analítico para a deteção de alterações genéticas subtis, o “Genographic Project” revelou a herança genética dos fenícios. Desde as terras do Próximo Oriente, colonos e comerciantes dispersaram-se pelas margens do mar interior, e as suas marcas são ainda hoje visíveis nas populações da Península Ibérica, Norte de África e ilhas do Mediterrâneo.

Figura 2 – “The Phoenicians’ genetic footprint”[23]

 A aceitar sem reservas ambos os estudos genéticos referidos, teremos que admitir que após o Mesolítico terá havido uma entrada de povos agrícolas que não eram fenícios, mas que em momento posterior chegaram à Península Ibérica povos com ligações genéticas às gentes do Próximo Oriente.
Haverá contudo que admitir que boa parte dos colonos que ao longo dos milénios se dispersaram pelas margens do mar interior, correspondesse a populações que partiam do Próximo Oriente, mas não seriam necessariamente naturais da costa da “fenícia”, pelo que a população migrante que chegou até nós seria já ela própria geneticamente diversificada. Existem textos antigos que confirmam esta ideia. Por exemplo, no Antigo Testamento (Ezequiel, 27. 10), pode ler-se a respeito de Tiro: “Os persas, os lídios, e os de Put eram no teu exército os teus soldados …”. A fazer fé nesta afirmação, teremos que aceitar que nos barcos de Tiro viajavam gentes de milhares de quilómetros em redor. Também no “Cântico de Débora” (Juízes, 5), se percebe que as tribos de Dan e de Aser abandonaram o Próximo Oriente e se dispersaram pelo Mediterrâneo, dado que se afirma que “…e Dan porque se deteve em navios? Aser se assentou nos portos do mar e ficou nas suas ruínas”. Ainda em relação à diversidade de povos que terão chegado a este extremo do mundo, Plínio-o-Velho diz que “Marco Agripa considerou que, na generalidade, esta costa é originariamente dos púnicos[24]. (…) Refere Marco Varrão que à Hispânia em geral chegaram Iberos[25], Persas, Fenícios, Celtas e Púnicos;”[26]
A recente utilização de contributos provenientes da genética para o conhecimento do passado é não só de grande atualidade como de inegável interesse. Contudo, no caso que aqui tratamos, que é o da origem da língua portuguesa, convém não ceder ao fascínio inebriante de sobrevalorizar esse novo conhecimento da genética, e em consequência tirar conclusões precipitadas. Note-se que a evolução genética e linguística nem sempre se fazem em paralelo. Um povo pode manter a sua identidade genética intocada e adotar uma nova língua. Tomem-se como exemplo os povos andinos que em muitos casos mantêm intocada a sua genética pré-colombiana, mas que falam castelhano, ou mesmo povos africanos que passaram a ter como língua oficial um falar levado pelos colonos europeus, e que geneticamente têm muito pouca ligação à Europa.
Por outro lado, recomenda o bom senso que prevaleça alguma humildade e consciência de que no capítulo da genética histórica estamos a dar os primeiros passos, e que é muito mais aquilo que ignoramos que aquilo que podemos garantir.




A explicação tradicional para a origem das palavras portuguesas

Com base no pressuposto que a língua dos povos conquistados pelos romanos sucumbiu completamente ao latim, e que dela quase nada ficou[27], criou-se uma estrutura de raciocínio enviesada, o que só poderia conduzir ao acumular de incorreções. Assim, em grande parte dos casos, as palavras do português passaram a ser consideradas de origem latina. Mas, como efetivamente muitas delas não eram de modo algum latim, criaram-se formas de, ainda assim, as classificar de “latinas”.
É assim que nascem as “formas latinas hipotéticas”, que é como quem diz: se existe uma determinada palavra em português, é porque deve ter existido uma palavra equivalente em latim. Concretizemos. Diz o pensamento tradicionalmente aceite que, por exemplo, se existe em português a palavra “abalar”, é porque em latim deve ter existido o verbo “advallare”. O problema é que efetivamente o verbo “advallare” nunca existiu em latim (e se tivesse existido significaria “atirar-se de um vale ao fundo”, o que também seria algo estranho), mas em contrapartida existem em fenício as formas “abalu”, “ibl” e “wabalu” que significam “trazer, levar, carregar”, que evidentemente estão em muito melhor posição para constituir a origem do nosso verbo “abalar”. Há centenas de palavras às quais tem sido atribuída esta origem em “formas hipotéticas latinas”, que efetivamente nunca foram latim, e cuja origem se pode encontrar com facilidade nas línguas a que vou chamando de “fenício”.
Para além das “palavras hipotéticas” foi criado todo um outro conjunto de explicações erróneas, embora bem adaptadas ao objetivo supremo de satisfazer a premissa inicial, de que o português é “filho do latim”. Inventou-se o “latim popular”, o “latim tardio”, o “latim eclesiástico”, o “latim medieval”, o “latim ibérico”… Diz-se por exemplo que a nossa palavra “arame” provém do “latim tardio”, de “aramen”, que significa “bronze, objeto de bronze”. De facto a palavra “arame” deve provir da ideia de “corda de cobre” ou “corda de bronze”, ideia que em fenício corresponde a “erumen”, mas simplesmente nunca foi latim, nem precoce, nem tardio, nem popular, nem erudito. A algumas outras palavras atribui-se por exemplo uma origem gótica, mas que ainda assim teriam sido apropriadas pelo latim. É o caso da nossa palavra “agasalho” que teria tido origem numa forma “latina hipotética” “ad-gasaliare”, proveniente do gótico “gasalja”, que significa… “companheiro” (!?). O facto é que, em fenício, “h ksl” [âkasal] significa “o vestido”, e “hkshøl” [âksââl] quer dizer “o que cobre por cima”, e este facto destrói completamente as construções teóricas tradicionalmente aceites, por mais elaboradas que pareçam ser.
Há outros casos em que a etimologia latina aceite habitualmente é mais que duvidosa. Por exemplo, origem proposta para a nossa já referida palavra “borrego” é simplesmente inaceitável. Diz-se que “borrego” provém do latim, de “burru”… que significa “encarnado”. No entanto em fenício “bøir” significa “gado, animal”, e “buru”[28] é “animal pequeno”; por outro lado, como vimos anteriormente, “rk” é “delicado, débil, suave, branco, tímido, etc.”. Portanto, “burreke” será “animal pequeno delicado”, ou algo equivalente, e “bøirreke” será por exemplo “gado delicado”. Parece evidente que a relação entre o nosso “borrego” e o “burro” (encarnado) latino, não faz o menor sentido.
Pela forte influência que o pensamento com origem em França teve sobre os académicos portugueses, há frequentes analogias entre a origem proposta para palavras francesas e as suas equivalentes portuguesas. Contudo, se é aceitável a contaminação de palavras neerlandesas ou alemãs para o francês, por se tratar de línguas de povos vizinhos, outro tanto já não fará grande sentido em relação ao português. É dessa situação exemplo a palavra “dique”, que se diz provir do “dijk” dos holandeses. No entanto em acádio “diq” significa precisamente “trincheira”, e é natural que essa palavra esteja entre nós há muitos milhares de anos[29].
A um número significativo de palavras atribui-se origem castelhana. É bom de perceber que na maioria esmagadora dos casos a origem das palavras do português é semelhante à do castelhano, e de nada adianta remeter a origem de uma língua para a outra. De facto, o que se tornará necessário é descortinar a origem das palavras semelhantes de ambas as línguas.
O que se pode concluir facilmente ao estudar as teses tradicionalmente aceites para a origem das palavras portuguesas, é que foram cometidos atropelos à lógica e a qualquer método que pretendesse ter rigor científico. Abusos na evolução fonética, abusos na interpretação semântica, abusos absolutamente inaceitáveis através da verdadeira invenção de palavras que de facto nunca existiram.
Como se verá ao longo do presente trabalho, os exemplos de palavras portuguesas com origem “fenícia” são às centenas, e este é apenas um “estudo sumário”, o que significa que haverá muitas outras palavras de origem semelhante, mas que ainda não estão aqui tratadas. Em qualquer dos casos a demonstração da origem “fenícia” da língua popular portuguesa ficará certamente feita.




A relação fonética entre o “fenício” e o português
Como se viu anteriormente, o Cardeal Saraiva, na primeira metade do século XIX já tinha defendido a origem hebraica de muitas palavras portuguesas. Na época não foi mais longe em primeiro lugar por não terem sido ainda decifradas outras línguas antigas do leste do Mediterrâneo, como o ugarítico, o acádio ou o assírio, e portanto não estar de posse dos léxicos dessas línguas. Por outro lado, não percebeu que em rigor o português não tem palavras hebraicas ou de outras línguas antigas do Médio Oriente. O que se passa é que há muitas palavras do português comuns a palavras de línguas como o hebraico antigo, provavelmente não por terem sido importadas dessas línguas, mas antes por partilharem com elas uma língua ancestral comum.
Muito embora se esteja no início do trabalho de reconhecimento das palavras do português com origem “fenícia”, pode desde já enumerar-se um conjunto de situações em que se percebem diferenças entre as línguas antigas que servem de referência (sobretudo o ugarítico, o hebraico antigo, o acádio e o assírio) e o português atual. Serão provavelmente diferenças entre todo o grupo de línguas do leste e do oeste do Mediterrâneo resultantes da dispersão dos povos do Neolítico. Vejamos as principais diferenças já percebidas.
O nosso som “a” provém muitas vezes do alef fenício (representado neste trabalho pelo símbolo “a”) que corresponde nessa língua a uma leve aspiração[30]. Entre muitos outros, é o caso do nosso “abrolho”, que deve provir de “abaru ølh”, com o significado de “folhagem espinhosa”, ou de “archote” palavra que deriva de “arṣwt” (algo como “arsôt”), e que significa “acender luz” (“ar” é “luz, brilhar, iluminar”, e “ṣwt” é “acender”).
O ayn fenício, representado pelo símbolo “ø”, nas línguas antigas do oriente deve ter sido um som aspirado nasal próximo de “õe”, “ãe”, ou “êu”. É provável que entre nós tenha sido menos nasalado (ou evoluiu nesse sentido) e por isso as palavras fenícias que o contêm correspondem com frequência no início das palavras do português ao nosso “a” mais ou menos aberto. Por exemplo “øqb” (ãeqaba), que significa “chegar ao fim; parte final; até ao fim”, deu origem ao nosso verbo regular “acabar”[31]; de “øb” (ãeb), que significa “palio, alpendre”, ou seja “cobertura”, resultou a nossa palavra “aba”[32]. Em outros casos (menos frequentes) o “ayn” evoluiu para o nosso “o” aberto no início das palavras, como é o caso de “orvalho” que tem certamente origem em “ørbbll” (ôrvvale), o que significa precisamente “humidade do anoitecer”.
Pode o nosso “a” provir ainda do “he” fenício, letra que correspondia a sons levemente aspirados como “âa” ou “êe”, e é representada neste trabalho pelo nosso símbolo “h”. É o caso dos nossos próprios artigos definidos “o, a, os, as” que devem ter origem neste “h” (âa) fenício que é usado nessa língua precisamente como artigo definido, mas para os nossos dois géneros e números (o nosso artigo não vem evidentemente do “illa” latino que poderá ter originado o “la” castelhano e francês, mas não os artigos definidos do português); é igualmente o caso (entre outros) de palavras como “labareda” tem origem em “lhb rød” (lâebarãeda), e significa traduzido à letra “chama trémula”.
Por fim, o “a” do início de muitas das palavras portuguesas resulta de fenómenos como a prótese como é o caso da evolução de “briḥ” [brig] (o símbolo “ḥ” corresponde ao “ḥet” e falaremos dele adiante, mas geralmente esse som, que nas línguas do próximo oriente é gutural e fortemente aspirada, evoluiu para o nosso “g” ou “c”, portanto teremos “brig”) que significa em fenício “ferrolho, tranca, muralha”, para a nossa palavra “abrigo” no sentido de proteção segura. Algumas palavras portuguesas que se iniciam com um “a” nasalado provêm de palavras fenícias iniciadas por “m” ou por “n”. Esse é o caso da palavra “andar” que deve ter origem em “nd” corresponde a “mover, afastar, vaguear”.
O desaparecimento total de sons aspirados do português é uma das características mais significativas da diferença entre o falar antigo do oriente e o português dos nossos dias, ou, dito de outro modo e de forma mais exata, é uma das maiores diferenças ocorridas na evolução da língua do Neolítico entre o extremo Leste e o Oeste do Mediterrâneo. Para além dos sons aspirados antes referidos (o alef, o hê e o ayn) existia em fenício um outro som fortemente aspirado, o “ḥet”. As várias representações gráficas usadas ao longo do tempo e pelos diversos povos que escreveram as línguas deste grupo a que genericamente estamos a chamar “fenício”, são aqui substituídas pelos símbolos “ḥ” e “ĥ”. Este som, originalmente gutural e fortemente aspirado, desapareceu totalmente do português correspondendo muitas vezes aos nossos sons “g” ou “c”. Isso verifica-se em muitíssimos casos: “pḥ” (fḥ), que significa em fenício “lâmina fina ou delgada” passou a “fc” (ou para se ler hoje, com mais facilidade, a “faca”); “ḥlf”, que significa “fazer brotar, deixar surgir”, está certamente relacionada com o nosso termo “golfar”; “qrḥ” que significa em fenício “rapar o cabelo em sinal de penitência, rapado, feito calvo”, veio a dar o nosso “careca”, etc.. Em outros casos, o som ancestral da língua do Neolítico, que no Médio Oriente evoluiu para ḥet, entre nós acabou por originar sons como o “f”, o “j”, ou o “s”, e possivelmente em outros casos ainda pura e simplesmente desapareceu.
Um dos factos que pode parecer mais estranho ao leitor é a total indistinção entre os sons “b”, “p”, “v”, e “f”. Hoje até nos parece difícil de conceber que em tempos todos estes sons tenham sido confundidos. Para o compreender mais facilmente é bom pensar na total indistinção ente o “b” e o “v” que se verifica em boa parte do Norte do país. O mesmo terá acontecido certamente entre o “b” e o “p”. Note-se que mesmo nas línguas antigas registadas no Médio Oriente essa confusão era evidente, quer pela ausência de símbolos distintos para o “b” e “v” e para o “p” e “f”, quer pela semelhança entre os significados de palavras escritas com “b” e com “p”, ou pela troca destas letras nas palavras equivalentes de diferentes dialetos (por exemplo, “brṣl” é “ferro” em hebraico antigo; “przl” em aramaico é igualmente “ferro”). De resto essa indistinção foi suficiente para que os romanos tenham importado palavras do fenício como “cabana” escrevendo “capane”. Assim, por estranho que possa parecer, podemos encontrar a origem de uma palavra que hoje se escreve com “b” numa palavra fenícia que se escrevia com “p”, como é (entre muitos outros) o caso da nossa palavra “bando”, que certamente provém do termo ugarítico “pamt”, que significava “grupo”.
Os dialetos “fenícios” que nos servem de base para reconstituir a língua que está na origem do português apresentam outras diferenças em relação à nossa língua. O exemplo anterior, da palavra “bando”, que provém certamente da fenícia “pamt”, mostra como o “d” e o “t”[33] permutaram neste processo de divergência ocorrida no espaço e no tempo. Há muitos outros exemplos desta situação, como por exemplo “dd” [deda] que significa “seio, seios, peito feminino”, veio a corresponder à nossa “teta”.
A sequência “ll” existente em fenício passou a “rl” ou “lr”. Está nesta situação, entre outras, a palavra “baralhar” que certamente provém de “bll”, que significa em fenício “misturar, confundir”.
O nosso som “f” provém geralmente do “p/b” fenício, mas pode vir igualmente de uma sibilante fenícia como o “z”. É o caso das palavras “pifar”, “bifar” e “abafar”, todas elas certamente provenientes de “bz”, que significa “pilhar, despojo, presa”. Pode também o “f” provir do ḥet, como ocorre em palavras como “fita”, “ficar” ou “fechar”. O mais interessante é que parece que o som que originou o ḥet em outras línguas, entre nós se “desguturalizou” e evoluiu para sons como o “g” ou o “c”, o que parece facilmente aceitável, mas também para o “s” ou “j” e o “f”[34], o que é mais surpreendente.
A confusão já reinava entre os sons sibilantes usados entre as diferentes línguas antigas do oriente, e ela ainda existe hoje na própria variação regional da pronúncia do português. Note-se por exemplo que um “sacho” em Lisboa é o mesmo que um “xaxo” na Guarda, ou mesmo que um “txatxo” em Mangualde. O Antigo Testamento dá-nos um exemplo dessa variação já existente em tempos bíblicos, ao referir a seguinte passagem: “A fim de impedir que os de Efraim escapassem, os guileaditas bloquearam as passagens do Jordão. Quando algum dos de Efraim procurava fugir e pedia autorização para passar, os homens de Guilead perguntavam: “És dos de Efraim?” Se ele respondesse “Não”, obrigavam-no a dizer “chibolet”. Mas se ele dizia “sibolet”, porque não era capaz de pronunciar correctamente a palavra, então prendiam-no e matavam-no ali mesmo.”[35] Não se deve por isso estranhar que na relação entre as palavras antigas do fenício e as atuais do português exista essa variação.
Há outras relações, mais raras e aparentemente improváveis, mas que parece terem existido. Poderá eventualmente ser o caso da sequência fenícia “gn”, que passa ao nosso som “nh”. Isso parece ter ocorrido pelo menos na palavra “ranheta”, que provém por certo de “rgn”, que significa “resmungar, murmurar” e do muito usado em português “øwt”, que quer dizer “transtornar”. No entanto não se deve estranhar em demasia esta situação porque o “nh” português corresponde por vezes ao “gn” francês, e este tem também, via provençal, forte influência desta mesma língua antiga.
Muitas situações em que a atual palavra portuguesa começa por “es” correspondem a palavras fenícias iniciadas por um “s”. É, entre muitas outros, o caso de “esmerar” que provém de “smr”, ou de “escalabardo”, que teve origem em “sklbrd”[36].
Com o tempo e a continuidade dos estudos que de momento estão pouco mais que iniciados, se chegará a uma compreensão mais perfeita da relação entre a língua portuguesa atual e antiga, e as demais línguas da mesma origem. 





[1] - Que apresenta os títulos de “Bispo Reservatário de Coimbra”, “Conde de Arganil”, etc.
[2] - “Jericho is one of the earliest continuous settlements in the world, dating perhaps from about 9000 bce. Archaeological excavations have demonstrated Jericho’s lengthy history. The city’s site is of great archaeological importance; it provides evidence of the first development of permanent settlements and thus of the first steps toward civilization.”
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/302707/Jericho  Abril de 2013
[3] - Segundo a narrativa bíblica, foi construída uma torre que pretendia ser tão alta que chegasse ao céu. Isto foi considerado uma afronta por Deus, que castigou os homens fazendo-os falar várias línguas de modo a que não voltassem a ser capazes de se entender e a conseguir grandes feitos comparáveis às obras de Deus. A tradução de “babel” a partir das línguas antigas do Próximo Oriente é precisamente “porta para Deus”.
[4] - Naturalmente que todos os homens daquela região do mundo, que era o mundo conhecido pelos autores do mito.
[5] - Facilmente se pode conhecer o léxico fundamental dessas línguas através do “Dicionário de Fenício-Português” de Moisés Espírito Santo.
[6] - Não se julgue contudo que as antigas línguas europeias, como o latim ou o grego, ou mesmo as línguas europeias modernas, não beberam nessa mesma fonte linguística ancestral. Pelo contrário é fácil ver que há radicais comuns a muitas línguas modernas que já se encontravam nestas línguas antigas, e que só podem ter resultado da sua própria difusão. A seu tempo se verá que a própria ideia do “indo-europeu”, que tem condicionado o pensamento nestas matérias, contém uma componente ideológica eurocêntrica e anti-meridional não desprezível.
[7] - Quaresma, A. M., Odemira Histórica – Estudos e Documentos, C. M. Odemira, 2006.
[8] - Ver a este respeito: Almeida, F. R., O Outro Lado da História, C. M. Odemira, 2009, p. 65 e seguintes.
[9] - Apresento em “O Outro Lado da História” uma explicação sobre o funcionamento da escrita do sudoeste, bem como a tradução de um conjunto de inscrições. É contudo um assunto complexo ao qual tentarei voltar num outro trabalho realizado apenas com esse propósito.
[10] - Veja-se a esse respeito, por exemplo, os trabalhos realizados sobre a comunicação entre os “macacos de Campbell” (cercopithecus campbelli) no Parque Nacional de Tai, na Costa do Marfim, nomeadamente os do grupo liderado por Klaus Zuberbühler, da Universidade de St. Andrews, ou os estudos realizados em Sulawesi sobre os primatas do género “Macaca”, por exemplo em “The Social Repertoire of Sulawesi Macaques”.
[11] - A escrita hebraica e ugarítica é consonântica, pelo que as vogais estão ausentes da sua grafia e têm que ser introduzidas pelo leitor. A escrita acádia e assíria foi transliterada dos textos originais em cuneiforme com vogais.
[12] - A explicação que consta geralmente dos dicionários para a origem da palavra “barriga”, é tortuosa e imaginativa, certamente encontrada, como em muitos outros casos, à falta de outra mais lógica. Diz-se que provém de “barrica”, e esta palavra, por sua vez, do termo gascão “barri”, que evoluiu pelo francês “barrique” com o significado de “pipa pequena”. Na verdade a palavra “barriga” deve antes provir de “bøh rk” (bââreke), em que “bøh” é “formar barriga”, e “rk” é “tenro, delicado, macio; fraco, débil; mimoso; branco, suave”. Com o tempo “bââreke” (ou um som próximo) passou a “barriga”.
[13] - Veja-se por exemplo a este respeito a “História da Lunguagem” de Julia Kristeva, p. 25 e seguintes.
[14] - Veja-se a este respeito Almeida, F. R., “O Outro Lado da História”, p. 81 e seguinte. Aí se demonstra que uma sequência de texto incluída em várias inscrições da “escrita do sudoeste” tem várias leituras em fenício, mas que são sempre coincidentes ou muito próximas.
[15] - Espírito Santo, Moisés, Dicionário de Fenício-Português, p. 87
[16] - No Baixo Alentejo usa-se a palavra “borrega” para as bolhas que se fazem nas mãos quando de um trabalho a que se não está habituado. Repare-se que também aqui temos uma origem em “bøh rk”, que significa “formar barriga macia” ou “formar saliência macia”.
[17] - O “u” no final das palavras do acádio e do assírio deve ter correspondido a um som semelhante ao “u” pronunciado em francês, ou seja, quase um som próximo do “i”.
[18] - Em rigor a palavra “rbh” significa em hebraico antigo “criar (filho)”, mas os sons “b” e “p” foram certamente indistintos entre nós e nas origens destas línguas.
[19] - Por oposição a “rapaz”, que provém de “rph øz” (rapâaz), e que significa “filho forte”. Estará certamente já o leitor mais atento a reparar que esse som “az” está presente no nome da mais forte carta do baralho, é designação de alguém especialmente dotado (o “az” do volante, por exemplo), e pode encontrar-se também no nome do metal mais forte da antiguidade – o aço, etc.
[20] - Using ancient DNA to examine genetic continuity at the Mesolithic-Neolithic transition in Portugal, Actas del III Congresso del Neolitico em la Peninsula Ibérica, Santander, Monografias del Instituto Internacional de Investigaciones Prehistóricas de Cantabria 1, 2005, p. 781-786.
[21] - Veja-se por exemplo “Identifying Genetic Traces of Historical Expansions: Phoenician Footprints in the Mediterranean” em que se afirma: “Human genetic history, however, can be viewed as a palimpsest, in which multiple events from different times but with similar geographical patterns are superimposed. Expansions from the Eastern Mediterranean could include the initial peopling by modern humans during the Paleolithic era, the subsequent Neolithic-era transition originating in the Fertile Crescent ~8000 BCE, and later events, such as the Greek expansion or the Jewish Diaspora.”
[22]  - Segundo Heródoto uma expedição fenícia mandada realizar pelo faraó Necao II circunavegou África no séc. VII a. C., o que mostra bem a capacidade dos marinheiros da época. Já Estrabão afirma: “As Cassitérides são dez em número e situam-se próximas umas das outras, distantes para norte no Oceano ao largo do porto do Ártabro. (…) Muito antes da nossa época, os fenícios eram os únicos que negociavam com eles, mantendo secretas as rotas que conduzem àquelas ilhas.” In: Estrabão, Geografia, Livro III, Capítulo 5, 11 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cassit%C3%A9rides#cite_note-strabo.geo.3.5.11-6 Abril de 2013)
[23] - Mapa apresentado em: http://www-03.ibm.com/ibm/history/ibm100/us/en/icons/mappinghumanity/transform/ (Abril de 2013)
[24] - No entender de Amílcar Guerra, o autor do texto estaria a referir-se a “fenícios” e não a “púnicos”. Veja-se, PLÍNIO-O-VELHO E A LUSITÂNIA,  p. 51.
[25] - Em relação à muito discutida origem dos Iberos, note-se que “eibri”, em hebaico antigo, significa precisamente “hebreu”, e pode admitir-se mesmo que os “judeus sefarditas” tenham origem nos iberos, com reforço de efetivos durante o domínio romano, talvez como consequência da repressão romana que se seguiu à grande revolta judaica do ano 70 d. C., ou à revolta judaica de Bar Kokhba de 132 d.C.
[26] - Amílcar Guerra, PLÍNIO-O-VELHO E A LUSITÂNIA, Edições Colibri, 1995, p. 29.
[27] - P. Avelino de Jesus da Costa em “OS MAIS ANTIGOS DOCUMENTOS ESCRITOS EM PORTUGUÊS - Revisão de um problema histórico-linguístico”, cita o Prof. J. M. Piel quando diz que no século IX «o idioma do futuro Condado Portugalense apresentava fonética e lexicalmente maiores afinidades com o português de hoje do que com o latim falado no tempo da colonização romana». A necessidade desmedida de valorizar o latim e os romanos tem relação com a sobrevivência da elite romana ao abrigo da Igreja, após a queda do Império Romano do Ocidente. A elite religiosa do império conserva a sua língua na escrita e nela se revê a ponto de a tornar língua escrita oficial de muitos reinos onde os povos falavam as línguas pré-romanas e as elites militares as línguas dos invasores “bárbaros”. Neste processo, a elite religiosa, aos poucos, passa a ser igualmente a elite intelectual e política e, evidentemente, defende a língua latina como fator diferenciador e de prestígio. É assim que, progressivamente, a língua latina vai sendo difundida muito depois do desaparecimento do próprio império. De algum modo o império romano sobreviveu ao abrigo da Igreja, e com ele as elites romanas e a sua língua e cultura.
[28] - A palavra “bøir” é hebraica, e a forma “buru” é acádia. No fundo são termos muito próximos, que possivelmente parecem mais distantes pela diferente grafia e transliteração para carateres latinos, mas que por certo eram pronunciadas de forma muito semelhante: possivelmente como nós ainda hoje pronunciamos a nossa palavra “burro”.
[29] - Ao longo deste trabalho será possível verificar que muito do francês nasceu do provençal, e que esta língua tem radicais muito próximos dos das línguas ibéricas, e partilha com elas a origem fenícia.
[30] - Em relação ao valor fonético dos símbolos aqui referidos seguiu-se o “Dicionário de Fenício-Português”.
[31] - A etimologia geralmente aceite assenta numa hipotética palavra latina “accapare”, palavra essa que nunca existiu.
[32] - Evidentemente que a nossa “aba” não nasceu do termo “alapa” latino, que era o nome dado à bofetada leve dada a um escravo para o libertar (fazia parte do ritual da cerimónia da libertação dos escravos dar o senhor uma pequena bofetada, sinal de liberdade). É mais uma das inúmeras situações em que houve um claro abuso na busca de étimos latinos para as palavras do português.
[33] - Resta saber se no início do Neolítico já existiria uma clara distinção entre “d” e “t”, ou seja, se estamos perante uma evolução entre “d” e “t”, ou se, o que começa a parecer mais provável, de um som indistinto “d/t” primordial, se fixou em alguns dialetos o “d” e em outros o “t”.
[34] - O Cardeal Saraiva refere com a maior naturalidade a relação entre o ḥet hebraico e o “f” português. Para nós essa relação foi mais surpreendente porque a relação que primeiro se detetou foi entre o “ḥet” e os sons “g” e “c”.
[35] - Juízes, 12. 5, 6.
[36] - A palavra “smr” significa “proteger, cuidar, conservar, manter”, em hebraico antigo, e o “sklbrd”, significa “insensato animal malhado”.

3 comentários:

  1. O seu estudo sobre a relação entre o português e o fenicio é muito interessante e as suas deduções sobre o significado dos fonemas são muito proximas da conclusão a que cheguei a partir do português e do françês. Acontece porém que nenhum povo colonisador conseguiu impor a lingua ao povo dominado, como podemos verificà-lo nas antigas colonias portuguesas ou francesas. A maior parte da população mantém a lingua vernacular. Verifica-se também que uma população expatriada, mantém a lingua dos seus antepassados durante varios séculos, os portugueses de Malaca ou os franceses de Quebec, por exemplo.
    No Proximo Oriente ou nos Balcãs existe uma variedade linguistica que não encontramos na Europa ocidental. Até ao século XX, existia um espaço linguistico comum desde o sudoeste da Europa até ao norte da Italia. Podemos atribuir isso aos fenicios?
    Em contrapartida, no norueguês, falado tambem no Finmark, existem muitas palavras e toponimos identicos aos do português. A partir da interpretação da fonética portuguesa podemos explicar o significado da maior parte da toponimia europeia, o que não é possivel em qualquer outra lingua. Embora seja impossivel de desenvolver este tema em poucas palavras, estou convencido que são as linguas orientais que derivam do português e não o contrario.

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  2. O parabéns acima é de R.Torres q não conseguiu enviar pelo Google e optou por anonimo. Valeu.

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  3. Parabéns pelo contributo para a compreensão da origem da língua portuguesa com o conhecimento das línguas antigas do médio oriente.

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